Por
Francisco Louçã,
in Expresso Diário,
09/06/2020
Um deputado avisou, feliz, que ia proferir a mais racista de todas as frases da história do Parlamento, e lá perorou alguma coisa sobre distritos em que vivem ciganos. É uma forma de política que se repete enfadonhamente, a frase mais racista é sempre menos do que a seguinte frase mais racista e a pândega continua por aí fora. O homem já pediu uma lei especial para perseguir os seus ódios de estimação e assim continuará, é fácil e dá milhões.
Rui Rio, que se rebaixa a correr atrás do que lhe parece ser o prejuízo, vai mais longe, não há racismo em Portugal. Não sei se é só ingenuidade ou um episódio agudo de cheguismo que lhe passará depressa, desejo as melhoras. A pergunta talvez seja então se há contas desse racismo.
No "New York Times", que é inocente a respeito destas nossas questões, foi sugerida uma resposta por Nicholas Kristof, mas para os Estados Unidos. O comentador cita dados estatísticos do seu país a respeito de diferenças regionais: um jovem negro do Alabama ou do Mississippi, ou de outros Estados do sul, tem menor esperança de vida que um jovem do Bangladesh.
O "Financial Times" desta terça-feira lembra que estes dois Estados recusaram o modesto sistema do Obamacare, que procurava garantir um seguro de saúde para toda a gente (a percentagem da população negra sem qualquer proteção de saúde é o dobro da branca).
Há mesmo regiões onde a vida é um abismo. Mas sabe-se mais. No conjunto do país uma mulher negra tem uma probabilidade duas vezes e meia maior de morrer no parto do que uma mulher branca. Na atual pandemia, a taxa de mortalidade das pessoas afrodescendentes é 2,6 vezes maior do que a do resto da população. No emprego, mais um problema: nem metade da população negra tem trabalho.
Em Minneapolis, onde foi assassinado George Floyd, o rendimento das famílias negras é metade do das brancas. E são as pessoas negras que asseguram alguns dos serviços essenciais: nos transportes, cuidados de crianças, saúde e correios, a população negra está em muito mais postos de trabalho do que o que equivale à sua percentagem no país (13%). Outros dados demonstram que tem havido alguma mudança. Assim, em 1970, 47% dos afrodescendentes nos EUA eram pobres, agora serão 27%, mas ainda assim trata-se do triplo da média da população branca. Há mesmo diferenças nas condições essenciais da vida e elas permitem perceber o contexto da tensão e do protesto.
Em Portugal, é simples, não sabemos. Conhecem-se incidentes, desigualdade na habitação, diferenças nas carreiras profissionais, insultos em estádios de futebol e a vida ainda mais difícil para tantas pessoas. Mas números não sabemos. Apesar da sugestão de várias associações, as autoridades estatísticas não aceitaram incluir o registo pelas próprias pessoas, querendo, da sua origem étnica, o que permitiria conhecer alguma da realidade das diferenças.
Não sabemos qual é o peso da desigualdade no trabalho, na habitação, no sucesso escolar, na saúde. Estamos de olhos fechados. É cómodo mas não permite conhecer a verdade dos factos. E facilita o brinde de Rio com Ventura.
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