Oh gente, as pessoas não são folhas de Excel, não são médias, não são números e não são, entre tantas coisas, objecto de meras estatísticas contabilísticas. As pessoas, antes de mais, são seres humanos, dotados de uma imensidade de características, de atributos e de projectos, mas com um tempo de vida finito por tantas circunstâncias. Uns trabalham, por gosto e saúde qb, não duvido, até depois dos 100, como foi o caso do cineasta Manuel Oliveira ou, como um caso que bem conheço, de uma farmacêutica, que aos 103 continua a dirigir a sua farmácia, outros, porém, nem conseguem fazer 69 anos!
O "estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que indica que passar a idade da reforma para os 69 anos será a solução para a almofada financeira das pensões durar para lá de 2070", é de uma ingenuidade, de um chocante atrevimento e mesmo perversidade. Gostaria de conhecer os seus autores e de com eles falar, abertamente, sobre o trabalho, a família, as crianças e os idosos, os direitos e deveres sociais, a repartição da riqueza e a vida em geral. Não domino as questões mais profundas da segurança social, nem li o estudo (o essencial é o adiamento da idade da reforma), mas de uma coisa estou certo, porque é básico, sem incorrer em um estado de ignorância altifalante: é que a sustentabilidade do sistema passa, claramente, pela economia e por trazer ao sistema um maior número de contribuintes.
O curioso deste estudo é que provém de uma Fundação a que está ligada uma das maiores cadeias de super e de hipermercados que, dizem a comunicação social e os sindicatos, não paga a justa recompensa salarial a quem lá trabalha. Está disponível na net: "(...) Querem que as pessoas por ordenados pouco acima do mínimo nacional, trabalhem até ao limite e sem respeito pela vida pessoal. Não pagam subsídio de turno e as horas nocturnas são mal pagas (...)". Isto apesar de se encontrar em 56º lugar no "ranking" dos maiores retalhistas mundiais (2018) e o seu "patrão" ser o 2º mais rico de Portugal com 3,4 mil milhões de Euros. O CEO da Jerónimo Martins, é o segundo mais bem pago da bolsa portuguesa. Ganha 155 vezes mais do que os funcionários da empresa. Não admira, pois, que o grupo esteja nas tintas que um trabalhador se arraste até quase ao fim da vida, entre outros, pelos corredores dos super e hipermercados. Até porque conhecem bem o sistema: quando não rendem o desejado, quando os objectivos não são cumpridos, sabem bem como indicar a porta de saída.
Eu diria que este estudo é socialmente dramático, pois não olha para o desemprego e respectivos custos sociais, não quer saber da pobreza, marimba-se para o facto que no actual sistema são os avós que muitas vezes deitam a mão aos filhos e também aos netos, enquanto os pais trabalham e não faz entrar, certamente, na equação, as contribuições directas e indirectas pagas pelos trabalhadores ao longo da vida. Manda para canto a necessária renovação dos trabalhadores, a importância para as empresas do conhecimento das novas gerações (o que conduz à emigração de jovens qualificados) e as consequências do absentismo, muitas vezes por via da doença (e não só) motivado pela avançada idade. Visitem os hospitais gerais, visitem os hospitais oncológicos, tratem de saber o que é isso de "Burnout", as depressões consequência do trabalho e a incapacidade para o desempenhar a partir de uma certa idade.
Eu percebo, nada disso interessa. Importante é gerar um clima de medo, de insegurança e de hipotética falência da segurança social, portanto, assumem, a inevitabilidade na abertura ao privado, às seguradoras, ao "plafonamento e capitalização individual", pois sabem quanto ganharão com isso!
E assim se fazem "estudos"... talvez por encomenda.
Ilustração: Google Imagens.
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