Sento-me frente ao televisor. Não prescindo do controlo remoto. Há assuntos que não me interessam. Vagueio por entre a larga oferta de entrevistas, debates, comentadores e analistas ditos residentes. Pela manhã, habitualmente, leio o essencial da comunicação social nacional. Passo os olhos pelo que escrevem, mormente, os jornalistas. Mais tarde confronto posições, produzo as minhas sínteses e fico, muitas vezes, a pensar se não serei eu o ignorante! Talvez seja. Fico, confesso, apalermado quando leio ou assisto a posições contraditórias, em tempo recorde, isto é, os mesmos que malhavam, forte e feio, no governo que andou a maltratar o povo durante quatro anos, os mesmos que andaram, por vezes, a aparar o jogo que víamos estar viciado, são os mesmos que agora olham para o novo governo e que, genericamente, nem o benefício da dúvida concedem. Dizem, há boas novidades neste governo, mas, sempre aquele mas, porque alguns estão ligados a Sócrates (isto onde vai!), depreciativamente, porque há uma cega ou um de origem cigana, porque, se calhar Sócrates gostou da indicação da Magistrada Van Dunem para a Justiça, porque tem muitos ministros, porque vários pertencem à Maçonaria, porque não vão conseguir cumprir as promessas, um novo resgate está já no horizonte e, cuidado, aí vêm mais impostos, porque este parece um acordo não para quatro anos, mas para quatro meses, porque parece existir aqui um 25 de Novembro mas ao contrário, porque são radicais, olhem para o PREC de há 40 anos, porque os mercados vão reagir negativamente (afinal, parece que não), porque não há volta a dar à continuação da austeridade, porque este é um governo para ir governando, enfim... a equipa de António Costa entrou, ontem, em funções, mas têm um escrutínio sobre os seus movimentos como não há memória, pelo menos durante todo o tempo que Passos Coelho/Paulo Portas irritaram o país de norte a sul.
O facto da dívida ter aumentado de forma assustadora; a gravosa situação do desemprego compaginada com os 485.000 que tiveram de emigrar; os perturbantes sinais de crescente pobreza; a aflição dos empresários; o que se passa na assistência na doença, onde milhares não dispõem de pleno direito aos medicamentos; os indicadores do abandono e do insucesso escolar; o esbulho que fizeram aos reformados; as penalizações aos funcionários públicos; a austeridade que foi além da necessária, ora bem, parece que, em um ápice, há gente que se esquece de tudo isto e prefere alinhar pela ilusão da mentira, diariamente repetida, que estávamos no caminho certo, que tínhamos saído da bancarrota e que temos os "cofres cheios". São os dados e são os factos que são ignorados. Intencionalmente. As causas e o estado do país não interessam, porque há que vender o anormal, gerar o confronto, esconder a aldrabice e promover de cara séria os grandes desígnios da engrenagem política internacional.
O que se está a passar perturba por ausência de rigor e independência. Não é Portugal que está em causa, mas os interesses empresariais que comandam, onde se juntam comentadores com evidentes lacunas em História, da globalidade da política mundial e tudo quanto enaltecem aqueles que não alinham na ordem existente. Repetem-se uns aos outros. O filão é por ali, toca a segui-lo. Não é que deseje ouvir ou ler o que se compagina com o meu pensamento e posicionamento político. Não é isso que critico, até porque aprecio quem me faz ver o outro lado das situações, tudo aquilo que só uma boa informação consegue detectar. Deleito-me a ouvir o Professor Adriano Moreira e outras referências que, infelizmente, estão já no outono da vida. Mas quando o prato servido é o da repetição, o da superficialidade e com ingredientes fora de prazo, aí torna-se, pelo menos para mim, intragável. Quando a mentira é detectável, quando se percebe onde querem chegar, quando é perceptível, como vulgarmente se diz, pelo bulir dos beiços o que estão apostados em vender, aí, regresso ao princípio deste texto. Viva o controlo remoto, que grande e tão simples invenção!
Ilustração: Google Imagens.
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