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segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Energia nuclear e Inteligência Artificial


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Para além dos elevados consumos de energia, a Inteligência Artificial também é uma forte consumidora de água para manter os seus supercomputadores refrigerados.



Um namoro de bom augúrio, ainda a desabrochar e a acomodar-se. A energia nuclear anda numa caminhada de novos desafios. A sua ligação à Inteligência Artificial (IA) não deixa de ser um deles e a oferecer múltiplas saídas. Para já, um duplo relacionamento está a antever-se num horizonte próximo.

Um, onde a IA está a ser chamada a intervir, situa-se no domínio da fusão nuclear. E, se houver sucesso, poderá desempenhar um papel crucial. Esta intervenção consiste em criar “um algoritmo”, ou seja, um instrumento de apoio IA, para o controlo da estabilização do plasma a altas temperaturas, no interior do reactor de fusão. Estes desenvolvimentos estão a decorrer desde algum tempo e, segundo li, levaram à constituição de equipas específicas no sentido de gerar instrumentos IA que respondam segundo a capacidade e a função requeridas.

Outra linha bem diferente é a nuclear como fonte de alimentação de energia no próprio processo de desenvolvimento da IA.

Debruçando-nos um pouco sobre esta última vertente, pois a disponibilidade de informação é maior, o problema no essencial resume-se no seguinte: as grandes tecnológicas e, nomeadamente, os cinco maiores grupos de origem americana, conhecidos pela sigla GAFAM (Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft), precisam, para entrar, a fundo, na Inteligência Artificial nas suas áreas específicas, de lançar grandes Centros de Dados (Data Centers), pois, como se sabe, quanto maior for a quantidade e qualidade de dados do sistema, de melhor qualidade serão os seus produtos finais apurados.

Os Centros de Dados são actividades de consumo muito intensivo em energia e água. E, pelo menos, a Microsoft já está no terreno com a intenção declarada de constituir uma equipa para planear o uso da energia nuclear no grupo e, nesse sentido, tem avançado com o processo de recrutamento de especialistas e manifestou a intenção de recorrer a SMR, pequenos reactores modulares, como solução para o problema do elevado consumo energético.

Os EUA, através da Lei de Redução da Inflação (IRA), um programa para a redinamização da indústria americana no contexto de competição com a China, criaram condições favoráveis de financiamento (incentivos) a este tipo de projectos, tanto mais quanto a IA entra, para os EUA, nos domínios da geoestratégia global, política, económica e tecnológica.

Na base desta lei, mais de uma dezena de locais encontram-se já identificados ao longo do país e vários modelos de SMR têm recebido ajudas significativas. A título de exemplo, o Departamento de Energia dos EUA atribuiu à TerraPower, uma empresa fundada em 2006 por Bill Gates, um subsídio de cerca de dois mil milhões de dólares para a construção de um reator “rápido de neutrões refrigerado a sódio” e um outro subsídio de 1,2 mil milhões à X-energy para o seu reactor “a alta temperatura, refrigerado a gás”, (ler in “La relance du nucléaire dans le monde, édition 2023”).

O apoio aos múltiplos projectos de pequenos reatores modulares (SMR/AMR) no programa IRA presta-se, sobretudo, a incentivar a inovação rápida.

Os SMR têm a vantagem de alimentar os Centros de Dados com energia limpa, emissões de CO2 a tender para zero e, assim, as empresas conseguem com esta opção de investimento cumprir também os seus compromissos no carbono. Desta forma, a IA que é muito mais intensiva em consumo de energia que outros usos digitais veria o problema resolvido com uma pegada de carbono muito reduzida.

Mas a Microsoft anda interessada em tecnologias avançadas de reatores de forma mais ampla e decidiu mesmo avançar para a fusão nuclear. Em Maio de 2023, anunciou a assinatura de um contrato com a Helion Energy (uma Startup da fusão nuclear) para a construção de um SMR com a capacidade de 50MW, a operar a partir de 2028.

A resultar, concretizar-se-á um sonho tão ambicionado por se tratar de um SMR de Fusão. O Programa IRA também aponta para SMR em 2028, mas ainda da nuclear clássica (fissão).

Face a alguma descrença acerca deste projecto, a Helion Energy afirma que se trata de uma “assinatura” para vingar e que já em 2024 vai dar provas da sua capacidade tecnológica de concretização. Sobre este contrato, há quem o apelide de anúncio louco da Microsoft e da Helión (ver SFEN, 13 Outubro 2023).

Para além dos elevados consumos de energia, a IA também é uma forte consumidora de água para manter os seus supercomputadores refrigerados. No seu relatório de sustentabilidade 2023 a Microsoft refere que está a gastar mais 30% de água que antes e “investiu milhares de milhões de dólares numa parceria com a OpenAI, criadora do ChatGPT, e agora está sendo forçada a alimentar e a resfriar as crescentes necessidades de energia de seu parceiro para treinar os modelos mais recentes da OpenAI”.

É bem notório do que se disse antes que, entre o Estado americano e as grandes tecnológicas, existe uma grande sintonia para se posicionarem na linha da frente em duas áreas tão importantes de futuro como a Energia Nuclear e a Inteligência Artificial. E é nessa base que a Lei de Redução da Inflação está a operar criando muitos problemas à União Europeia (UE), através do desvio de investimentos para o território americano e até a deslocalização de empresas sedeadas na União.

A UE tentou responder com o programa “Green Deal Industrial Plan”, the road to net.zero (há quem acrescente). De facto, há sempre um “mas”, e os impactos na reindustrialização europeia tendem para zero ou quase.

Os desentendimentos em áreas tão sensíveis como a Energia, em que é mais correcto falar-se de duas Uniões, pois a Aliança Nuclear europeia é uma realidade já maioritária, em termos de países aderentes no seio da UE, embora não reconhecida pela máquina burocrática que continua a emperrar a sua influência e a não referir a nuclear como energia de baixo carbono nos seus documentos.

Evidentemente, os EUA não estão sós, estão dinâmicos, inclusivamente avançaram recentemente com uma unidade de tratamento de urânio enriquecido para reactores nucleares inovadores (SFEN 13/10/2023), tendo fechado a sua última unidade tecnicamente obsoleta em 2013 e abasteciam-se na Rússia através da Rosatom.

E como os EUA não estão sós e esta é uma área sensível e de grande competição agora e no futuro a nível do Planeta vamos tentar trazer aqui o que se está a passar, nestas áreas, nomeadamente na China, principal concorrente.

Infelizmente, enquanto a China e os EUA estão a implantar “meios de circulação” que lhes permitem circular nestes domínios a alta velocidade, a Europa circula a baixa rotação. Com desentendimentos, desnorteamentos e sem metas concretas de longo prazo, a situação é paralisante e desanimadora. A União Europeia, assim, está a perder o comboio e não se encontra numa política energética a sério.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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