As últimas duas edições do DN-Madeira trouxeram-nos dois artigos de opinião que, sinceramente, me escorregam garganta abaixo como mel. O primeiro subordinado ao título "Alunos com história"; o segundo, sob a forma interrogativa, "Podemos medir o sucesso escolar?". A autoria pertence, respectivamente, ao Dr. Rui Caetano, Presidente do Conselho Directivo da Escola B+S Gonçalves Zarco, e à Drª Catarina Homem Costa, Psicóloga Clínica. Dois textos que se compaginam, que voltam a trazer para o primeiro plano do debate do sistema educativo, aquilo que deve merecer reflexão e não as questões marginais, repetitivas, ocas, de circunstância e sem sentido.
Rui Caetano começa por salientar que os "alunos chegam às escolas com uma história de vida e mesmo que nos custe aceitar, apesar de não justificarem tudo, não devemos desvalorizá-las" porque "(...) a génese destas problemáticas não tem nada a ver com as escolas, vêm de fora para dentro. Talvez por esta razão, de modo inconsciente, olhamos para este grupo de alunos sem nos lembrarmos dos seus contextos pessoais e, como é natural, exigimos deles o mesmo ser, estar e aprender dos outros que assumem atitudes dentro dos parâmetros normais da idade. (...) Muitos destes alunos são personagens de histórias de vida complexas, algumas de um dramatismo comovente, membros de famílias desestruturadas, com carências de habitação condigna e subsistência básica. Alguns nasceram em berços de conflitos, deram os primeiros passos abraçados ao cheiro forte do álcool, das drogas ou sobreviveram em atmosferas de promiscuidade. Foram crescendo em ambientes de agressões físicas e psicológicas contínuas, sempre agarrados ao estômago vazio, formando a sua personalidade distantes de um colo afetivo. (...)". São vidas tenras, mas sofridas, cheias de vivências que privilegiam o vazio de expetativas, de sonhos e de utopias, onde a escola nunca é assumida como uma prioridade, embora, paradoxalmente, a procurem como o único porto de abrigo". Mais palavras para quê?
E assim surge, naturalmente, a pergunta da Psicóloga Clínica Catarina Homem Costa: "podemos medir o sucesso escolar?". Inicia o seu texto: "Entrada no 3º período. Começam as preocupações com as notas num processo enlouquecedor de medir as crianças por meio de números, médias, comparando-as com os colegas, distribuindo culpas, procurando soluções mágicas (como explicações intensivas ou medicamentos milagrosos). Parece que todos os problemas e soluções se resumem aos números da pauta. Parte-se do pressuposto que o objetivo na infância é ser bom aluno, como se a vida se medisse pelos se resultados escolares. Mas será que o sucesso mede em números? Serão esses números preditores de conquistas e bons desempenhos? Um aluno de 5 é mais inteligente que um de 2? Terá um melhor futuro? Será mais feliz?. Termina, sublinhando: "(...) Tantos alunos “nota 5” a quem o facto de não ter sucesso nas outras áreas impede de avançar, de se relacionar com o mundo, de criar relações. Tantas crianças “medíocres” ou com insucesso que farão diferença positiva no mundo e naqueles que as rodeiam. O que é então uma criança bem sucedida? Por que damos tanta importância aos números e desvalorizamos outras competências? Temos um sistema de ensino que cada vez valoriza mais os números… e menos as pessoas".
Dois artigos que deveriam ser lidos várias vezes, em voz alta, por secretários, directores regionais e por toda a comunidade educativa. Dois textos que, uma vez mais, deveriam implicar uma profunda reflexão no plano social, da escola organizacional que deveríamos ter e do sistema educativo pelo qual deveríamos pautar a formação das crianças e jovens. Fico com uma enorme pena que existindo, nesta Região, uma Universidade, profissionais de várias áreas, no activo, que pensam as causas do abandono e do insucesso, enfim, profissionais que não tratam nem a Educação nem o Sistema Educativo tendo por base a repetição do passado, sejam pura e simplesmente ignorados. Leiam em voz alta. Ainda hoje li uma notícia que dá conta de um "batalhão" de pessoas de fora da Região que aí virá debitar o que muitos cá dentro dominam. Para quê? Será que santos da casa não fazem milagres? Leiam em voz alta!
NOTA
Os textos poderão ser lidos nestes endereços:
http://www.dnoticias.pt/impressa/diario/opiniao/582093-alunos-com-a-sua-historia
http://www.dnoticias.pt/impressa/diario/opiniao/582296-podemos-medir-o-sucesso-escolar
Ilustração: Google Imagens.
Sem comentários:
Enviar um comentário