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quarta-feira, 24 de junho de 2020

Portugal não pode perder a EFACEC

Portugal levou quatro décadas a construir algumas marcas reconhecidas internacionalmente e cinco anos a dar cabo delas. Uma das últimas que resta é a Efacec. É imperioso salvá-la.

Sabe quem produziu os transformadores que dão luz dia e noite a Las Vegas, a cidade do jogo mais conhecida em todo o mundo? Pois: a Efacec. Sabe como são conhecidos os transformadores de energia da Efacec? Como os Rolls Royce dos transformadores. Sabe quantas pessoas trabalham na Efacec, na quase totalidade engenheiros portugueses? 2500. Sabe que a Efacec compete com os maiores operadores mundiais nos mercados europeu e norte-americano e que com grande frequência sai vencedora dos concursos onde também estão presentes os gigantes do setor? Sabe quem é pioneira a nível mundial nas «smart grids» e nas redes elétricas para as cidades inteligentes? Pois, a Efacec.

A Efacec, como todas as grandes empresas do setor elétrico, passa por ciclos, que decorrem da evolução dos mercados e dos pesados investimentos que necessita de fazer para se manter na linha da frente da inovação. Por vezes, os ciclos dos mercados e de investimento estão desajustados e a empresa enfrenta dificuldades. Foi assim em 2015, em que a Efacec necessitava de um novo acionista, que trouxesse dinheiro fresco. Ele apareceu. Chamava-se (e chama-se) Isabel dos Santos. Sem ela, provavelmente a empresa hoje ou não existiria ou teria encolhido drasticamente. Até 2018, a empresa voltou a viver um excelente ciclo de crescimento. Em 2019, as coisas pioraram, devido a projetos que não tiveram o sucesso esperado. Mas a empresa continua a deter um enorme conhecimento e conserva um vasto potencial de saber acumulado e de experiência que lhe permitia seguramente dobrar mais esse Cabo das Tormentas.

Acontece que entretanto o poder político mudou em Angola, Isabel dos Santos caiu em desgraça e depois surgiu o Luanda Leaks onde a empresária é a pessoa visada. Ora muitos dos grupos que compram máquinas e soluções à Efacec não querem estar ligados a situações empresariais em que existe uma pessoa politicamente exposta e sujeita a processos jurídicos que podem levar à sua condenação em tribunal e ao arresto dos seus bens. É a nova moral existente no mundo dos negócios. E não lhes chega saber que Isabel dos Santos colocou a sua participação à venda, não dispõe de nenhum elemento no conselho de administração e mesmo os seus direitos de voto nas assembleias gerais lhe foram retirados pelo tribunal até que o processo esteja concluído (o que, como é óbvio, vai durar vários anos).

Para ajudar à missa, os bancos que operam em Portugal, em particular o consórcio que costuma financiar a empresa, com a Caixa Geral de Depósitos à cabeça, está numa postura hiperdefensiva porque o nome de Isabel dos Santos escalda – e, por isso, cortaram o crédito à Efacec enquanto a situação acionista não se clarificar. O problema é que o tempo urge e enquanto não surge um comprador, a solução deveria passar pela criação de um veículo financeiro que adquirisse a participação de Isabel dos Santos para depois a vender. E é aqui que as coisas encalham. O Governo entende que deve ser a banca a dar esse passo. A banca entende que deve ser o Governo a criar esse veículo. E enquanto este enredo não tem uma solução, a Efacec vê contratos que tinha assegurados ser cancelados, um de oito milhões nos Estados Unidos, no estado da Califórnia, e outro de quatro milhões em França. E há outros compradores normais da Efacec que já lhe fizeram saber que gostam muito da empresa mas que não poderão continuar a fazer negócio enquanto Isabel dos Santos permanecer na sua estrutura acionista.

Ou seja, neste momento a Efacec vê a sua tesouraria esgotar-se e assiste ao cancelamento dos seus negócios, enquanto os seus concorrentes esfregam as mãos de contentes.

Tanto quanto se sabe, os ministros Pedro Siza Vieira e Matos Fernandes estão particularmente atentos à situação, embora não tenham conseguido ultrapassar os obstáculos levantados pela banca. E haverá seguramente quem defenda que o mercado resolverá a situação. É verdade. Vai resolver mas mal. Daí que seja necessário outro tipo de intervenção para que não se verifique um desenlace fatal.

Portugal demorou quarenta anos a construir algumas marcas empresariais conhecidas e reconhecidas a nível mundial, como a PT, a Cimpor, a Galp, a EDP – e levou apenas cinco anos a dar cabo de algumas delas. A Efacec é uma das marcas portuguesas mais reconhecidas internacionalmente. A esmagadora maioria do seu negócio (e estamos a falar em mais de 80%) vem de mercados muito maduros e competitivos como a Europa ou Estados Unidos. A faturação em Angola está abaixo dos 5% e com tendência para diminuir. Será um crime contra a empresa mas sobretudo contra o país que uma empresa portuguesa com esta dimensão nacional e internacional seja deixada morrer devido a um problema acionista, que a banca não quer resolver e o Estado não consegue solucionar.   

Nicolau Santos
Jornalista especializado em assuntos económicos

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