Custa-me imenso cumprir o dever social de marcar presença em cerimónias de despedida, sobretudo naquelas que identificamos como partida para a "última morada". Mais, ainda, quando conheço o ser humano em presença, naquilo que o caracteriza, por ter sentido, ao longo da vida, empatia, uma profunda amizade, alicerçada em inquestionáveis princípios e valores. Mesmo quando os encontros não são de grande frequência, quantos de nós já não olhámos para alguém e não nos apercebemos, embora à distância, a sua proximidade na comunhão desse leque de princípios e valores que estruturam a nossa identidade. Trago comigo um telefonema de um colega e Amigo que vive em Alcobaça. Depois das palavras iniciais, disparou: "era só para saber se estavas bem!". Que bom sentir a amizade! Em uma frase tão curta senti, naquele momento, a beleza da vida, o encanto da vivência e da convivência.
Na despedida da Lília Bernardes, que hoje foi a sepultar, perpassou-me aquela frase, "era só para saber se estavas bem" e penitenciei-me por não ter sido mais próximo. Falta-nos, muitas vezes, essa cultura de termos os amigos por perto, sempre no primeiro plano das preocupações. Na voragem dos dias, dos afazeres, profissionais e outros, vamos deixando para depois, quando esse depois, em um ápice, deixa de existir. A Lília Bernardes merecia de todos nós essa atenção primeira e não teve por parte de muita gente. Olho para trás, para o seu percurso de vida e, particularmente, para as suas preocupações de família que tantas vezes me falou e entristece-me ter presente os enxovalhos públicos de que foi vítima e os processos na Justiça, apenas porque a sua coluna de jornalista e de Mulher nunca foi de plasticina. Lília, em uma entrevista a João Dias, um dia, sublinhou: "(...) A minha postura perante do Dr. Jardim é muito clara: eu sou paga para lhe fazer perguntas e ele é pago para me dar respostas". Só que ele e muitos outros não gostavam das perguntas. Esse foi o problema que, aliás, profissionalmente, magoou, mas não a deixou vergar, simplesmente porque era seu entendimento: "(...) Se Alberto João Jardim sair do poder não tenho nada para chorar nem para festejar". Nem mais. Há, portanto, gente que perdendo a noção que a vida é finita, dos políticos aos CTT, passando pela comunicação social escrita e televisiva, que hoje deveria curvar-se perante a sua morte e, publicamente, pedir desculpa. São vários ao longo do seu percurso. Porque a Lília não era "inimiga da Madeira". Bem pelo contrário.
Olho para trás, ainda, e vejo a lutadora, com problemas até ao céu da boca, mas que ainda encontrou tempo para se licenciar, o que exprime uma constante busca pelo conhecimento. A Lília foi uma Mulher lutadora. A sua mãe, julgo com 94 anos, a sua filha e a sua irmã faziam parte da sua preocupação diária. Nunca se queixava das suas maleitas, soube, ainda hoje, que nem à filha confidenciava. Uma Mulher lutadora e sofredora no silêncio dos dias. A Lília seria uma avó presente dentro de poucas semanas. Quis as circunstâncias que não deliciasse esse momento sublime e doce. Que a criança nasça e transporte os princípios e valores da avó.
Faço minhas as palavras do Dr. Carlos Farinha, da Polícia Judiciária, que ainda ontem sublinhou: "(...) Tenho muita pena de não poder dizer que há muitas Lílias neste país."
Até um dia, Amiga.
Ilustração: Google Imagens.
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