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terça-feira, 30 de junho de 2020

Problemas e incertezas do lítio em Portugal


Por
João Abel de Freitas, 
Economista
29 Junho 2020

Se uns pendem para o lítio, outros defendem que o futuro do automóvel está na “fuel cell”, com origem no hidrogénio. O nosso país está, parece, a apostar nos dois carrinhos. 


Nos tempos mais próximos, certamente que vamos ouvir falar muito de clusters [áreas estratégicas para a mudança/transformação da economia portuguesa], de fileiras, de sectores estratégicos e de alguns outros termos a que estão associados conceitos de desenvolvimento. Isto porque vem aí o Plano desenhado pelo Professor António Costa Silva (ACS) por encomenda do Governo. 

Alguma comunicação social disse que ACS já entregou um esboço do Plano, antes mesmo da sua conclusão. Espera-se conhecer as áreas estratégicas por volta de 15 de Julho. Quantas, não sabemos, competindo ao Governo escolher as que entender estruturantes para o Futuro da Economia. Não devem ser muitas, como já se escreveu aqui, sob pena de o Plano não ter operacionalidade. 

Espero que o cluster dos recursos endógenos do País venha a ter cabimento nesse Plano – pois, em minha opinião, temos recursos de sobra de vária natureza a potenciar –, entendendo-se aqui por recursos não só os materiais (lítio, hidrogénio, madeira, etc.), como muitos outros, nomeadamente a ciência, a capacidade técnica e de engenharia, a arte, numa palavra, o conhecimento que o País detém, nem sempre bem articulado, e que pode/deve ser posto ao serviço do desenvolvimento colectivo. Aliás, a pandemia deu-nos um belo exemplo na saúde, juntando ciência e empresas. O que agora se impõe é o desenho de um cluster dinâmico da saúde, juntando todas as peças. 

A abordagem dos clusters deve, por seu lado, guiar-se por uma determinada filosofia metodológica: a caracterização da forma como as diferentes componentes devem interagir, tendo por objectivo identificar os pontos fracos (debilidades) e os pontos fortes (vantagens potenciais), com vista a referenciar a competitividade interna e externa dos produtos ou bens potencialmente decorrentes da actividade das empresas, instituições e Estado no âmbito do cluster. 

É evidente que a aposta num cluster não depende apenas do comparativo debilidades/vantagens potenciais, depende também de outros factores como o acesso a financiamentos, domínio ou acesso a tecnologias, conhecimento dos mercados, papel dos actores/agentes e, sobre estes aspectos, na energia, por exemplo, haveria muito a dizer. Meia dúzia de grandes multinacionais têm capacidade para ligar conhecimento e dinheiro. Estão agora no petróleo mas em transição para as renováveis, como já estiveram no carvão e daqui a dias tomarão conta do hidrogénio. São essas multinacionais que “dominam” os recursos marinhos e vão comandar a sua exploração no futuro. 

1. Porquê falar do lítio? 

O lítio é um recurso mineral que o País possui com alguma abundância, sobretudo no contexto da Europa. Poderá vir a constituir uma fileira produtiva a desenvolver no âmbito do cluster estratégico dos recursos nacionais do Plano ACS. 

Revisitando a comunicação social dos últimos 3-4 anos, encontramos títulos muito “promissores” sobre o lítio. Revisitemos alguns: Lítio: “o petróleo branco”; A energia do Futuro; “Febre” do lítio em Portugal; Lítio pode trazer “Tesla” para Portugal; Governo quer ter a primeira refinaria de lítio da Europa (João Galamba em 17/11/2019); Atrair para o território português (Siza Vieira) uma fábrica de baterias, ou de cátodos ou de powerwalls. 

O Governo aprovou em 25/01/2018 a estratégia do lítio a partir de um relatório do grupo de trabalho, entregue em Março do ano anterior. “Um programa de fomento mineiro para avaliar os recursos minerais de Lítio existentes no país e a implementação de duas unidades experimentais minero-metalúrgica e de demonstração em consórcio com empresas exploradoras para aferir da viabilidade económica da cadeia de valor”. 

O lítio é um metal extraído da natureza por processos diferentes, consoante a sua origem. Se provém de uma jazida mineral, é explorado como numa mina a céu aberto ou em galeria. Se retirado de lagos salgados, por um processo semelhante ao da extracção do sal marinho. 

A obtenção de carbonato do lítio (componente essencial das baterias dos carros eléctricos) é mais fácil e mais barata quando extraído dos lagos salgados. As grandes reservas de lítio conhecidas localizam-se nos lagos salgados (Andes e Himalaias) e, por isso, Chile, Argentina e Bolívia concentram 75% das reservas a nível mundial. 

Portugal, com reservas bastante menores, provenientes de jazidas minerais localizadas em 11 zonas do País identificadas no Norte e Centro, situa-se no top-10 dos principais países produtores de lítio no Mundo e em número 1 da Europa. 

2. A febre do lítio 

A febre do lítio entra em Portugal com o lançamento do automóvel eléctrico, pois há muito se explora este metal para a cerâmica e para o vidro. A empresa Felmica, por exemplo, movimenta cerca de 85% do minério de lítio em Portugal, correspondendo a 30.000 toneladas/ano. Esta empresa tem reservas avaliadas que lhe dão para laborar, a esta média, mais de 67 anos, e reservas com potencialidades quatro ou cinco vezes superiores. 

Portugal “acordou” um pouco tarde para este novo uso do lítio e avança a passo de caracol. Dir-me-ão, antes assim do que nada. O problema é se fica, sem bateria, na berma da estrada, passando-lhe a oportunidade ao lado. Entre o relatório do grupo de trabalho do lítio e a estratégia do Governo passaram-se dez meses. E do que veio a público, a estratégia avançada peca por algumas vicissitudes. 

As duas unidades experimentais (minero metalúrgica e de demonstração) não terão avançado ao ritmo desejado, a concertação com as empresas a receber áreas de concessão pecou pela burocracia, também não houve o melhor entendimento com as populações nem com alguns dos municípios onde se localizam os recursos de lítio, apesar de o Governo garantir que cumprirá as recomendações dos estudos de impacto ambiental. 

As linhas de trabalho na captação de investimento estrangeiro para as diferentes fases da fileira produtiva não parecem elencadas segundo prioridades, e até se hesita na extensão da fileira produtiva. 

A lógica seria que as linhas da cadeia de produção da fileira se estendam, no mínimo até à refinaria do lítio. As baterias eléctricas tudo indica que, no quadro da especialização europeia, irão para o centro da Europa, onde se localizam os grandes produtores de automóveis. Há assim muitas nuvens a ensombrar o plano de trabalho. 

3. Mas serão as baterias o futuro? 

Entretanto, surge a grande controvérsia baterias versus hidrogénio. Há quem defenda, por exemplo os responsáveis de algumas marcas como a Mercedes, que o futuro do automóvel está na “fuel cell”, com origem no hidrogénio. O nosso país está, parece, a apostar nos dois carrinhos. Será que as duas apostas não chocam? Ou poderão ser complementares? 

Umas achegas mais. A Alemanha tem um plano estratégico para o hidrogénio em que o objectivo é ser o nº 1 mundial. A França também já afirmou que a sua aposta é no avião a hidrogénio. Certamente mediu forças e concluiu ser difícil a disputa com a Alemanha. Há que fazer uma aposta específica. Portugal também tem um plano estratégico para o hidrogénio em parceria com a Holanda. Afirma estar aberto a outros países. 

Temos algumas condições teóricas de vantagem, sobretudo na produção competitiva de energias alternativas, e este projecto necessita de muito consumo dessa energia. Aliás, todo o projecto encaixa na transição energética, na descarbonização da economia. Sem energia alternativa é um projecto falhado. A Alemanha é nessa matéria menos competitiva, apesar de grandes investimentos recentes nas alternativas. 

Não será que Portugal deveria pensar numa parceria estratégica com a Alemanha, dado que até tem uma tradição de sucesso na cooperação em termos de investimento? 

O hidrogénio é uma aposta a ponderar. A ter sucesso mudaria radicalmente a economia portuguesa. A Comissão Europeia apresenta também uma estratégia a 8 de Julho. Um assunto a prometer páginas. Esperemos que bem fundamentadas. 

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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