Cristina Pedra recusou, ontem, a existência de pobreza extrema na Madeira dizendo que o País e a Madeira, "estão bem longe da tristeza que é a falta de rendimento" (...) na Madeira não é preciso roubar para comer" (...) porque "há uma rede integrada de associações e entidades" que garantem refeições em lugares condignos. (Dnotícias, página 13, 21.10.2023)
Com aquelas declarações, a Drª Cristina Pedra clarificou o seu posicionamento: desde que haja uma rede que, digo eu, esconda a pobreza extrema ou não, desde que se disponibilizem uns apoios financeiros, desde que o associativismo possibilite umas salas, mesas, cadeiras e umas refeições, tudo com dignidade, o drama da pobreza fica resolvido ou atenuado e a consciência política tranquilizada. Ora, em circunstância alguma, devemos adoçar as asperezas da vida e a dignidade do ser humano. As questões sociais devem ser encaradas com a máxima frontalidade e de forma nua e crua. Muitas vezes leio assuntos que me preocupam, mas deixo-os passar. Falta-me a paciência. Desta vez, não. Irritou-me. Porque, enquanto cidadão e porque sou feliz, pergunto-me: por que raio muitos milhares não o são?
Não é de migalhas que os excluídos precisam. A esmagadora maioria precisa de um pensamento económico estruturado que torne mais igual o que é estruturalmente assimétrico e dependente; a esmagadora maioria dos pobres não precisa quem lhes venham dizer que "têm de tomar a cana em suas mãos e pescar", quando o pensamento político rouba-lhes as canas, as linhas, os anzóis e o próprio isco em benefício de alguns que conhecem bem os corporativismos, os subtis "monopólios", as "fortunas mal explicadas", os interesses partidários e, sobretudo, as teias e os labirintos dos vários poderes; a esmagadora maioria precisa de uma escola para a vida e não de uma escola que, sorrateiramente, promova a triagem fazendo-os desistir; a esmagadora maioria precisa de salários decentes que evitem a rua, a mão estendida à caridade (palavra que me irrita), a vergonha e o assistencialismo que cresce à vista desarmada; a esmagadora maioria precisa de uma cultura e mentalidade que a escola e a família não disponibilizam; a esmagadora maioria necessita de políticos que não olhem para a eleição seguinte, mas para a geração seguinte. Tanto que aqui me apetece dizer!
Ora, Senhora Vice-Presidente, não me leve a mal, mas tal como o outro, o brasileiro, repito, a Senhora não sabe nada de pobreza, não conhece o círculo vicioso da pobreza e as inúmeras iliteracias que por aí andam. Do pouco que sei e por aquilo que sou, digo-lhe que, em circunstância alguma, seria capaz de olhar para a pobreza circunscrita à necessidade de uma refeição. Porque a pobreza é muito mais do que isso. Resolvendo as outras, as estruturais, reduzem-se ou resolvem-se as das associações assistencialistas. E o que é grave é que a Senhora sabe, ora se sabe, que há seres humanos que trabalham e são pobres. Alguns extremamente pobres! Se pagam o tecto falta-lhes capacidade para cobrir outras e importantes carências de bens e serviços essenciais; se pagam a habitação, falta-lhes para a saúde, para a educação e para a cesta básica dos alimentos. Por aí fora!
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