Destino ‘tropical’ fica a hora e meia de distância, testa à chegada e anda de mão estendida
É “bonito por natureza” o nosso ‘Portugal Tropical’, que já foi ‘Pérola do Atlântico’ e mais umas outras coisas disparatadas e nada abonatórias para a marca, que mesmo assim foram propagandeadas. Só que ser bonito não chega, sobretudo se não houver quem o descubra e aprecie de perto e se se mantiverem as restrições nos aeroportos regionais - os nacionais estão abertos, prontos e não viraram hospitais - ou dificuldades nos acessos, ditados pela falta de transporte aéreo, por preços exorbitantes nas viagens ou fraca estratégia na captação de turistas. Num contexto de pandemia e de outras crises a esta alegadamente associadas, qualquer que seja o slogan usado, um destino de excelência está ‘trompicado’ por razões que ultrapassam pela direita quem cá vive.
Mas a culpa é nossa, ora porque nos abstivemos no momento da decisão, ora porque esbanjamos oportunidades de gerarmos alternativas credíveis, ora porque elegemos quem sempre andou com a mão na massa e se habituou a gastar mais do que tinha. Os problemas financeiros da Madeira não começaram a meados de Março deste ano e não é de agora que a Região é caricaturada no País como pedinte.
É preferível andar de mão estendida do que roubar, mesmo que para comer, mas a fome, agora usada para chantagear ou decorar o jogo político, sempre existiu. Nem no tempo da fartura que a União Europeia patrocinou e dos gastos desmedidos que criaram a dívida colossal que ainda hoje pagamos, das inaugurações faustosas e dos discursos inflamados houve disponibilidade mental para nivelar por cima todos os que viviam na sociedade assimétrica. É benção divina termos paisagens únicas, mar e serra separados por minutos e qualidade de vida. A Madeira foi reconhecida pelo INE como a região do País com melhor desempenho ambiental! Qualquer continental que se preze tem orgulho nesta diversidade em estado puro. A paixão é recíproca, embora mais depressa o governo regional faça uma cimeira insular com Canárias do que com outras regiões portuguesas, por sinal, as que mais precisa este ano para animar a sua hotelaria incrédula e farta de esperar, num sector em que 98% das empresas consideram necessárias medidas extraordinárias de apoio ao turismo.
É uma dádiva de valor incalculável termos condições para acolher um turismo que queira ser activo, mas que por estes dias se vê confrontado com uma teimosia sanitária sem paralelo. A Madeira figura na lista dos destinos mais seguros para visitar na Europa em 2020, publicada pela ‘European Best Destinations’, mas obriga a testes PCR à chegada. Se é verdade que ninguém escolhe destinos que têm a covid-19 como cartão de visita, também é garantido que ninguém arrisca viajar para lugares em que a probalidade de não sair do quarto de hotel, de ir parar ao hospital ou de ser devolvido à procedência é elevada. A Região tem solução: insistir que todos sejam testados na origem; usar do mesmo princípio e gabar-se disso.
Temos na Região quase tudo o que alguns procuram nos destinos que ficam longe da vista e do coração. Percebe-se a intencionalidade da mensagem presente na campanha promocional que foi lançada para captar o mercado interno, mas é fácil perceber que quem tem mundo pode não tolerar ‘gato por lebre’. Defraudar expectativas é o pior que se pode fazer a um destino. E nesta fase não é de todo aconselhável desiludir gente que espera fazer uma levada mas passa uma semana entre túneis, que quer beber poncha com tangerina acabada de espremer e apanha com um concentrado azedo mergulhado em vodka, que deseja comer peixe fresco, carne gostosa e fruta regional mas depois de uns congelados e uma conta inacreditável, ainda recebe um e-mail do restaurante bem cotado a implorar donativos, que devem ser depositados na conta mencionada porque o coronavírus tornou a vida difícil.
As nossas ilhas, ainda com algumas jóias intocáveis, complementam-se. Uma parceria natural que deveria inspirar decisores e contagiar as relações políticas. De que nos serve enfatizar que a Madeira derrota copiosamente o PS na Assembleia da República se a conquista justa e inquestionável acaba por ser engavetada e a solidariedade condicionada? De que vale pedir emprestado sem saber onde gastar, por falta de plano de relançamento económico? De que nos serve comprar guerras se não temos armas?
‘Trompicado’ é um estado de alma em que não se fica eternamente. Basta nada dever à lucidez.
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