Por
Nicolas Fernandez
Jornalista.
A Cecília arrisca entregar ao banco o apartamento onde mora com o filho. A prestação come quase tudo do seu ordenado quase mínimo. Estas mulheres vivem na Madeira, a região com a taxa de risco de pobreza mais elevada do país, quase 26%. Poderíamos também falar das guerras, da problemática dos refugiados, dos migrantes, do clima, do aumento do custo de vida, da precariedade laboral, etc.
Jornalista.
A Catarina, numa mensagem, faz saber que não aguenta mais. Tem mestrado e fome. Fome! O senhorio deu-lhe dois meses para abandonar o pequeno apartamento onde vive. A ela e a todos os inquilinos do prédio.
A Cecília arrisca entregar ao banco o apartamento onde mora com o filho. A prestação come quase tudo do seu ordenado quase mínimo. Estas mulheres vivem na Madeira, a região com a taxa de risco de pobreza mais elevada do país, quase 26%. Poderíamos também falar das guerras, da problemática dos refugiados, dos migrantes, do clima, do aumento do custo de vida, da precariedade laboral, etc.
Perguntar-me-ão o que tem isto a ver com as JMJ (Jornada Mundial da Juventude)? Sendo a Jornada um momento de festa, de experiência de catolicidade, no sentido de abertura ao universal, sabendo igualmente que há um antes, um durante e um depois muito importantes, o problema coloca-se quando nem todos podem fazer festa. O Papa Francisco, através de gestos e da palavra, não se cansa de alertar.
Ainda recentemente com 200 artistas, na Capela Sistina, pediu para não se pôr um silenciador a quem vive na pobreza. Conforme diz “vivemos um momento histórico que não favorece a atenção aos mais pobres. O volume sonoro do apelo ao bem-estar é cada vez mais alto enquanto se põe o silenciador relativamente às vozes de quem vive na pobreza… A arte e a fé não podem deixar as coisas como estão”. Francisco tem pedido, especialmente aos jovens, um compromisso efetivo na transformação deste mundo desigual e ameaçado. E até sugere gestos como “antes das jornadas vão visitar os avós”.
Esta Jornada não se pode reduzir a um fogo-de-artifício bonito, mas inconsequente, a um momento festivo onde, no alto da montanha do encontro, apetece montar as tendas e ficar. Ninguém descura a importância dessa vivência e dos preparativos igualmente cheios de advento que as precederam. Mas tem de haver uma sequência ou consequências. Caso contrário correria o risco de ser apenas mais uma missa, especial é certo, porque partilhada por muitos milhares de jovens oriundos de várias latitudes, mas mais uma. É o próprio Papa que lembra que “a Eucaristia impele-nos a um amor fortemente comprometido com o próximo, porque não podemos realmente entender e viver o seu significado se mantivermos os nossos corações fechados para os nossos irmãos e irmãs, especialmente por aqueles que são pobres, sofredores, exaustos ou perdidos na vida”.
Esta Jornada Mundial da Juventude exige, por isso, um compromisso, uma atenção redobrada a esse mesmo mundo, um novo olhar portador de esperança, um apelo à transformação. Já no século passado o teólogo Ives Congar alertava: a uma religião sem mundo, segue-se um mundo sem religião. A este espírito transformador não basta amadorismos ou boas intenções. A complexidade e diversidade das matérias, da vida e da história exigem estudo, partilha e dedicação. Diria que passa até por um compromisso político, que não se esgota, mas também pode ser partidário. Para que a festa seja possível.
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