Escrevo porque gosto, nunca na expectativa de, por exemplo, no facebook, contar o número de "gostos", "comentários" e ou "partilhas". Escrevo como exercício diário que me leva a estruturar o pensamento sobre qualquer assunto que se encontre no âmbito das minhas preferências. A Educação e o Sistema Educativo são dois campos que merecem a minha particular atenção. E entre gostos, comentários e partilhas, sinceramente, prefiro o comentário sereno, honesto, responsável e com elevação democrática, quer em uma perspectiva de apoio ou de outras análises que são sempre possíveis. A verdade é múltipla. Com muitos comentários, confesso, tenho aprendido, o que me proporciona grata satisfação. Mas, destes escritos muitas vezes elaborados ao correr do pensamento, verifico que para a nossa comunidade "facebookiana", uma fotografia de uma batata gigante, por exemplo, é capaz de valer muito mais do que uma reflexão sobre política educativa; uma frase do Dalai Lama é mais apreciada do que um texto sobre a pobreza; uma paisagem, embora ocupe um importante lugar, até por razões estéticas, é muito mais apreciada do que uma opinião sobre direitos sociais sucessivamente extorquidos; a receita de uma iguaria é mais valorizada que os impostos que pagamos. Por aí fora.
Há dias, fui cortar o cabelo. Os que ainda conservo! A senhora que me lavou a cabeça, recentemente contratada pelo cabeleireiro, disse-me que já me conhecia há mais de 30 anos. Recordou que trabalhava no cabeleireiro onde eu era cliente e, veja lá, disse-me, venho encontrá-lo 32 anos depois. Interessante. E a conversa continuou. Sabe, eu fui sua amiga no facebook, mas já não sou. Retorqui: fez uma limpeza aos seus amigos virtuais! Sim, respondeu. E com o mais cândido à vontade, sem qualquer vestígio de má educação, serena, honesta e frontalmente, adiantou: sabe, como só escreve sobre política e isso não me interessa, deixei de ser seu amigo. Foi só por isso. Dando corda à conversa, finalizei: sabe, minha amiga não virtual, escrevo sobre política exactamente para ajudar a que possa ter cabeças para lavar e cabelos para cortar! Sinceramente, não sei se percebeu, mas isso pouco me interessou. Mas achei interessante.
E assim, a fotografia de uma batata com cerca de 5 kg. que cresceu na fazenda de uma minha vizinha na Calheta, contou com 173 "gostos", 17 comentários e 12 partilhas, enquanto um texto sobre o sistema educativo, onde coloquei em causa a conferência de Eric Hanushek, realizada na Gulbenhian, contou com seis "gostos", dois comentários e uma partilha. Este é um exemplo entre muitos. Do meu ponto de vista trata-se de um quadro que nos deve levar a pensar, porque é genérico a todas as páginas das redes sociais e blogues. Há, de facto, depois de quarenta anos de vida democrática, um alheamento sobre as questões sérias da nossa vida colectiva. Parece que nada é connosco, que a coisa pública é para os outros, que mais ou menos empregabilidade, maior ou pior acessibilidade à educação e à saúde, mais ou menos carga fiscal é assunto que não nos cabe apreciar, que o estado da Europa ou da zona Euro pertence a uns senhores que vivem muito distantes e que de nada vale comentar, porque eles têm as armas que impõem o que comer, o que vestir e até em quem votar! E não é assim. E neste pressuposto, questiono, que andámos nós a fazer durante estes quarenta anos? Que democracia esta que, ao contrário de colocar as pessoas a PENSAR as atirou para as margens da reflexão? Que sistema educativo temos que se preocupa em empanturrar os jovens de pseudo-conhecimento (para esquecer) e que passa ao lado de uma estrutura que os conduza a PENSAR e a estruturar o alicerce do "conhecimento poderoso"?
Nas redes sociais há espaço para tudo: para a batata, para a foto que nos dá prazer publicar, para a divulgação dos nossos prazeres de leitura, arte, poesia, cinema, para a festa, a moda, eu sei lá, tudo, mas também para as reflexões sobre a nossa vida colectiva que tem sempre com cenário principal a política. E neste campo, julgo eu, temos pela frente um longo caminho a percorrer.
Ilustração: Google Imagens.
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