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09 Maio 2022
As políticas de aumentos salariais seguidas pelo Governo são uma forma de retirar poder de compra aos rendimentos do trabalho pois não jogou, quando podia, com um mix de políticas: aumento de salários e alívio da fiscalidade sobre o trabalho.
1. A economia portuguesa cresceu em termos reais 11,9% no primeiro trimestre de 2022 face a igual período do ano anterior, e 2,6% quando comparada com o quarto trimestre de 2021. Uma boa notícia que as estimativas rápidas do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgadas em 29 de Abril último, nos proporcionam.
Portugal apresenta, assim, o valor mais elevado da Zona Euro, rompendo com as expectativas dos economistas portugueses mais optimistas que apontavam para valores em torno dos 9%.
Dois valores interessantes quando, por exemplo, os EUA registam uma queda de -1,4%, e a União Europeia (UE) 0,2% (valores em cadeia) e 5% de variação homóloga, que compara com 2,6% e 11,6% em Portugal. Na UE, apenas a Áustria se aproximou de Portugal, com 2,5%.
Olhar para estes valores de forma acautelada
2. Temos, no entanto, de olhar para estes valores de forma hábil. Não podemos esquecer que 11,9% é um valor dos primeiros três meses (Janeiro, Fevereiro e Março) de 2022, que não reflecte ainda os efeitos da guerra Rússia-Ucrânia, sendo que para a frente nada nos garante.
Também importa não esquecer que, no período de comparação (primeiro trimestre de 2021), o País atravessava um ponto baixo (-5,4%), com a Covid-19, o que relativiza e bem os 11,9%.
De qualquer modo, a situação económica era então comum a toda a Europa, pelo que não temos que denegrir a nossa situação, como muitas vezes há tendência, antes pelo contrário analisá-la e ver se algum ensinamento se pode retirar.
O INE, sem uma explicação detalhada, atribui o crescimento da riqueza neste primeiro trimestre fundamentalmente à procura interna, em especial, ao consumo privado e ao turismo. As trocas económicas externas deram um contributo reduzido.
A subida galopante de preços da energia que tem vindo a registar-se desde meados de 2021 vai levar a uma retracção do consumo privado no curto/médio prazo, pois a grande maioria da população está a perder poder aquisitivo, ou seja, com o mesmo rendimento ou um poucochinho mais (aumentos salariais ínfimos) vai passar a poder adquirir menos bens. Assim, o consumo privado vai reduzir-se, as empresas diminuirão os seus negócios e, por conseguinte, o PIB sofrerá os efeitos desta mudança de trajectória de rendimentos.
Evidente. Poderá haver um esforço na exportação, mas nunca o suficiente para operar a compensação. O aumento de rendimentos das pessoas é, assim, fundamental na dinâmica da economia.
Com pés de barro não se caminha
3. Pés de barro ou pés bem seguros de quem nos governa faz bem a diferença na gestão política da economia. Há que olhar para as circunstâncias, analisá-las e ter objectivos. O turismo, por exemplo, tem tido um impacte retumbante e o ambiente que se respira em termos de reservas hoteleiras permanece favorável por todo o país.
Com muitos outros sectores, porém, não sucede o mesmo, pois enfrentam condicionalismos com os preços dos inputs necessários à produção. Ouvimos queixas reais em muitas áreas, e até a Infra-Estruturas de Portugal se queixa da subida galopante de preços e das obras que vão derrapar.
Estamos perante uma situação inflacionista que não é transitória, como diz o Governo. Uma situação inflacionista que veio para durar pelo menos enquanto os problemas energéticos se mantiverem em turbulência, ainda mais com toda a confusão reinante no seio da UE, onde ninguém se entende e as pressões externas, sobretudo dos EUA, são uma constante no pior sentido.
Os aumentos de rendimentos e a dinâmica económica
4. Assim, os salários não podem ser analisados de forma mecânica até porque há aquele ponto de equilíbrio com efeitos positivos na dinâmica económica que, de certeza, não são os 0,9% de aumento previstos para a função pública.
Um aumento de rendimentos equilibrado na sociedade pelo aumento de salários não provoca uma espiral inflacionista, pois estamos perante uma inflação pelo lado da oferta – são os custos das matérias primas e dos bens intermédios a subir que determinam o aumento dos preços.
Assim, um aumento de salários a um nível equilibrado seria acomodável e para cobrir a diferença para o nível da inflação, uma política de actuação fiscal através do alívio da carga sobre os rendimentos do trabalho, por exemplo, a actualização dos escalões dos impostos no mínimo pela taxa de inflação e a revisão em baixa de uma ou outra taxa fiscal nos escalões reporia o “mix” de rendimentos a injectar na economia portuguesa.
Com uma política deste tipo atingir-se-iam vários objectivos, nomeadamente:
Criava-se mais riqueza dinamizando a economia pela procura interna;
Não se perdia poder de compra, o que vai acontecer com a política “reducionista” subjacente ao orçamento aprovado já na generalidade para 2022;
Corrigir-se-iam salários médios esmagados;
E, se tudo isto se articulasse com o investimento, designadamente através dos fundos comunitários, melhor ainda porque podia proceder-se a mudanças qualitativas tão necessárias à estrutura e organização da economia (pública e privada).
Desta forma, ganharíamos todos. Os que têm rendimentos mais ou menos fixos decorrentes do trabalho e as empresas, com o poder de compra restabelecido, mais facilidade obteriam nos seus negócios. E, no conjunto, a economia do País sairia beneficiada.
Com a perda de poder de compra previsto, todos perdemos.
Conquistar pontos no PIB
5. Ouvi o primeiro-ministro António Costa destacar o reforço do peso dos salários no PIB como um objectivo de convergência com a Zona Euro até ao final da legislatura, em 2026. Uma boa ideia, mas a política salarial em curso navega em direcção oposta.
À data, o peso dos salários no PIB é, em Portugal, de 45% e a média da UE 48%. Se, em 2022, pela política do Governo, os salários vão se contrair face ao PIB, que vai crescer mais que os salários, andamos por maus caminhos.
Então, como vamos recuperar nos anos seguintes sabendo que a inflação veio para durar, e na Europa reina uma grande instabilidade e sem capacidade para sanar as causas que lhe estão na origem: a inexistência de uma política energética europeia?!
Os dados apontam mais para uma Europa a flutuar, de uma dependência para outra, em termos de energia e menos no concerto de uma política comum. Sabemos que há dois grupos de países capturados pelos grandes interesses dos grupos económicos que se digladiam arduamente pelo poder. Não por uma política estratégica comum que sirva os interesses da Europa.
Deste modo, as políticas de aumentos salariais seguidas pelo Governo português são uma forma de retirar poder de compra aos rendimentos do trabalho pois não jogou, quando podia, com um mix de políticas: aumento de salários e alívio da fiscalidade sobre o trabalho.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.
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