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terça-feira, 30 de julho de 2019

Educar para a coragem


Admiro, em qualquer sector ou área de actividade, as pessoas com coragem. Desde os que, no mundo empresarial, arriscam, aos que não se acomodam e estudam, investigam e produzem conhecimento. Desde os que, no plano político, se colocam do lado dos socialmente desprotegidos, aqui ou no fim do mundo, aos que, desinteressadamente, conseguem organizar o tempo para ajudar a compor as assimetrias da sociedade. Admiro os que enfrentam o fogo e a força da natureza, desafiando situações que podem não ter regresso. Admiro quem enfrenta os dramas de uma doença e todos quantos, abnegadamente, colocam a ciência ao serviço dos semelhantes. Admiro, enfim, quem enfrenta meios hostis e vence as contrariedades. Admiro a opção pela coragem.


E isto a propósito de quê? 
Ora bem, tenho seguido a aventura do Henrique Afonso, "O Pirata", há sete meses em viagem de circum-navegação e, sobretudo, a viagem do Miguel Sá que, depois de seis meses no mar, regressa agora a casa. A coragem de enfrentar o mar, o desconhecido, as intempéries, os problemas  na "casquinha de noz" na imensidão dos oceanos, os dias e dias de vida solitária, trabalhando a bordo e vagueando em pensamentos múltiplos, eu sei lá, sinceramente, não consigo imaginar e descrever o extenso rol de emoções, porque nunca tive essa experiência, porém, acentuo, é de uma coragem superior. Um dia, não me lembro quem, disse-me que para os apaixonados pelo mar, naquele meio esquecem-se os problemas, pois eles só começam quando se pisa terra firme! Percebi a imagem, mas, sinceramente, mesmo assim, prefiro não arriscar. Não pelo enjoo, mas pela ausência de coragem. A minha está em outros âmbitos, por exemplo, em dizer e assumir o que penso, sem ofensas, no pleno gozo da minha liberdade, embora, algumas vezes tenha sentido o desconforto de um retorno pouco agradável. 
Não conheço o Miguel Sá, ou melhor, conheço-o pelas fotografias. Nunca fomos próximos para além de um cordial cumprimento, uma ou outra vez, ali por São Lázaro. Mas conheço a sua dupla coragem, a de navegador solitário e a do cidadão que, sem papas na língua, escreve e diz o que pensa, em uma sociedade que ainda continua castrada por um certo pensamento único que impede a coragem de romper as amarras. Neste aspecto, o Miguel bate-me aos pontos: tem a coragem de navegar sozinho pelo alto mar e a coragem de  quando em vez escrever nas difíceis ondas da cidadania. Eu "contento-me" ou "fico-me" pelas tormentas das situações escritas em terra. Dele registo uma frase interessante nas vésperas de um acto eleitoral: "voto nele, porque não o conheço". 
Tenho, por isso, uma enorme consideração pelo Miguel Sá. Ele, certamente, segue o que li de um outro navegador solitário, o Ricardo Dinis: "(...) sofri muito quando percebi que o mar não era aquele ser absoluto e romântico que imaginava, mas consegui uma frieza que me ajuda melhor a sobreviver quando estou a navegar durante tanto tempo (...) aprendi a ser indiferente às temperaturas, deixei de me compadecer com as debilidades (...) sou um ser humano normal, que tem sentimentos e tirita quando tem frio mas, ali, no meio do oceano, consigo ser um bicho estranhíssimo que desliga as emoções e toca a fazer o trabalho. Vem aí uma tempestade? Que venha ela!" Digo eu, só com coragem.  
Ora, o Miguel Sá, que demonstra não ter medo de ir à luta, que sabe percorrer o risco, embora calculado, deveria ser aproveitado para contextualizar, na escola que eu sonho, a coragem que muitas vezes nos falta em tantas situações na vida, narrando-as, e mais, contextualizando-as na História, falando dos usos e costumes, partilhando as fotos dos cantos e recantos do mundo, enfim, tudo que desperta emoções e conhecimento. Ele e o Henrique Afonso poderiam ser os "professores da coragem" (agir com o coração). A educação também por aí passa, enquando geradora de confiança em si mesmo e veículo de superação das limitações, aspectos que, convenhamos, estão muito para além de algum paleio decorado para esquecer logo depois. Afinal, somos ou não "um pais de marinheiros?"
Ilustração: Google Imagens.

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