Poucas palavras para não desvirtuar o título. E também para fazer esse higiénico mergulho, difícil e necessário, dentro do cérebro até tocar o nosso consciente latente activo - se é que o podemos localizar – e aí conquistarmos o espaço do pensamento livre. Descodificando o preâmbulo, refiro-me à tumultuosa agitação das ondas comunicacionais que, à superfície, gravitam em nosso redor e nos estrangulam sem darmos por isso. Nunca foi tão activa, obsessiva e opressiva a informação que, de fora, bombardeia olhos, orelhas e neurónios. E com tal subtileza que nem chegamos a levar as mãos à cabeça para abrigá-la de tamanho furacão. Pelo contrário. A pretexto de actualização de dados, somos nós que lhe franqueamos as portas e as janelas. E se ela não vem à hora certa (que é toda a hora) lá vamos a correr atrás da gritaria, nos jornais, nas TV’s, nas rádios, nos face’s, até mesmo na bisbilhotice caseira dos comentadores de cordel. Recordando o hino da extinta (em 1974) Mocidade Portuguesa do regime fascista que formatou na escola da ditadura os jovens de então, nossos pais e avós, também cantamos de braços abertos: “Lá vamos cantando e rindo, levados – levados, sim”.
Permitam-me este desabafo, mas (à maneira de F.Pessoa “trago a cabeça doente de sonhos”) apetece dizer: trago a cabeça doente, escaqueirada de informações. Não sei se convosco o mesmo se passa, mas caio em mim, mergulho no oceano fundo de mim próprio e pergunto: Ainda não te saturaste desse turbilhão em fúria que ronda à tua volta? Bebeste a informação, sim, mas provaste-a suficientemente nas papilas do pensamento crítico? Seleccionaste-a, saboreaste-a, interiorizaste-a naquilo que de verdadeiro e útil te pode enriquecer?
Na praça pública da informação somos, tantas vezes, taxistas de serviço gratuito à espera do primeiro cliente que se nos atira porta adentro sem controlo nem critério. E sem ferir susceptibilidades, chego ao extremo de nos compararmos a vazadouros públicos que aceitam indiscriminadamente todo o lixo que os donos da comunicação entendem despejar em cima do nosso consciente. Que ridícula atracção esta de apanha-bolas em que muita gente se torna no estádio do quotidiano. São os “spots” publicitários, são as subreptícias campanhas políticas, as encenações pseudo-religiosas, os ataques bombistas, os milionáriosoffshores, erotismos mórbidos, enfadonhos comentadores dos futebóis, já sem falar nos escândalos apetitosos aos paladares podridos – tudo nos chutam à cara e nós, bobos da feira, aceitamos e até agradecemos. “Lá vamos… levados, levados sim”.
Sem dúvida, precisamos de estar vigilantes, nada de humano nos deve ser alheio, já nos educava Aristóteles. Mas, como de água para a nossa sede, precisamos de liberdade interior para avaliarmos da química das fontes. Conforme o filósofo francês Michel de Montaigne (1533), não basta uma cabeça abundantemente mobilada; preciso é ter une tête bien rangée, uma cabeça bem arrumada.
Perdoem-me este expirar nocturno de um estado de alma. Mas acho-o necessário ao equilíbrio neuro-vegetativo do ser humano e ao verdadeiro espírito da cultura. Assistimos hoje àquele paradoxo que o jornal El Paístitulava assim: “A solidão, epidemia da era da comunicação”, em comentário ao livro The Lonely City, da escritora britânica Olivia Laing. E justifica: ”Neste mundo hiperconectado, grande parte da população sente-se só e isolada. Estar presente a todas as horas nas redes sociais, recebendo uma maré cheia de informação permite disfarçar um sentimento real de desamparo que o mundo virtual paradoxalmente acentua”.
É um tónico que a nossa saúde física e mental não dispensa: mergulhar para dentro de nós mesmos. E aí descobrir tesouros desde sempre escondidos.
Tudo certo. Mas, afinal, feitas bem as contas, acabo por entrar em rotunda contradição. Pela lógica que descrevo, eu não tenho sequer o direito de sobrecarregar os meus amigos nos dias ímpares com este SENSO&CONSENSO...
11.Abr.16
Martins Júnior
NOTA
Artigo publicado no blogue Senso&Consenso assinado pelo Padre Martins Júnior
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