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quarta-feira, 26 de julho de 2023

O Verão que vai redimensionar os BRICS


Por
João Abel de Freitas, 
Economista


O caminho parece ser um alargamento equilibrado que reforce qualitativamente o seu peso no Mundo, no sentido de construir a Nova Ordem Internacional que promova uma participação mais equitativa.



Os BRICS são um grupo de cinco grandes economias emergentes, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Com uma história ainda curta, mas a crescer de importância no tabuleiro mundial (43% da população e 32% do PIB, em paridade de poder de compra), este grupo de países, pelo seu dinamismo, vai acabar por construir uma Nova Ordem Mundial.

As expectativas para a 15ª Cimeira dos BRICS, a realizar-se entre 22 e 24 de Agosto próximo, em Joanesburgo, sob a Presidência da África do Sul, apresentam-se bastante promissoras e, em simultâneo, com algumas incertezas, sobretudo, em termos de adesões e de eventual lançamento de uma futura moeda a criar.

A Cimeira tem por tema, BRICS e África: Parceria pelo Crescimento mutuamente Acelerado, Desenvolvimento Sustentável e Multilateralismo incluso.


Das informações disponíveis, esta Cimeira tem sido alvo de uma preparação cuidada, tendo inclusivamente havido uma reunião específica dos cinco ministros dos Negócios Estrangeiros, nos dias 1 e 2 de Junho de 2023, na cidade do Cabo, que produziu um extenso comunicado de 30 pontos, a Declaração Conjunta do Cabo da Boa Esperança – Ministros das Relações Exteriores e Relações Internacionais do BRICS – Cidade do Cabo, África do Sul, 1º de Junho de 2023 (acessível na internet com esta designação).

No segundo dia, participaram cerca de dezena e meia de países, “amigos dos BRICS”. Não há espaço para, aqui, transcrever a Declaração, na íntegra. No entanto, os três primeiros pontos merecem ser relevados (versão Brasil), porque enunciam princípios estruturantes dos BRICS.

“1. Os Ministros das Relações Exteriores e Relações Internacionais do BRICS se reuniram em 1º de junho de 2023 na Cidade do Cabo, África do Sul. Os Ministros trocaram impressões sobre as principais tendências e questões globais e regionais. Reafirmaram seu compromisso de fortalecer a estrutura de cooperação do BRICS sob os três pilares da cooperação política e de segurança, econômica e financeira, e cultural e interpessoal, defendendo o espírito do BRICS com respeito e compreensão mútuos, igualdade, solidariedade, abertura, inclusão e consenso.

2. Os Ministros reiteraram o compromisso de fortalecer o multilateralismo e defender o direito internacional, inclusive os propósitos e princípios consagrados na Carta das Nações Unidas (ONU), como sua pedra angular indispensável, e o papel central da ONU em um sistema internacional no qual Estados soberanos cooperam para manter a paz e a segurança, promover o desenvolvimento sustentável, garantir a promoção e a proteção da democracia, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos e promover a cooperação baseada no espírito de solidariedade, respeito mútuo, justiça e igualdade.

3. Os Ministros expressaram preocupação com o uso de medidas coercitivas unilaterais, que são incompatíveis com os princípios da Carta da ONU e produzem efeitos negativos, notadamente no mundo em desenvolvimento. Reiteraram seu compromisso de aprimorar e melhorar a governança global, promovendo um sistema internacional e multilateral mais ágil, eficaz, eficiente, representativo e responsável”.

Alguns temas tratados a merecer destaque


A falta de apoio financeiro do mundo rico às economias emergentes ou, como agora se usa mais, do Sul Global. Neste contexto, a MNE da África do Sul, Naledi Pandor, realçou na reunião que “os recursos dos nossos parceiros mais ricos foram desviados e as agendas das nossas organizações multilaterais já não respondem às necessidades e exigências do Sul Global” que, para estes países, é, com a máxima prioridade, a erradicação da pobreza global.

O tema da pobreza é levado à discussão em vários fora internacionais, pelos BRICS e outros países do Sul Global. Para os BRICS, a multipolaridade é também outro tema fundamental. A Chefe da Diplomacia da Índia insistiu para se “enviar uma forte mensagem de que o mundo é multipolar e está a reequilibrar-se”.

A África do Sul, na qualidade de Líder da Cimeira, informou os restantes que, pelo menos 19 países da Ásia, América Latina e Europa, enviaram por escrito pedidos de adesão, referenciando que a agenda de alargamento incorpora a ideia de criação de uma moeda conjunta, apoiada no ouro. Posteriormente houve mais manifestações nesse mesmo sentido.

Aliás, este tema da moeda conjunta tem vindo a ser abordado por vários dirigentes dos BRICS e até apoiado por países conhecidos como “amigos dos BRICS”.

A ideia fundamental da eventual criação a prazo de uma moeda é romper com a dependência do dólar americano, que muito complica e limita a vida económica dos países pobres em geral, agravada em circunstâncias de aplicação de sanções económicas a que os EUA se arrogam facilmente, abusando da sua supremacia mundial.

Algumas “pequenas” machadadas têm, no entanto, sido desferidas nas transacções comerciais entre países, sem intermediação do dólar, estreitando, por conseguinte, o seu mercado, situação incentivada pelos BRICS que tem vindo a alargar-se e a crescer.

A constituição do Banco dos BRICS, de que Dilma Rousseff é presidente, veio incrementar este processo, nomeadamente agora em que países terceiros como a Arábia Saudita, Egipto e Bangladesh decidiram participar no capital do Banco.

Mas o domínio do dólar continua impedindo outra qualquer moeda de participar, segundo o peso relativo nas transações reais (comerciais e financeiras). Do equilíbrio ideal estamos muito longe. A multipolaridade é também isso, aliás, o que o euro nunca conseguiu.

Criar uma moeda conjunta, mesmo com base no ouro, não é uma tarefa tão simples. As economias de adesão à moeda conjunta terão de reunir uma série de condições específicas e ganhar confiança nos mercados. Basta pensar-se no caso do euro para apreendermos as grandes dificuldades. E as economias do euro não estavam tão longínquas entre si como as dos BRICS.

Quanto ao alargamento, ou seja, os BRICS+, é uma questão também muito debatida entre os dirigentes, mas não se conhecem ainda os critérios. Um tema delicado, onde o bom senso tem de imperar, pois há a ideia de que nem tudo está alinhado.

Para além de critérios técnicos, há pontos sensíveis, como a espacialidade. Por exemplo, a Ásia tenderá a ter um peso esmagador de países, o que deverá ser doseado. Depois, há a equacionar a representatividade e o papel dos actuais membros na sua área de influência.

Sem dúvida, o caminho parece ser um alargamento equilibrado que reforce qualitativamente o seu peso no Mundo, no sentido de construir a Nova Ordem Internacional que promova uma participação mais equitativa, conducente a uma profunda readaptação das estruturas mundiais, de forma que o Ocidente, não perdendo a quota a que tem direito (actualmente sobrevalorizada), ceda e permita ao Sul Global ter poder, de forma a lutar pelos seus direitos.

A ONU e todas as Instituições que gravitam na sua orbita têm, necessariamente, de ceder poder para que os poderes mundiais se reequilibrem e os BRICS+ conquistem o espaço político a que têm direito e merecem. Uma Nova Ordem Mundial é requerida.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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