Olho em redor e sinto a presença de muitos em um misto de expectativa e até de medo pelo próximo futuro. Tenho a sensação de estarmos a viver um momento complexo em função da extremada informação que surge a cada minuto que passa. Nada que não tenha uma justificação. Foram anos de intoxicação política, de transmissão da ideia de bancarrota, que a dura austeridade era inevitável, que a pobreza de ontem e de hoje se transformaria em felicidade, através do crescimento económico, da redução da taxa de desemprego e consequente justa distribuição da riqueza. Fomos absorvidos pela mensagem dos directórios europeus, pela circulação de imagens e de discursos, por um lado, de medo, por outro, de esperança, que compuseram o ramalhete do empobrecimento e da inevitabilidade da emigração forçada. Jornalistas, comentadores e analistas de circunstância, por obediência aos seus patrões, por interesse pessoal, por convicção político-partidária ou incapacidade de estabelecer outras formulações, foram vendendo a ideia de um só caminho, uma só verdade, um único sentido programático no exercício da governação. A extensa teia foi montada e perante uma população que denuncia incapacidade para o cruzamento de dados e produção de sínteses, outra coisa não seria de esperar neste momento político que, dizem, ser de crise política. Existe, assim, para alguns, um efectivo receio do futuro quando se abre a janela da democracia autêntica onde todos os votos contam.
Habituados que fomos a repartir o poder por três partidos, habituados que fomos à "evangelização", por todos os meios, sobre os perigos de outros serem considerados audíveis nas suas propostas (a estúpida história do arco da governação), o novo quadro, escolhido pelo povo português, está a gerar uma despropositada angústia nos sectores conservadores. É um Deus me acuda! E agora, como será? Falam sobre a necessidade de estabilidade como se ela fosse unidireccional e assiste-se à produção diária de discursos completamente inapropriados, para não classificar de outra maneira, como aconteceu, até, na última semana, na Assembleia Legislativa da Madeira. No essencial, como vão abrir os cordões à bolsa, depois de tanta intoxicação discursiva, interna e aplaudida pela Europa, que, afinal, os cofres não estão cheios e que, por isso mesmo, o caminho reformista é pela direita e não pela esquerda moderada e responsável? O que leio de alguns, embora não seja portador de qualquer verdade, deixa-me perplexo perante as certezas que vão produzindo. Foi-se a atitude reflexiva, no mínimo, de tentar perceber que razões subjazem ao facto de, após tanta austeridade manifestada através de uma enormíssima carga fiscal, nos encontrarmos em situação pior do que em 2011. Bastam-me três indicadores: o facto da dívida ter disparado, representando, hoje, 130 % do PIB, o número de emigrantes nestes últimos anos ser superior a 480.000 e termos regressado aos níveis de pobreza de há dez anos. Esta é uma realidade incontornável. Prometeram-nos mundos e fundos em campanha eleitoral e, depois, veio o "castigo", o esmagamento, a ilusão da construção do futuro, mas sobretudo, a subserviência a uma Europa no quadro da lei germânica!
Não estamos em tempo de experimentalismos políticos, mas estamos em tempo de mudança política. A possibilidade de um novo Portugal político não me assusta. Pelo contrário, desperta-me a esperança, por cá, quando sinto que poderá existir um novo olhar sobre os portugueses espoliados, por lá, um aviso à navegação política europeia, que o "povo é quem mais ordena". Falta saber qual o posicionamento do Presidente da República. Mas, algo cheira-me menos bem. Aguardemos.
Ilustração: Google Imagens.
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