Por estatuadesal
Francisco Louçã,
in Expresso,
30/11/2021
E, pronto, Rui Rio arrasou as previsões, o aparelho e as conveniências do seu principal opositor externo, o primeiro-ministro. Fica assim definido o quadro das eleições de janeiro, com um PSD a procurar somar votos do centro por via da polarização à direita, com o PS a procurar votos de centro usando a guerra contra as esquerdas, que procuram impedir aquele salto para o bloco central, com o PAN a oferecer-se tanto ao PS quanto ao PSD e com o CDS a lutar pela sobrevivência face ao Chega, que insinua um convite a Telmo Correia. Tudo no seu lugar, mas ainda sobram algumas incógnitas.
No PS, algumas vozes reclamam vitória com a anunciada aproximação ao PSD e citam as suas próprias pretéritas declarações, que já teriam sugerido esse entendimento, esperando que ele agora se concretize com um passe orçamental. Há nisto uma forte dose de autointoxicação. O PS já seguiu este caminho e foi há pouco tempo: depois da sua maioria absoluta (2005-2009), virou-se para acordos com a direita, consagrados com os famosos PEC, até Passos Coelho anunciar, com um à vontade que fez escola, que já era “tempo de ir ao pote”.
O resultado não foi entusiasmante. Ora, se isso é, ainda assim, o passado que passou, uma atual reedição de um entendimento do mesmo tipo entre o PS e o PSD, a que se tem chamado bloco central informal, com sustentação parlamentar mas sem coligação de governo, sofre agora de um risco maior. O facto é que essa convergência não tem projeto para o país e, sendo consagrado depois de seis anos de um governo cansado, parece mesmo aquilo que é, uma exasperada estratégia de sobrevivência.
O seu único programa é o poder pelo poder, a carreira, e isso nem sequer é ocultado. Veja o caso da saúde: o Governo rompeu negociações com os partidos de esquerda por não aceitar carreiras profissionais em exclusividade no SNS, entre outros temas. Fica agora preso a uma escolha impossível, ou continuar a degradação do serviço de saúde (mais quatro anos?) ou comprar a proposta do PSD, a começar por entregar a medicina familiar ao sector privado, com o milhão de clientes a quem falta médico no centro de saúde.
Acresce que este bloco central informal, se será defendido como a “estabilidade” da corrida para o centro, acentua a divisão dentro do partido do Governo e, fracassando, como está escrito nas estrelas, sublinha a viabilidade e mesmo a inevitabilidade da alternativa de Pedro Nuno Santos. Assim, a incógnita do atual governo é que a política com que pretende vencer agora conduz à certeza da sua derrota posterior.
No PSD a incógnita é diversa. Parece até mais pequena. Rio concorre para perder em janeiro, mas ganhou tempo. Ao dar o PS os próximos orçamentos, estende os seus prazos e fica à espera do desgaste ou até da eventual saída de Costa antes do final do mandato para um cargo europeu, assunto sempre rodeado de palpitante intriga. Por só ter de gerir o tempo, a sua escolha é a trincheira e é aí que tem sempre conseguido o que pretende: por isso, deve escolher se deixa morrer o CDS, que dificilmente elegerá um só deputado, ou se salva Rodrigues dos Santos e assim o tenta usar como um tampão contra Ventura. Para o efeito da polarização contra o PS, essa coligação é inútil e, de tão incredível, até perniciosa, imagine-se os comícios com os líderes dos dois partidos, que só sublinhariam a artificialidade da operação. No entanto, Rio hesita entre reconhecer o inevitável ou tentar usar o CDS como uma espécie de PEV do PCP. Assim, a incógnita do PSD é sobre o efeito de perder agora para esperar ganhar depois.
O resultado destas duas incógnitas é uma deslocação da política portuguesa, com o PS a procurar entrincheirar-se no centro e num acordo orçamental com o PSD e com o PSD a disputar a polarização da direita para atrair votos do centro. Tudo isto é jogo. Não há aqui Portugal.
Não há investimento, não há emprego com salário, não há segurança para as pessoas, não há saúde. Não há uma ideia ou uma proposta, há uma flutuação continuista. Não há chama nem entusiasmo, há resignação. O que assim nos é proposto é que caminhemos, cantando e rindo, para o pântano.
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