Com lágrimas de crocodilo oiço algumas "importantes" figuras dizerem que o poder político foi capturado pelo poder financeiro. O mais recente foi Silva Peneda, presidente do Conselho Económico e Social. Disse: "o sistema político falhou" ao revelar-se incapaz de "disciplinar o sistema financeiro". Mas há quanto tempo se sabe que assim é? E há quantos anos esta situação é denunciada perante os silêncios cúmplices de muitos? E que é essa gentinha gulosa por lucros fabulosos, para satisfação dos accionistas, centrais no dramatismo no qual vivem os portugueses? E que não foram os portugueses que viveram acima das suas possibilidades? Bom, tudo isto se sabe, o problema é que continuam a passar incólumes perante um sistema político incapaz de os colocar no seu lugar. Há muitas mãos sujas neste processo. É, por isso, que me revolta o facto de, todos os meses, 10.000 portugueses abandonem o país, a um ritmo de 330 pessoas por dia. É preciso recuar a 1966 (47 anos) para superar os 120.000 emigrantes desse ano. Hoje, uns morrem antes de atingir Lampedusa, salvo as devidas proporções, outros, portugueses, em terra firme, qualificados, entre outros, atiram-se no desconhecido para viverem em condições Deus sabe como; revolta-me não haver dinheiro para apoiar os jovens que estão na escola básica ou secundária e as graves limitações na contratação de docentes para as universidades, mas que exista, em orçamento de Estado, 100 milhões de euros para despedir professores; revoltam-me tudo o que se está a passar na saúde, na educação e no miserável ataque aos reformados e pensionistas; revolta-me olhar para o Presidente da República e ouvi-lo dizer que afasta um cenário de eleições antecipadas, realçando que quer um Portugal normal, em que os mandatos sejam cumpridos até ao fim. Como se fosse normal o que se está a passar e como se fosse normal a democracia não produzir alternativas. Para ele a Assembleia da República não deve ser dissolvida, mas a Constituição da República, aquela que jurou cumprir e fazer cumprir, essa pode ser miseravelmente atacada e posta em causa. O Presidente não quer perceber que a coligação PSD/CDS tem maioria absoluta, todavia, a Constituição é aprovada, no mínimo, por 2/3 dos deputados. Revolta-me a desorientação do governo, com ministros transmitindo desacordos internos e grupos parlamentares da maioria completamente divorciados da realidade. Revolta-me que certos senhores assistam com total insensibilidade ao que, diariamente, os telejornais apresentam. É isto e muito mais que me revolta, ver um País a sangrar e todos os dias escutar palavras ocas, muito distantes da verdade, comentadores (alguns) impreparados, que desconhecem a História, que não a relacionam, que apenas vêem meio problema e que se tornam gestores das mentes. Para onde caminhamos? Para a tragédia, certamente.
Reforma do Estado! Os portugueses conhecem as intenções. |
E a propósito de palavras e conceitos ocos, ainda ontem, estava a fazer o meu exercício físico e, na televisão da Madeira, corria, em repetição, o programa "Parlamento". Confesso que não sigo este espaço. Mas, enquanto corria, deixei-o ficar, por alguns momentos. Falava o Deputado do CDS, Dr. Rui Barreto. Escutei a sua lengalenga sobre a reforma do Estado, sublinhando que o PS é um parceiro que não se pode demitir dessa participação e, se bem compreendi, porque lá virá o dia que os credores imporão tal concerto de ideias, sob pena de termos consequências muito graves para o País. Mudei de canal porque, sinceramente, não tenho pachorra para participar em ladainhas desta natureza. Já aqui escrevi sobre esta matéria, mas retorno ao assunto. O PSD e o CDS na República têm uma maioria que suporta o governo. Até realizam jornadas parlamentares em conjunto. Não se sabe onde termina um e começa o outro. Durante mais de dois anos o PS não foi tido nem achado para as questões centrais da governação, fizeram ouvidos de mercador a tantas propostas de contraponto à austeridade e pelo crescimento económico, cacetaram forte e feio no anterior governo ignorando as causas da crise internacional que varreu uma grande parte da Europa e, agora, para a tal "reforma do Estado" querem a benção do PS. Obviamente que não a poderão ter. Nem é de bom senso que a solicitem face ao histórico do processo. Está à vista de quem quiser que o PSD e o CDS o que pretendem é arrastar e comprometer o PS com o desmantelamento do Estado Social em todos sectores, áreas e domínios. Isto é, venham para a fotografia, mas o que está em jogo é aquilo que temos assistido, um autêntico saque à pobre carteira dos portugueses, simplesmente porque, "temos de empobrecer". Esta sim é a "regra de ouro". Ora, por um lado, PSD/CDS têm maioria absoluta e, por isso, podem, com a conivência do Presidente da República, operar a reforma que entenderem; por outro, porque ainda somos uma democracia, estes assuntos resolvem-se nas urnas, devolvendo a palavra ao povo. Não se resolvem com meias verdades, nem com tretas. Não se resolvem como o fez Paulo Portas, ontem, no atabalhoado anúncio do guião da "reforma do Estado". Foram declarações manhosas, profundamente ideológicas, servis a uma teia europeia que está a conduzir à falência dos povos, isto é, uma declaração de intenções onde ficaram as "portas" entreabertas para a consecução dos objectivos que estes senhores sorrateiramente perseguem.
É por isso que, embora não sendo novidade, convém ter presente o que o Dr. Silva Peneda, presidente do Conselho Económico e Social sublinhou: "o sistema político falhou" ao revelar-se incapaz de "disciplinar o sistema financeiro". Comecem por aí.
Ilustração: Google Imagens.
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