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sexta-feira, 27 de julho de 2018

UM RIO DE EQUÍVOCOS


"A Madeira tem sido desde sempre um bom exemplo de governação" (...) "aquilo que se passa na Saúde é um bom exemplo", disse o Dr. Rui Rio na entrevista de ontem ao DN-Madeira. De imediato lembrei-me do Dr. Álvaro Cunhal no decorrer de uma entrevista com o socialista Dr. Mário Soares: "olhe que não, olhe que não"! Eu sei que, no plano partidário, não era expectável que dissesse outra coisa. Só que a realidade é bem diferente. Terá o Dr. Rui Rio presente que a Região atingiu os 6.3 mil milhões de dívida (cerca de quatro vezes o orçamento anual da Madeira)? Saberá que as obras megalómanas, desajustadas da realidade da Região, colocaram-na em uma situação de insustentabilidade financeira? Terá presente o que foi o "aspirador" de dinheiros públicos chamado Jornal da Madeira, destinado à propaganda? Conhecerá os tristes números da pobreza (30%) constantes em vários estudos? Dominará os números do desemprego? Terá noção do número de consultas e de cirurgias em atraso, falta de medicamentos e de material? Terá presente, embora com maioria absoluta, a instabilidade governativa, consubstanciada no facto de vários secretários terem sido substituídos? E que esta legislatura já conta com três secretários da Saúde? Terá presente os arrepiantes números do insucesso, abandono escolar e qualificação profissional? Conhecerá, em toda a extensão, o que significou a intolerância, o afastamento e o vilipêndio público de tantos ilustres profissionais de vários sectores, apenas porque discordaram das posições do governo? Tem noção dos sérios constrangimentos na vida, na vivência e na convivência democráticas, associado ao medo de falar abertamente, gerado com enorme subtileza no seio da população? Dominará a indisfarçável proximidade, desde sempre, entre a Igreja e o poder? Não tem, pois não! Daí que se justifique ter dito que a Madeira é, "desde sempre um bom exemplo de governação". 


Não é que não tivessem sido construídas infraestruturas importantes. Eu diria mesmo, muito relevantes. Houve decisões e opções acertadas, sobre as quais não me restam quaisquer dúvidas da sua importância. É óbvio que sim. Era o que faltava, depois de tantos milhões que entraram na Região não fosse sensível a existência de obras públicas. Mas o Dr. Rui Rio certamente que sabe que "onde há dinheiro empreiteiros não faltam"! E sabe que, com o mesmo dinheiro, mas com outras prioridades estruturais, consegue-se muito mais no sentido de uma sociedade mais justa e equilibrada. E também sabe que se as obras não aparecessem, deixaria de ser "um caso de política para ser um caso de polícia". Ainda assim, saberá, com certeza que sabe, que mais de mil milhões foram escondidos do radar das finanças públicas, facto que deu origem ao tal processo designado por "cuba livre". Por aí, estamos conversados sobre o "bom exemplo de governação". 
Mais, ainda, o Dr. Rui Rio não se atreveria, na cidade do Porto, onde foi presidente da Câmara Municipal, a apoiar, de forma diferenciada, as juntas de freguesia e o associativismo, secundarizando todos os de cor política diferente; pelo que é público não entrou no "negócio" da bola, conjugado com o exercício da política, nos termos da promiscuidade e desperdício por aqui existente; não se atreveria a tratar de forma diferente o tecido empresarial, ajudando a criar preferências e "monopólios" subtil e intencionalmente arquitectados; não sei, julgo que não, se violou os vários instrumentos de planeamento e adiado ou suspendido outros em função dos interesses de alguns; embora discordando e reivindicando, não tenho presente que tivesse entrado pela violência do discurso, agredindo com palavras os presidentes das outras autarquias, os governos e até o Presidente da República.
Se tudo o que lá atrás aflorei constitui, na Madeira, globalmente e desde sempre, um "bom exemplo de governação", então já não sei o que aprendi ao longo da vida. E o filme que vi durante 42 anos foi de mera ficção e não dei conta! 
Ilustração: Google Imagens.

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