Há pessoas que não esqueço. Não as posso esquecer pelo que intrinsecamente são, pela Amizade, tão distante quanto próxima e porque, em determinados momentos desmultiplicaram aquilo que para mim era muito complexo. Pessoas que nunca precisaram de se colocar em bicos de pés para serem notadas, pessoas com princípios e com valores intemporais, pessoas que transportaram sempre preocupações sociais que me tocaram fundo. Uma dessas figuras é o Engenheiro Danilo Matos.
Não esqueço os sábios conhecimentos sobre a cidade do Funchal. Decorria o ano de 1993. Por convite do Dr. Mota Torres, aventurei-me numa candidatura à presidência da Câmara Municipal do Funchal. Necessário se tornava conhecer tudo sobre a cidade, a estrutura do planeamento estratégico e o pensamento sério e profundo de como erguer uma cidade com futuro. Bati-lhe à porta. Ele que, em 1980, no seu regresso à Madeira e depois de várias recusas (políticas?) de trabalho, acabara por ingressar na Câmara do Funchal onde era técnico – chefe de divisão e depois director de serviços – de urbanismo e planeamento, funções que desempenhou entre 1981 e 1998. Aliás, do seu labor, participou na criação do Gabinete de Planeamento Estratégico da autarquia, tendo sido seu director. Foi o Engº Danilo que me abriu para esse mundo de preocupações com a cidade, a sua escala e a defesa da identidade histórica e riqueza patrimonial. Aliás, tenho em registo pessoal todas as suas posições, as quais, de quando em vez a elas regresso, porque intemporais naquilo que constitui o pensamento estruturante.
O Engenheiro sempre foi um cidadão comprometido e empenhado. Ao longo da sua vida desenvolveu uma grande intervenção cívica, mesmo depois de sair da Câmara, de que se destaca a posição firme e inequívoca em defesa das muralhas centenárias das ribeiras da cidade do Funchal e pela preservação das suas pontes. "Um olhar sobre as Obras e Providências de Reinaldo Oudinot" em co-autoria com Rui Carita, Raimundo Quintal e João Baptista, é precisamente uma das expressões desse trabalho.
Admiro-o pelo seu passado de luta, sublinho, num tempo em que outros se refugiavam. Jovem estudante em Lisboa, foi preso na manifestação do 1º de Maio de 1962 (voltou a ser preso em Maio de 1975, pelo COPCON, juntamente com mais de 400 militantes do MRPP). Portanto, 1962 é o começo de uma vida fora da Madeira, no caminho para a licenciatura em engenharia civil, mas também na cada vez maior consciência cívica e política. Participou na coordenação das equipas de estudantes que se mobilizaram na campanha de solidariedade e apoio às populações mais pobres atingidas pelas cheias de 1967, em Lisboa. Foi dirigente estudantil e dirigente da RIA, Reunião Inter-Associações, da Universidade de Lisboa, participando de forma muito activa e empenhada nas lutas estudantis, mas também nas lutas contra a guerra colonial, pelo derrube da ditadura do Estado Novo. Pertenceu ao Comité Central do PCTP/MRPP e dirigiu a sua estrutura na academia, a FEM-L, Federação dos Estudantes Marxistas-Leninistas. Devido a uma denúncia foi obrigado a passar à clandestinidade a 1 de Novembro de 1972, situação em que se manteve até 25 de Abril de 1974, nunca tendo saído do país.
Repito, admiro figuras assim, de uma só cara e cuja coluna não é de plasticina. Admiro quem, na Câmara do Funchal não foi na cantiga de se alterar, por exemplo, o Plano Director sempre que deu jeito para a aprovação de uma qualquer obra. E admiro quem, contra as pressões e leviandades políticas soube dizer NÃO às investidas de alguns sectores da sociedade.
Mas esses, Amigo Danilo, não são lembrados. Nos momentos solenes recordo sempre a "Valsinha das Medalhas" do Rui Veloso, quando assisto ao desfile de figuras, algumas escolhidas a dedo:
(...)
Quem és tu, de onde vens?
Conta-nos lá os teus feitos
Que eu nunca vi pátria assim
Pequena e com tantos peitos
(...)
Obrigado, Amigo Danilo.
Ilustração: Google Imagens.
Sem comentários:
Enviar um comentário