LILIANA RODRIGUES
Professora Universitária/Investigadora
Professora Universitária/Investigadora
Opinião no JM - 25/08/2019
Imagine uma árvore gigante, no meio de um bosque deslumbrante, onde as ninfas da floresta, as Dríades, procuravam a sombra para dançarem. Cada Dríade nascia ligada e era emanada de uma determinada árvore. Ali vivia, junto a ela. Quando a sua árvore era cortada ou morta, a ninfa também morria. Então, os deuses puniam quem as destruía.
Foi o que aconteceu com Erisícton, Rei da Tessália. Este desafiou Deméter, deusa das colheitas, protectora dos agricultores e do bosque, que amava com todas as suas forças a árvore das árvores – um carvalho gigante. O rei decidiu usar essa árvore para fazer o soalho do seu palácio. De machados em punho, os serviçais obedientes começaram a golpear o carvalho, que carpia de dor e escorria sofrimento do seu tronco. Ali por perto, ouviam-se as vozes da indignação. A deusa protectora da floresta exigiu ao rei que desistisse de abater o colossal carvalho. Mas Erisícton, como todos os que pensam que são reis não o sendo, só se ouvia a si mesmo e os seus propósitos seriam atingidos sem que o esmagamento de terceiros lhe doesse na consciência. O seu desprezo pelos vivos e pelo sagrado, o não se curvar nem a deuses nem a homens, mostravam bem o seu carácter violento e ímpio. Tinha em si que a sua riqueza poderia comprar os medos e os castigos. Voltou a ordenar aos servos que abatessem a árvore. Um deles atreveu-se a contrariar o rei evocando a profanação do carvalho sagrado e a ira dos deuses. Antes que acabasse a frase já tinha a cabeça cortada. Algo bastante comum no mundo da política, onde a discordância é a mais imperdoável heresia.
Erisícton pegou no machado e, ele próprio, cortou a árvore. As ninfas choravam por não terem conseguido impedir a morte daquela que lhes dava sombra e que era, por Deméter, velada. Derrubado e coberto de lacerações, do carvalho gigante irrompia sangue e ouvia-se uma voz a anunciar um castigo, intimado pelas ninfas das florestas. A punição seria cruel.
Não somos muito diferentes hoje em dia. Há reis que usam e abusam da imagem dos filhos para ter maior simpatia dos súbditos. A diferença é que as bocas destes reis se enchem da palavra “democracia”, que vai sendo mendigada, tal como Erisícton vagabundeava a pedir por alimento, nas ruas por onde passam. Outros deitam alcatrão nos lugares de poder da natureza. Outros ainda, limitam-se a queimá-la.
A magreza era visível a cada dia que passava e o rei Erisícton, entre a soberba de outrora e a loucura presente, arrancava os seus braços e devorava os seus próprios membros. Assim são alguns homens que devoram os seus e a si mesmos, até que o limite do poder redunde no seu próprio desaparecimento. Para trás, deixam um rasto de destruição e de cabeças cortadas pelo prazer da vaidade. “A vaidade tem horror a tudo o que desperta a lembrança da nossa indigência” (Aires, M.). Que obrigação terão estes servos de escolher homens assim?
No fim, os deuses castigam um homem só. Em todos os sentidos que a palavra solidão tem. A cegueira e a loucura já puniram verdadeiros e falsos reis. Mas a arrogância, o orgulho e a vingança engolem qualquer homem. O deserto só atravessa quem quer e a obediência tem o custo da fome. Uma fome que nos devora a alma.
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