Uma carta do leitor assinada por Pedro Trindade, publicada na edição de ontem do Dnotícias, sob o título "Já Foste (...) Toco!", dá conta de um Podcast do Jornal Económico, onde o Presidente da Câmara do Funchal desenterra um projecto apresentado, já tem uns anos, pelo actual presidente do governo regional, na altura presidente da autarquia, o qual visava uma "monumental" obra na ainda designada praia do Toco/Lazareto. Do texto publicado reproduzo:
"(...) nós vamos ter que olhar para a cidade, sobretudo para a zona do Toco, e hoje existe a zona do Socorro, da zona velha da cidade, e quem vai a caminho do Garajau, nós temos que desenvolver essa cidade, voltar a por em cima da mesa um projecto que foi uma realidade há uns anos atrás, que era o projecto do Toco, e desenvolver ai se calhar uma nova centralidade! De Apartamentos, se calhar uma nova Marina, se calhar uma zona de investimento turístico acentuada (....) a cidade vai ter que crescer para Este!"
Lembro-me que esse projecto surgiu na sequência do "Funchal Centrum", hoje "La Vie", onde o Arquitecto espanhol Ricardo Bofill sugeriu a implantação de duas grandes torres, do meu ponto de vista, claramente desprocionadas em função da escala do anfiteatro do Funchal. Certo é que, nas reuniões semanais, a então Vereadora Violante Saramago Matos opôs-se com toda a firmeza, com sabedoria e convicção, escudada em opiniões técnicas de várias áreas e, claro, mais cedo do que se pensava, as torres "caíram", o projecto foi reconvertido dando lugar àquilo que hoje se conhece.
Não vou divagar sobre este assunto. Escrevi na altura devida e, em 2008, voltei a deixar um texto nestas páginas. Regressei ao tema em 2017, portanto, para mim só me resta uma leitura: o Senhor Presidente da Câmara, antes de falar deve pedir que lhe coloquem em cima da mesa a história do processo. Por isso, aqui deixo um texto de Maio de 2017:
"A Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais, dando continuidade aos objectivos definidos na Estratégia Regional para a Conservação do Património Geológico, elegeu para Maio o Toco como o geossítio do mês. A arriba litoral do Toco expõe o melhor afloramento de depósitos hidrovulcânicos provenientes de erupções hidroplinianas, pertencentes à Formação do Funchal (Complexo Vulcânico Superior – CVS2 pih). Trata-se de uma sequência composta por níveis hidrovulcânicos distais e níveis de pedra-pomes traquítica com paleossolos intercalados. No topo desta sequência, aflora uma escoada subaérea de composição basáltica que apresenta disjunção prismática bem desenvolvida e inclina suavemente para o mar."
O curioso desta situação é o facto de, em 2003, sob a presidência do Dr. Miguel Albuquerque, a Câmara Municipal do Funchal, contrariando o PDM, elaborou e apresentou um concurso público internacional para "concepção, construção e exploração da marina da praia do Toco". Para habitação e escritórios foram destinados 41.620 m2; hotelaria, 36.000 m2; comércio 16.9280 m2; lazer 4.450 m2; marina para 412 lugares; estacionamentos para 2000 lugares. Área edificada acima do solo: 99.510 m2. Área edificada abaixo do solo: 70.000 m2. A previsão de custos da obra rondava os 390 milhões de euros.
Em 2008 a proposta da Câmara era mesmo para avançar já no ano seguinte. Lembro-me de pertencer à vereação que contestou esta megalomania. A principal figura foi a Drª Violante Saramago Matos. Em acta foi deixada uma extensa nota baseada nos seguintes artigos do PDM:
Artº 86º:
1. As praias são sistemas naturais costeiros, constituídas por formas de acumulação mais ou menos extensas de areias ou cascalhos, de fraco declive, limitadas inferiormente por linhas de baixa-mar (...) representando áreas de grande sensibilidade ecológica e paisagística.
2. As praias constituem zonas non aedificandi.
Artº 87:
1. As arribas são sistemas naturais costeiros, constituídas por formas particulares de vertente costeira abrupta ou com declive forte, em regra talhadas em rochas coerentes pela acção conjunta de agentes morfogenéticos marinhos, continentais e biológicos, representando áreas de grande sensibilidade ecológica e paisagística que necessitam de ser preservados, juntamente com as suas faixas de protecção adjacentes.
2. As arribas e faixas de protecção adjacentes constituem zonas non aedificandi.
Em função desta posição "caiu o Carmo e a Trindade". Tenho presente os comentários feitos pela maioria política, cujo presidente lidera hoje o governo regional. Pois bem, passados cerca de catorze anos, a obra ainda bem que não foi concretizada. Vem agora o governo, através da Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais, eleger para Maio, o Toco, como o geossítio do mês. Fica-me a pergunta: o que pensa o Presidente do Governo desta situação em função das suas posições aquando da sua presidência da Câmara?
Pessoalmente, ignorante na matéria, não tenho a menor dúvida que todo o funchalense, ou melhor, todo o madeirense reconhece que aquela zona que se estende até ao Garajau é de um recorte lindíssimo que a natureza brindou. Olhamos e gostamos até porque identifica a cidade a leste. Mas não basta isso. Foram os técnicos, os especialistas em várias áreas, que definiram o que consta nos Artigos 86º e 87º do PDM.
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