Li com muito agrado uma entrevista ao Dr. Ricardo Alves, director do serviço de Psiquiatria, publicada na edição de ontem do DN-Madeira. Entre outros aspectos que merecem uma ponderada e exaustiva reflexão, registei estas passagens: "(...) Nós, tivemos a sorte de pertencer a uma geração em que tínhamos três meses de férias, brincávamos, tivemos um período de adolescência para crescer e aprender a lidar com o não e com a frustração e, hoje, isso não acontece (...) Muitas vezes as pessoas esquecem-se que só vivemos uma vez e que todos temos os nossos limites. Numa sociedade em que é tudo para ontem, há muitos casos de "burnouts" (ndr: distúrbio psíquico de carácter depressivo) estão a acontecer, em todas as áreas profissionais e até nos estudantes (...) as novas tecnologias estão a criar uma sociedade que não manifesta emoções (...)".
Estava a interiorizar estas declarações e a lembrar-me do nosso pobre sistema educativo e da nossa esquizofrénica organização social onde se enquadra o mundo laboral. Estamos entregues a governantes de conhecimento medíocre, que repetem, mecanicamente, o erro, sem tempo para questionarem o seu próprio pensamento, atitudes e decisões. Como se mais horas de trabalho significassem maior produção ou mais horas entre as quatro paredes de uma escola pudessem redundar em melhor aprendizagem. Quanto errados estão! Depois, obviamente, pagamos com os desequilíbrios emocionais, com os estados de ansiedade e depressão. Pagamos com custos elevados no quadro do sistema de saúde, no do absentismo e no do insucesso e abandono escolar. Há anos que é assim e ninguém, no mínimo, tenta uma reflexão. Pelo contrário, li, recentemente, uma declaração do secretário regional da Educação, a propósito do início do ano escolar, onde salientou que o próximo ano lectivo "começará mais cedo, muito mais cedo"! Como se a escola fosse um armazém, um depósito de alunos, como se mais tempo passado na escola fosse determinante na qualidade das aprendizagens e da formação global das crianças e jovens. Não é. Pelo contrário é factor de distúrbios vários, da mesma forma que, no mundo laboral, a cultura da pressa e do nanosegundo, esse mundo da pressão, do cumprimento de objectivos desconexos com a realidade, só acarretam estados de profunda intranquilidade e de insegurança. Deveriam ter presente as palavras do Professor Doutor Santana Castilho, investigador, quando sublinha que as escolas a tempo inteiro (pergunto, com os currículos e programas de hoje quais as que não são) constituem uma “aberração pedagógica e social que nacionalizou crianças e legitimou a escravização dos pais”. Escravizam as crianças que deixaram de ter tempo para serem crianças e escravizam os pais que, ou não têm trabalho ("ansiedade, depressão e suicídio") ou andam a correr de um lado para outro na busca de uma estabilidade que está no horizonte que se distancia a cada passo. Tem razão o Dr. Ricardo Alves: “(...) Podemos estar a criar uma sociedade sem emoções”. Eu diria: estamos.
Ilustração: Google Imagens.
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