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segunda-feira, 29 de abril de 2019

LULA DA SILVA. VALE A PENA SEGUIR ESTA ENTREVISTA (I)

Afinal, há fome!


Manchete do DN-Madeira de hoje: "2,4 milhões de Euros vão ajudar os mais pobres a matar a fome". É o que se pode designar por título da verdade. Lamentavelmente, o digo. Passados 45 anos de Abril, segundo os últimos estudos, a Madeira apresenta 27,4% de pobres, o que significa, grosso modo, 67.000 pessoas em dificuldade, metade das quais em situação de pobreza extrema. Não quero com isto dizer que Abril deveria ter resolvido tudo ao nível das carências básicas, pois sabemos, infelizmente, que há sempre margens difíceis de atingir. O que me impressiona é a grandeza dos números, dos marginalizados, dos que têm de viver da terrível palavra caridade e de conviver com o estigma da pobreza. Dos que entraram nesse círculo vicioso e dela não saem, quando, em contraponto, tanto dinheiro público foi gasto em obras não prioritárias e tanta riqueza foi gerada apenas para alguns. Isso é que incomoda. Porque a fome não pode esperar!


Vem agora o governo, talvez porque se aproximam eleições regionais, difíceis para quem está há mais de 40 anos na liderança absoluta, atenuar com uns cabazes de alimentos as periferias da sociedade. Digamos que se trata de um suplemento, porque andaram à socapa, a tapar as fragilidades, beneficiando do exemplar trabalho de muitas instituições. 
Olho para a pobreza em vários países, escuso-me de os referir, uns pela tirania, outros, pela ausência de visão política, a fazerem exactamente o mesmo. Aqui, não existem senhas para irem levantar o que o "Estado" oferece, mas contornam a situação por outros artifícios que, salvo as devidas proporções, vem dar quase ao mesmo.
E pasmo que este tipo de governo "duracel", sabendo que a fome existe(ia), nunca tivesse assumido a necessidade, primeiro, que a Autonomia deveria enveredar por uma economia sustentada e geradora de emprego duradouro; segundo, por um sistema educativo consistente e aberto ao futuro, contrariando as altíssimas taxas de abandono e de insucesso escolar; terceiro, por uma política de família exigente; quarto, a inevitabilidade de inscrever, no quadro da Autonomia, em sede de Orçamento Regional, tal como acontece nos Açores, um complemento mensal às magríssimas pensões pagas pelo Estado. Uma ajuda, por exemplo, de € 50,00 poderia significar um "carro de compras" mensal! Na Assembleia, as propostas da CDU, do PS, depois, de outros partidos políticos, foram sistematicamente chumbadas pela maioria.
Recordo que até para abrir o Banco Alimentar Contra a Fome, instituição independente do governo e da Igreja, foi uma carga de trabalhos. Encontrar um espaço para a instituição foi motivo de acesos debates na Assembleia, porque, no essencial, estava a negação da pobreza. Afinal, há fome!
Ilustração: DN/Madeira. 

quarta-feira, 24 de abril de 2019

ABRIL ESTÁ, SORRATEIRAMENTE, ATACADO!



Depois de 45 anos, sobre Abril de 1974, está tudo dito. Glória aos que lutaram, foram perseguidos, presos, torturados e deportados. Glória aos que morreram, ficaram estropiados ou com sequelas pós traumáticas na estúpida guerra colonial. Glória aos nossos avós e pais que sofreram pela ideologia dominante e ausência de lucidez do Estado Novo.

Hoje, porém, deve preocupar-nos o presente e o futuro. É tempo de ficarmos apreensivos com todas as derivas aos princípios e valores que da Revolução emanaram, não no sentido da exclusão, mas do fortalecimento do que a todos nos une.

As ameaças são flagrantes, a Democracia, apesar de aparentemente consolidada, sofre com a ausência de líderes de confiança, de políticos impolutos e de qualidade, de uma Justiça para ricos e outra para pobres, o que tem feito espoletar desconfortos múltiplos e crescentes tendências populistas.

Abril está, sorrateiramente, atacado por muitos lados, por gente que deseja bloquear direitos constitucionais, privatizar uma grande parte das riquezas nacionais, olhar para a pobreza sob o prisma da caridade, a emigração como uma inevitabilidade dos novos tempos, as garantias da segurança social como espaço de enriquecimento do sector privado, a saúde como uma fonte de riqueza de grupos, a descontinuidade geográfica como um feudo de poucos e a educação 
com uma atitude desresponsabilizadora, privatizadora 
em  total desacerto com o futuro. 

Também avançámos muito, é certo. O crescimento das infraestruturas necessárias é inegável. Falta, porém, o investimento no ser humano, a reorganização da sociedade, uma política de família, trazer a História política à juventude, não apenas as datas, mas os contextos e as consequências, as nossas forças e fraquezas e, inevitavelmente, o respeito por quem trabalha, quando há quem deseje que o trabalho se prolongue até aos 69 ou mesmo 80 anos, como subtilmente sugeriu um ex-presidente da República. Nós que "importamos" tudo,  da moda ao pensamento, que nos submetemos a tendências, cuidado, porque Jack Ma, o fundador da Alibaba (curiosa designação!) sugere que "trabalhar 12 horas por dia é uma bênção que os trabalhadores devem encarar como uma honra e não um fardo". Podem vir a caminho novos tempos de escravidão.
25 de Abril sempre, mas de olhos bem abertos, porque há gentinha ambiciosa, gananciosa, exploradora, que não se rala em dar cabo do planeta e que estão armados em donos da nossa vida, gente que é extremamente paciente e que sabe para onde caminha. Do outro lado, convenhamos, estão os românticos que acreditam na boa fé e que tudo irá dar certo. Tenhamos atenção que a deriva é tal que nada pode ser dado como adquirido. 

terça-feira, 23 de abril de 2019

Couves de Bruxelas


Por estatuadesal
23/04/2019
Melo, Cristas e Soares

Em tempos idos os fenómenos mais marcantes e inéditos no país estavam, por estranha tradição, associados ao Entroncamento. Agora parece que passaram para a Golegã.

O CDS, comandado pela azougada Dra. Cristas, foi apanhar couves à Golegã. Assim, acompanhada por Nuno Melo e Pedro Mota Soares, também conhecido pelo "ministro lambreta", decidiram participar no projeto “Restolho“, da Associação de Agricultores AGROMAIS, que consiste na apanha de couves para o Banco Alimentar de Abrantes.
As razões de tão insólita acção de rua prendem-se necessariamente com as eleições europeias que, segundo a última sondagem da Aximage, não irão ser nada auspiciosas para o CDS e para a Dra. Assunção que, segundo ela, irá lutar nas eleições de Outubro para ser Primeira-Ministra.
De facto, os votos que Marinho Pinto angariou nas europeias de 2015 (7%) vão ser avidamente disputados pelo PSD e pelo CDS, e nada melhor do que recorrer à apanha da couve, para tentar captar esses votos do MPT, o partido da Terra. Ora, como se trata de eleições europeias, a Dra. Assunção só falhou o alvo quanto ao tipo de couve porque, em vez da colheita de couve lombarda, deveria ter optado pela apanha de couves de Bruxelas. Sempre era mais condizente.
Há que dizer que os políticos em campanha eleitoral resvalam muitas vezes para situações de extremo ridículo. Mas esta direita do CDS bate todos os outros aos pontos e cada vez nos surpreende mais com estas acções dignas de figurar no anedotário nacional. Acham eles que os portugueses são tão estúpidos e atrasados mentais que consideram que apanhar meia dúzia de couves em frente às televisões, transforma qualquer mortal num agricultor encartado e merecedor de empatia profissional, e quiçá, de ser merecedor de escolha nas urnas.
A Dra. Assunção sempre teve queda para as "causas agrícolas", queda que herdou do seu patrono e mentor Paulo Portas. Ainda a haveremos de ver com o boné e com o capote alentejano que o dito patrono costumava usar para se passear em campanha eleitoral por feiras, mercados e romarias.
Mas mais ainda. Como o CDS está, para já, divorciado do PSD de Rui Rio e vai a votos sozinho para mostrar o que vale, a Dra. Assunção está livre e prendada para casar com quem se chegue à frente e a queira levar ao altar.
Com este tirocínio da apanha da couve, a Dra. Assunção mostrou os seus predicados de mulher da lavoura e alertou todos os jovens agricultores casadouros para o facto de não se assustar com as duras exigências dos trabalhos do campo.
Por isso, ó jovens agricultores, quando forem ao programa da SIC, não escolham qualquer uma e protestem, junto da produção, por só vos confrontar com candidatas de fraco curriculum. Mandem vir a Dra. Assunção que já tem provas dadas em todas as artes agrícolas, desde a apanha da couve até à pasta ministerial da actividade. É garantido que melhor esposa não podem ambicionar.

sábado, 20 de abril de 2019

A política é uma prostituta


A política está cheia de pessoas falsas que traem o melhor amigo, pessoas que se vendem ao primeiro aceno que encontram na curva. Parafraseando um Amigo, experimentado político, líder de um partido, há já muitos anos, embora em outro contexto, há gente na política que se comporta como uma prostituta. Vende-se! Basta uma conversa por bem intencionada que seja, a percepção de uma hipótese a partir da qual deduzam poder ofuscá-las ou de constituírem uma ameaça, uma posição política desconforme com o seu interesse, até um mero reparo por mais sincero e inteligente que seja, ou então, face a um quadro que não podem contrariar, zás, a quem ontem bateram palmas, em um ápice, os de coluna bem erecta passam de bestiais a bestas. Perdem, desde logo, a noção da amizade sincera, do trabalho em equipa, que o contraponto é sempre importante para as instituições e esquecem-se da humildade e do que Laurence Peter sintetizou em um princípio que os devia acompanhar: seja qual for o sistema, em uma linha hierárquica "todo funcionário tende a ser promovido até ao seu nível de incompetência". O exercício da política está cheio, repito, de gente que é falsa e traidora porque é incompetente.


Ser competente dá muito trabalho. Desenvolver a capacidade política com mestria, perícia, idoneidade e respeito pelos outros, depende muito do que se é, do que se transporta na matriz individual, para a qual não basta uma plástica que transmita a ideia de uma putativa aptidão e sabedoria. 
Um dos meus netos dizia-me, há dias, com um ar de gozo, que um determinado sujeito que apareceu na televisão, era um "trolha", perdão avô, "um técnico de amassamento de massas" como agora são conhecidos. Definições criativas geradas nos pátios lá da escola, pensei eu. Mas, de facto, em função desta breve reflexão que aqui faço ao correr do pensamento, na política são muitos os "técnicos de amassamento de massas". Amassam os que não lhes interessam, amassam as consciências, julgando os outros através dos seus próprios actos. Com o devido respeito pelos tais "técnicos de amassamento de massas", meu querido neto, aprende, eles são "trolhas" políticos.
E nós, o colectivo dos cidadãos, temos, obviamente, responsabilidade disto ter chegado ao estado que chegou. A essa emergência da mediocridade. Porque somos nós que os elegemos, quando os partidos deveriam ser, com as naturais diferenças ideológicas, aquilo que, em abstracto, se entende por certo. Ah, é verdade, quarenta e cinco anos depois falta-nos essa cultura, temos democracia mas não dispomos de aprendizagem. Essa é a triste realidade. Foram anos e anos a semear erros, a fazer política, por vezes muito rasteira, a fazer da mentira a verdade conveniente, a afastar e a perseguir, subtilmente, as pessoas de pensamento diferente, a desenvolver um certo sentido de medo ou receio do emprego, anos de uma lógica assente no quero, posso e mando, enfim, e o que se vê hoje é que isso fez escola, continua a multiplicar gente falsa e traidora. E há quem julgue que esse é o caminho do sucesso. Tudo serve para chegar ao poder, mesmo que Laurence Peter continue a ser ignorado ou considerado pateta.
Ilustração: Google Imagens.

NOTA
Publicado no blogue:
www.gnose.eu

sexta-feira, 19 de abril de 2019

Quando tanto se fala de Autonomia, foi o Ministro dos Negócios Estrangeiros a fazer "as honras da casa"


As férias, escapadinhas, pausas, seja qual for a designação que seja dada, são direitos, entre outros, de quem trabalha e dizem respeito, única e exclusivamente, a quem decide marcar e usufruir do necessário descanso. Não é isso que está em causa. O problema está quando o cidadão, circunstancialmente, está investido de cargos, sobretudo os de natureza pública, que implicam, a todo o momento, disponibilidade e presença, mesmo que simbólica. Quando alguém se candidata, sabendo que pode ser eleito e escolhido para um alto cargo, obviamente, que deveria saber ao que vai. Deixa-me assim perplexo que, perante a morte de 29 pessoas, o senhor presidente do governo regional da Madeira não tenha interrompido o período de férias para acompanhar de perto os acontecimentos. A este nível, não colhem alegadas dificuldades nas ligações aéreas. 


O Senhor Presidente da República está na Madeira (só não veio na noite do desastre por razões operacionais), os Ministros dos Negócios Estrangeiros de Portugal e da Alemanha também convergiram para o local do trágico acidente, mas o presidente do governo da Região Autónoma da Madeira manteve-se pelo Dubai, deixando para outros as tarefas de representação que lhe competiam. No plano político um desastre e no plano da solidariedade e da representação institucional guardo para mim o que gostaria de escrever! Grave, ainda, o facto de nem o Representante da República (na Jordânia), nem o presidente da Assembleia Legislativa (?) estão presentes (fonte DN-Madeira) para acompanhar o Presidente da República.
Não é que viessem resolver fosse o que fosse, porém, no quadro, repito, institucional, constitui uma falta de respeito pelas pessoas, em função das altas funções que, livremente, assumiram. Dir-me-ão que as comunicações, hoje, são fáceis, que o telemóvel resolve, mas a verdade é que, em circunstância alguma, substitui a presença física. Quando tanto se fala de Autonomia e de órgãos de governo próprio, o que tenho visto é o Ministro dos Negócios Estrangeiros português a fazer as honras da casa, com uma ou outra intervenção de circunstância de membros do governo regional.
Foram 29 os mortos, senhor presidente do Executivo Regional. Para além da tragédia que a todos nos chocou, deveria, secundariamente, ter presente que a Alemanha contribui, anualmente, com quase 240.000 turistas para a Madeira. 
Desta tragédia salvou-se o exemplar desempenho, unanimemente reconhecido por todos, das instituições de socorro. Valha-nos isso. 
Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

O Capital quer Assaltar a TSU dos Portugueses


Dieter Dellinger, 
12/04/2019


A Fundação Francisco Manuel dos Santos é controlada pela sociedade de direito e fiscalidade holandesa Francisco Manuel dos Santos B. V. que auferiu lucros líquidos de 225 milhões de euros no último relatório de contas, ou seja, 56% dos 404 milhões do lucro líquido total. Pois, a Fundação veio com uma tese extraordinária de que dentro de duas décadas as pessoas terão de trabalhar até aos 69 anos para sustentar a Segurança Social ou receber uma reforma muito baixa, porque o número dos atuais pensionistas que é de 2,7 milhões passará a 3,3 milhões e a população geral terá descido para menos 9 milhões e, como tal, também, a população ativa que paga a TSU.

A Fundação defende essencialmente um modelo em que se desconta para o Estado para receber uma determinada reforma mínima e haja um segundo desconto OBRIGATÓRIO para fundos de reforma privados.
Ora, isto é mais uma tentativa de ASSALTO por parte do capital privado aos descontos da TSU, apesar do Fundo de Estabilização da Segurança Social (FESE) ter aumentado nos últimos três anos em cerca de 3,3 mil milhões de euros, atingindo o valor total de 18 mil milhões de euros, ou seja, 8,9% do PIB. O Fundo aumentou em três anos de governação Centeno mais de 22% do que capitalizou em 30 anos de existência. Claro, sobre isto a Fundação FMS nada diz.
Estamos hoje a descortinar o que desejam o PSD e o CDS que fazem propostas destas há muitos anos. Assaltar o dinheiro os contribuintes, criar fundos sem controle do Estado e privatizar a CGD, provavelmente com esses fundos ou descontos da TSU.
O exemplo do BPN, BES, BANIF, etc. é mais do que suficiente para ninguém acreditar no Capital Privado e, menos ainda, num governo que se proponha PRIVATIZAR tanto a banca do Estado como as próprias contribuições dos trabalhadores.
O simples facto que o IRC de lucros anuais do Holding do Grupo Jerónimo/Pingo Doce - superiores a 200 milhões de euros - serem pagos na Holanda mostra que no âmbito da liberdade de circulação de capitais na União Europeia não se pode CONFIAR em privados. Provavelmente, a Soc. Francisco Manuel dos Santos BV tirou à receita da PÁTRIA em IRC um valor de 90 a 100 milhões de euros por ano, pelo que nos últimos dez anos é capaz de ter subtraído aos portugueses mais de 900 milhões de euros e em 40 anos de vida ativa de um trabalhador jovem seriam 3.600 milhões de euros. E ainda têm a lata de dizer que a Segurança Social não é sustentável no futuro. Nunca o seria se fosse privada e pagasse reformas com capitalização individual e não como um Seguro Estatal.
Sucede que essa subtração de impostos é feita por todos as empresas que já foram portuguesas como a Sonae/Continente/ Galp, BES, EDP, ou por sociedades gestoras de participações nessas empresas, etc. Os lesados do BES são o exemplo paradigmático de que o Estado não pode ser privatizado. Até pequenos hotéis privados têm sede no estrangeiro. 
O próprio Aníbal Cavaco Silva tem a sua casa registada numa empresa com sede em Gribraltar que é dele e provavelmente da família.
A Fundação Francisco Manuel dos Santos deveria antes fazer um estudo do capital que foi destruído por banqueiros privados desde 2012.

domingo, 14 de abril de 2019

Reforma aos 69 anos!


Oh gente, as pessoas não são folhas de Excel, não são médias, não são números e não são, entre tantas coisas, objecto de meras estatísticas contabilísticas. As pessoas, antes de mais, são seres humanos, dotados de uma imensidade de características, de atributos e de projectos, mas com um tempo de vida finito por tantas circunstâncias. Uns trabalham, por gosto e saúde qb, não duvido, até depois dos 100, como foi o caso do cineasta Manuel Oliveira ou, como um caso que bem conheço, de uma farmacêutica, que aos 103 continua a dirigir a sua farmácia, outros, porém, nem conseguem fazer 69 anos!


O "estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que indica que passar a idade da reforma para os 69 anos será a solução para a almofada financeira das pensões durar para lá de 2070", é de uma ingenuidade, de um chocante atrevimento e mesmo perversidade. Gostaria de conhecer os seus autores e de com eles falar, abertamente, sobre o trabalho, a família, as crianças e os idosos, os direitos e deveres sociais, a repartição da riqueza e a vida em geral. Não domino as questões mais profundas da segurança social, nem li o estudo (o essencial é o adiamento da idade da reforma), mas de uma coisa estou certo, porque é básico, sem incorrer em um estado de ignorância altifalante: é que a sustentabilidade do sistema passa, claramente, pela economia e por trazer ao sistema um maior número de contribuintes. 
O curioso deste estudo é que provém de uma Fundação a que está ligada uma das maiores cadeias de super e de hipermercados que, dizem a comunicação social e os sindicatos, não paga a justa recompensa salarial a quem lá trabalha. Está disponível na net: "(...) Querem que as pessoas por ordenados pouco acima do mínimo nacional, trabalhem até ao limite e sem respeito pela vida pessoal. Não pagam subsídio de turno e as horas nocturnas são mal pagas (...)". Isto apesar de se encontrar em 56º lugar no "ranking" dos maiores retalhistas mundiais (2018) e o seu "patrão" ser o 2º mais rico de Portugal com 3,4 mil milhões de Euros. O CEO da Jerónimo Martins, é o segundo mais bem pago da bolsa portuguesa. Ganha 155 vezes mais do que os funcionários da empresa. Não admira, pois, que o grupo esteja nas tintas que um trabalhador se arraste até quase ao fim da vida, entre outros, pelos corredores dos super e hipermercados. Até porque conhecem bem o sistema: quando não rendem o desejado, quando os objectivos não são cumpridos, sabem bem como indicar a porta de saída.
Eu diria que este estudo é socialmente dramático, pois não olha para o desemprego e respectivos custos sociais, não quer saber da pobreza, marimba-se para o facto que no actual sistema são os avós que muitas vezes deitam a mão aos filhos e também aos netos, enquanto os pais trabalham e não faz entrar, certamente, na equação, as contribuições directas e indirectas pagas pelos trabalhadores ao longo da vida. Manda para canto a necessária renovação dos trabalhadores, a importância para as empresas do conhecimento das novas gerações (o que conduz à emigração de jovens qualificados) e as consequências do absentismo, muitas vezes por via da doença (e não só) motivado pela avançada idade. Visitem os hospitais gerais, visitem os hospitais oncológicos, tratem de saber o que é isso de "Burnout", as depressões consequência do trabalho e a incapacidade para o desempenhar a partir de uma certa idade.
Eu percebo, nada disso interessa. Importante é gerar um clima de medo, de insegurança e de hipotética falência da segurança social, portanto, assumem, a inevitabilidade na abertura ao privado, às seguradoras, ao "plafonamento e capitalização individual", pois sabem quanto ganharão com isso!
E assim se fazem "estudos"... talvez por encomenda.
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 13 de abril de 2019

Será que Joe Berardo está mesmo em queda?


Custa-me, muito, aceitar que, alegadamente, fui enganado. Ou melhor, fui enganado por diversas pessoas e instituições. Pelo visado até aos bancos que lhe abriram portas sem garantias. Falei com Joe Berardo duas ou três vezes, a última das quais, demoradamente, na última exposição de Arte Deco que teve lugar no Centro das Artes - Casa das Mudas. Conheço, sumariamente, o seu percurso, através dos trabalhos apresentados sobretudo pela televisão. Já visitei alguns dos seus espaços mais emblemáticos e notáveis e sempre me maravilhei com as obras expostas. Perante toda a história, a conhecida, interrogo-me, como foi possível chegar a este ponto da Caixa Geral de Depósitos, Novo Banco e BCP andarem, agora, atrás da sua "fortuna" para cobrir o que lhe foi emprestado, diz a comunicação social, sem terem sido acauteladas as devidas garantias?


Escreveu o Jornalista Daniel Oliveira no Expresso: 

"Joe Berardo é uma espécie de Ricardo Salgado do Atlântico. Foi sempre um homem encantador a quem ninguém conseguia dizer que não. Íntimo de políticos e banqueiros, era unha com carne com jornalistas. Fizeram-lhe perfis extraordinários. Um “self made man” alimenta os sonhos de quem julga que um dia lá pode chegar. E os sonhos não se estragam com perguntas. Mesmo quando se meteu em problemas – e meteu-se imensas vezes em problemas –, isso apareceu sempre como excessos naturais de um homem intenso e “polémico".
Até ao dia em que o madeirense que subiu a pulso se transformou, aos olhos de todos, num simples aldrabão. Não se pode dizer que ele tenha tentado passar pelo que não era. Mas ninguém o tinha visto. Como poderiam ver? Estamos a falar de um comendador, valha-me Deus. Foi o impoluto (mesmo) general Ramalho Eanes que lhe ofereceu a medalhinha que acabaria por se transformar no seu primeiro nome. Foi Jorge Sampaio que subiu a parada e o elevou à Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique. E, como quando é para ser em grande tem de ser à francesa, foi Jacques Chirac que lhe deu a mais alta condecoração de França. Dava gosto ver um homem simples, que só tem uma garagem no Funchal, chegar tão alto na hierarquia das honrarias de Estado.
Nos bancos, não era tratado como qualquer cliente. Joe Berardo era Joe Berardo. Um homem que parecia um vigarista, cheirava a vigarista, falava como um vigarista mas era um comendador. Até ao dia em que alguém deixou de bancar. Foi aí que o país inteiro se indignou. Passou de comendador a bandido. (...)"

Chegou a ser o 5º mais rico de Portugal, com uma fortuna avaliada em 890 milhões de euros, mas deve cerca de mil milhões. Ora bem, o senhor Berardo, obviamente, é o visado desta história, mas outros são cúmplices da sua ascensão e queda. Refiro-me às instituições bancárias e seus líderes que permitiram empréstimos sem acautelar a defesa dos mesmos. O paradoxo disto é que a qualquer cidadão que vá a um banco com o objectivo de "comprar" dinheiro (empréstimo), para uma habitação, por exemplo, a sua vida é "radiografada" de uma ponta à outra, tem de apresentar garantias, fiadores de confiança, está meses à espera da decisão, depois tem uma catrefada de papéis com letras muito miudinhas para assinar, paga juros que equivalem, no final, quase a duas habitações e para certas pessoas, estendem-lhe a passadeira vermelha, transferem o "pastel" e as instituições ficam a apitar. Pagam os contribuintes... sabe-se que tem sido assim. Mas onde está, então, a responsabilidade de quem cedeu o dinheiro? Qual a sua responsabilidade criminal? E o senhor Berardo será que estará "liso", apenas tem uma "garagem" ou o dinheiro andará algures? 
E existe uma outra história que se compagina com esta: a da Chancelaria das Ordens Honoríficas Portuguesas". Atribuem-se graus, o de Comendador, por exemplo, e a Ordem disto ou daquilo sem uma exaustiva análise às individualidades? Pois, percebo, mais tarde, uns têm de devolvê-las ou porque foram presos ou qualquer outro motivo. Que se esclareça tudo isto. No fundo, o que, sinceramente, gostaria é que o senhor Joe Berardo pagasse tudo o que deve e que todo o património cultural continuasse por aí para que o possamos desfrutar na plenitude.
Entretanto, ouçamos a "Valsinha das Medalhas" cantada por Rui Veloso:
"(...)
Quem és tu, de onde vens?
Conta-nos lá os teus feitos
Que eu nunca vi pátria assim
Pequena e com tantos peitos
(...)"
Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 10 de abril de 2019

O ABRIL DE UMA CERTA DESILUSÃO


Sinto um desencanto com a actividade de alguns políticos. Não é de agora que olho para o país e para a região com desilusão. Não se trata de um desencanto com a democracia, mas com os homens e mulheres que a interpretam. Há excepções, muitas, mas é do quadro geral que me refiro. Não é sequer da promessa não cumprida, porque existem vicissitudes que se interpõem entre a vontade e a concretização. O desencanto está na realidade comportamental, nos jogos de poder, no que é oferecido na montra em função do que, intencionalmente, escondem no armazém dos pequenos e grandes interesses. O desencanto está entre as aparências e a realidade, entre a desejável competência e a mediocridade, nas diferenças entre o ser político e o ser estadista. Talvez esteja a ser ingénuo, mas passados quarenta e cinco anos deste mês de Abril de grata memória, era expectável uma outra maturidade que não existe.




Sintetizo: falta-nos referências com credibilidade, já aqui o disse uma vez, pessoas sem manha, gente experiente e com um passado impoluto, políticos capazes de colocarem no devido lugar ou mesmo expurgarem os juvenis de uma geração espontânea ou os que carregam na sua matriz, não o serviço público à comunidade, mas os vícios aprendidos e interiorizados no quadro de que "o mundo é dos espertos". Alguns, ao longo de 40 anos, fizeram fortuna à custa de um vasto labirinto, outros tentam, agora, fazê-la, seguindo o mapa labiríntico que regista as subtis marcas da saída para o êxito. 

O rol é extenso: são as contratualizações estranhas que, ainda ontem, o Diário deu conta enquanto "suspeita de favorecimento"; é a complexa e infindável barafunda no sector da Saúde, com 60.000 actos médicos em espera, médicos contra médicos e três secretários em três anos e meio de mandato; é a Educação onde não há memória de tantos e condenáveis problemas, de taxas de abandono e insucesso, de privatização, à mistura com ignóbeis perseguições; é a pobreza (quase 30%) tratada sob a forma de caridade e esmola; é o abandono de centenas de idosos nos hospitais; é a patética arrogância das declarações, como aquela que desvaloriza quem está há cinco meses sem ser remunerado; é a farsa das comissões de inquérito na Assembleia Legislativa, normalmente feitas por medida; é o histórico chumbo às propostas da oposição, por melhores que sejam, simplesmente porque a maioria rejeita a presença de outros protagonismos; é aquela oposição que, sem espelho, vocifera, quando, ainda recentemente, os mesmos quase colocaram o povo a pão e água; são os artigos de "opinião" que de opinião nada têm; é a multiplicação de partidos e o salto deste para aquele, o que indicia que mais do que as convicções o que interessa é a conquista de um lugar ou poder; é a miserável colagem, sobretudo com interesses empresariais, de umas figuras a outras, como quem espreita para que lado vai a onda, dando a entender, também, que estão com todos desde que os salvaguardem; é a amnésia de uns quantos, inclusive, do ex-presidente da República, sobre a nomeação de familiares para cargos, quando, nesse campo estão todos descalços até ao pescoço; é a ridícula substituição de quem, cautelosamente, seguiu a aprendizagem até ao patamar da competência; é o vergonhoso ataque e exclusão de quem é portador de sabedoria, substituindo-o por imberbes; é a existência de grupos económicos, com interesses monopolizadores, sentados à mesa do orçamento ou servindo-se de "bons telefones"; é o despudorado assalto ao poder porque cheira a emprego; é a candidatura sem vínculo que transmite a ideia de falência partidária; são os que disfarçam insuficiências, porém, sobre tudo opinam; são juízes em greve, embora pertençam a um Órgão de Soberania; decisões judiciais que deixam um rasto de perplexidade pelos abusivos comentários deixados nos acórdãos; são os intermináveis processos que se arrastam anos até à prescrição; são os escândalos e ausência de plausível justificação, para quem é insulano, desde os preços das ligações aéreas até aos fretes marítimos; é a sistemática violação da contratualização pública; é a corrupção, quase todos os dias anunciada; é a proliferação de "reguladores" que pouco ou nada regulam; é a Europa que queremos, mas que impõe a forma como querem que vivamos; é a Autonomia Político-Administrativa apenas de papel; é a banca, sempre nos limites ou em ruinoso estado, apesar de "vender" o dinheiro cada vez mais caro ou deixando clientes com uma mão à frente e outra atrás; é o desajustado salário médio anual dos "patrões" das empresas do PSI 20 que auferiram 996 mil euros em 2017, o que significa "46 vezes mais alto do que o custo médio que as empresas cotadas têm com os seus trabalhadores. Em 2015, essa diferença era de 33 vezes"; é a constatação dos ricos estarem cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres; é a violência social, entre outras, a doméstica, feita de sangue. Eu sei lá... tal é o rosário provocador de desencanto. 

Não perdi a excitação daquele Abril, quando, na Guiné Bissau, me encontrava, ao serviço de uma vergonhosa guerra colonial, mas estamos a precisar que o povo ponha isto na ordem dos princípios e dos valores que o enformaram. Começa a ser tempo de regressar às canções de intervenção, porque isto não vai, apenas, com afectos e "selfies". Falta cultura e cidadania. O problema é que não vejo solução. Os mais velhos, porventura mais atentos, olham para este filme com preocupação e nem querem saber, o que me leva a deduzir que, lamentavelmente, aproveitarão para passear e mandá-los passear no domingo de eleições. Tem sido assim. A desilusão é tal que quando um "político" é visado por cenas chocantes, tornadas públicas, e nada lhe acontece, parece-me óbvio que de certas pessoas nada, rigorosamente nada, podemos esperar. 
De qualquer forma, apesar das derivas e do desencanto, nada substitui a Democracia, a Liberdade, a possibilidade de escrever e denunciar, embora a censura, disfarçadamente, ande por aí...
Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

O Professor Cavaco Silva não é figura para ser levada a sério


O Professor Cavaco Silva, cada vez que sai da sua toca, denuncia uma gritante fragilidade na sua memória política, ao mesmo tempo que deixa passar uma imagem de uma pessoal com traços de algum ódio misturado com um preconceito ideológico. Nunca o admirei, ao contrário de outras figuras com as quais não concordei, mas que mantive respeito. Tem pouco de ideológico, mas de carácter. Dou um exemplo: admiro o Professor Adriano Moreira, independentemente de ser um democrata-cristão ou ter sido ministro no Estado Novo. É um Homem bom e de uma enorme sabedoria. O Professor Cavaco, esse não, transmite a ideia de uma ave sempre disponível para atacar de forma violenta. No seu discurso apresenta-se como estando acima de todos, aquele que prevê, que anuncia o futuro, normalmente de desgraça e quase pede que sigam as suas palavras, julga ele, de inspiração divina. Lembro-me, após a sétima avaliação da troika ter dito que "foi inspiração de Nossa Senhora de Fátima". Porém, este político, que diz não o ser, mas que por lá se arrastou mais de trinta anos, analisado à lupa, coitado, digo eu, não consegue se ver ao espelho.


Nos últimos dias levantou-se a questão das relações familiares entre membros do governo e não só. Isto já vai na GNR! Na Madeira, ui, ui... se começarem, a sério, a mexer na panelinha. Já começaram, aliás! Se, Cavaco Silva tivesse um passado limpinho sobre essa matéria, ainda seria entendível que o seu discurso fosse dirigido ao bom senso das lideranças partidárias. Porque há casos e casos. Existe, com toda a certeza, lugares ocupados por pessoas de enorme qualidade técnica e política, independentemente das ligações familiares (já vai nos primos) e outros que nem por isso. Cheira a arranjinho, o que me leva a crer, obviamente, na existência de uma rede de interesses pessoais. 
Ora, mesmo colocando-se a questão de serem "lugares de confiança política", o bom senso afigura-se-me determinante aos olhos da opinião pública. Só que Cavaco Silva não tem moral alguma para falar deste tema. Apresenta-se preocupado com os "jobs for the boys" do Partido Socialista, todavia, o seu passado é negro nesta matéria. Leio no "Polígrafo": "Ora, se agora a Cavaco repugna-lhe os “jobs for the boys”, no tempo que governou não se opunha aos “jobs for the girls”. Na época cavaquista foi a eito a "nomeação de mulheres de ministros e de secretários de Estado para gabinetes governamentais e estruturas dependentes do Estado". Pergunta o jornalista: "Dias Loureiro, Fernando Nogueira, Marques Mendes, Arlindo Cunha... o que têm em comum estes ex-membros do Governo de Cavaco Silva? As respetivas mulheres foram nomeadas para cargos na estrutura do Executivo. Há mais "(...) "Ao todo, são 15 casos no governo Cavaco Silva - e só no seu gabinete foram dois. Mas o ex-primeiro-ministro não se recorda deles. Curiosamente, mais tarde, no livro que escreveu em 2017, classificou as situações deste tipo como "indecorosas".

O Professor Cavaco ainda não percebeu que saiu de Belém com um baixíssimo índice de popularidade, que continua em queda porque nunca soube ocupar o seu lugar com distanciamento e rigorosa independência, antes, como disse Pedro da Silva Pereira, comportou-se e comporta-se como um árbitro "que beneficia a equipa da sua preferência". 
Ilustração: Polígrafo e Google Imagens.

quinta-feira, 4 de abril de 2019

"O sábio esconde a sua sabedoria, o tolo anuncia a sua ignorância" - Salomão


Tive um grande Amigo que, do alto da sua sabedoria, um dia me disse: "André, para eu falar com certas pessoas tenho que me esquecer do que sei". Uma vez mais a sua presença fez-se sentir quando, há dias, li umas declarações de Jair Bolsonaro, Presidente do Brasil. À saída do Museu do Holocausto, em Israel, disse não ter "dúvidas" de que o nazismo era um regime de esquerda. E não foi só ele, pois o ministro das Relações Exteriores brasileiro afirmou, em 17 de Março, numa entrevista ao canal no YouTube "Brasil Paralelo", que o "fascismo e o nazismo são fenómenos de esquerda". Desta vez Bolsonaro ainda adiantou: "(...) Não há dúvida, não é?Oiça, Partido Nacional Socialista da Alemanha".


"Quando um ministro do Exterior faz esse tipo de afirmação, considero altamente problemático diplomaticamente e um absurdo cientificamente", afirmou a historiadora Stefanie Schüler-Springorum, diretora do Centro para Pesquisa sobre Antissemitismo da Universidade Técnica de Berlim, citada pelo jornal "Folha de São Paulo".
É caso para trazer à colação o provérbio árabe: "Se ele não sabe e sabe que não sabe, é ignorante, ensina-o; se ele sabe e sabe que sabe, é sábio, segue-o; se ele não sabe e pensa que sabe, é louco, foge dele." O problema é que votaram nele!
Este presidente é uma anedota. Uma versão de um outro, por outras razões, claro, que em um visita a uma escola perguntou a uma criança a quantos graus a água fervia. Depois de tanta insistência a criança disse que fervia a 100º. Respondeu o presidente: então ainda não aprendeu isso? A professora remediou o caso segredando ao ouvido do Presidente: a criança tem razão. Retorquiu o presidente de imediato: estava a brincar contigo. O ângulo recto é que ferve a 90!
Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 2 de abril de 2019

A “fufa de merda” e as linhas vermelhas da democracia


Por estatuadesal
Daniel Oliveira, 
in Expresso, 01/04/2019

Isabel Moreira partilhou uma mensagem que lhe foi enviada através de uma rede social: “És uma vergonha, fufa de merda, mata-te...” Podia ser uma das centenas de mensagens que figuras públicas recebem. Sobretudo se defenderem minorias. Sobretudo se afrontarem o preconceito. E sobretudo se forem mulheres. Só que esta mensagem não vinha de um cidadão comum. O seu autor é dirigente do CDS de Barcelos. 


Como todos os cobardes que se escondem atrás de um teclado para assediar os outros, não teve a coragem de assumir a sua autoria. Veio dizer que a mensagem não era sua. Talvez um hacker apostado em tramar Armindo Leite. Quem sabe Rui Pinto.
Como é natural perante um crime de ódio contra uma deputada, Assunção Cristas veio pedir desculpas pela mensagem enviada pelo seu colega de partido, dizendo que repudiava aquilo tipo de discurso. Não chega a ser motivo de aplauso, mas felizmente o CDS não tem na primeira linha um Fernando Negrão disponível para defender o indefensável.
Sei que o repúdio e o pedido de desculpas de Assunção Cristas foram sinceros. Com todas as discordâncias que tenha, considero Cristas uma mulher civilizada. Nem sequer partilho a embirração que sinto haver à esquerda contra ela. Talvez por ter menos tendência para confundir a natural agressividade do confronto político com o carácter das pessoas. Sou assertivo e espero encontrar pessoas assertivas pela frente. Mas, perante a enorme gravidade desta mensagem, um pedido de desculpas não chega.
O gesto deste dirigente do CDS não foi pessoal. Foi dirigido a uma deputada por razões políticas. E o seu conteúdo, para além de corresponder a um crime, tem uma mensagem política explícita que não pode deixar de vincular o partido de que ele é dirigente. Menos do que um processo disciplinar que leve à sua expulsão não resolve o problema.
Não se trata de perseguir Armindo Leite pelas suas abjetas opiniões. Trata-se de traçar uma fronteira entre a atividade política e a criminalidade política. Aquela mensagem não foi apenas uma manifestação de um ponto de vista inaceitável, foi dirigida a uma pessoa concreta que ainda por cima é uma deputada de um partido a que o CDS se opõe.
É evidente que está a crescer no CDS (e também no PSD) uma corrente que se sente animada pelos ventos que vêm de fora e que fizeram parecer aceitável o que antes tínhamos como impensável. A conversa contra o “politicamente correto” libertou bestas que estavam contidas pela censura social. Os textos e declarações da inenarrável Joana Bento Rodrigues são exemplo disso. Mas esses estão no estrito espaço da opinião e representam, por mais que custe a Assunção Cristas e a Adolfo Mesquita Nunes, uma boa parte da base de apoio do CDS. Isto foi outra coisa. Uma coisa que tenderá a aumentar se a liderança do partido não fizer nada.
Não estou a tentar encontrar um Bolsonaro em cada esquina. Eles sempre andaram por aí assim como sempre andaram pelo Brasil. Agora sentem-se mais à vontade e é natural que estejam em maior número no partido mais à direita do espectro democrático português. Apesar de não ter ajudado a sua neutralidade quando foi a segunda volta das eleições brasileiras, Assunção Cristas não é responsável por isso. Mas terá responsabilidade se não for muito firme quando essas bestas começam a alimentar um clima que tornará o debate político no esgoto em que gente perigosa se sente mais à vontade.
Compreendo a tentação de ficar em cima do muro. Se Assunção Cristas fizer alguma coisa será acusada pela linha mais dura do partido de cedência ao “politicamente correto”. Haverá até quem ache que mais vale não irritar esta gente, não vão eles engrossar as fileiras da extrema-direita. Mas se não houver qualquer consequência para este dirigente do CDS, isto passará a ser visto como uma coisa criticável mas dentro do que pode acontecer em política. Será mais uma linha vermelha que se passará.
Um dirigente de um partido que se apresenta como democrático não pode mandar uma deputada matar-se chamando-a de “fufa de merda” sem que nada lhe aconteça. Compreendo que Isabel Moreira não queira fazer o papel de vítima. Mas o assunto não é sobre Isabel Moreira. É sobre a fronteira entre os partidos democráticos e o lixo. Não chega repudiar para traçar essa fronteira. É preciso pôr para lá dela quem não sabe participar no jogo democrático.