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segunda-feira, 16 de outubro de 2023

A energia nuclear a unir pontas


Por
Economista

Como a energia nuclear é um tema determinante e vai bem para além da UE e OCDE, seria positivo que estas duas organizações estabelecessem pontes com países fora deste círculo, como a China, a Índia e a Arábia Saudita.



1. A energia nuclear atravessou um período negro, designadamente após o acidente de Fukushima no Japão em 2011. Apesar de, segundo a Organização Mundial da Saúde, não ter provocado mortes de origem nuclear, não foi essa a imagem que passou para o Mundo, antes induziu receios e desconfiança muito fortes na opinião pública, fazendo vários países como a Alemanha e o Japão formatar planos de saída do nuclear.

2. Presentemente, verificam-se sinais consistentes de recuperação e apoio ao desenvolvimento desta energia, originando programas de investimento para o seu relançamento, em vários países, incluindo o próprio Japão.

Se as intenções de investimento divulgadas, nos últimos três/dois anos, pela Arábia Saudita, África do Sul, Emirados Árabes Unidos, China, Índia, Brasil, Japão, Canadá, Coreia do Sul, Polónia, EUA, França, etc., se concretizarem, de forma significativa, atingiremos, a prazo, um novo cenário geopolítico na energia nuclear, uma vez que até inícios do século XXI os países da OCDE concentravam cerca de 90% da produção.

Com estas intenções concretizadas, a OCDE perde posição significativa, com a Índia, ao lado da China, a deterem um peso substantivo, dadas as dimensões dos programas desenhados. Por exemplo, o programa da Índia a 15 anos aponta para uma multiplicação por 10 da produção instalada.

Novos parâmetros


3 Esta situação de apoio ao desenvolvimento da energia nuclear não está a surgir do nada. Novos vectores têm vindo a enriquecer esta indústria. Desde logo, os avanços na Ciência, oferecendo uma solidez de segurança às pessoas, reduzindo o sentimento de perigo, quer ao nível do funcionamento das centrais nucleares, quer no campo dos resíduos, quer no desmantelamento da unidade no fim de vida. Um afluxo de startups dinâmicas nos SMR (reactores de menor dimensão e bem mais flexíveis). Em certos países, tem sido posta em prática uma socialização competente da informação sobre os impactos positivos na economia e na sociedade. Finalmente, Entidades credíveis, como a Agência Internacional de Energia (AIE), têm promovido e posto em relevo, em fóruns diversos e na comunicação social, o papel crucial da energia nuclear no alcance das metas climáticas.

Sem a utilização da nuclear, tem várias vezes afirmado Fatih Birol, Director Executivo da AIE, as metas do acordo de Paris de 2015 sobre a neutralidade de carbono não serão atingidas até 2050.

A União Nuclear na UE


4. Esta dinâmica evolutiva e as discordâncias no seio da UE influenciaram a constituição, em Fevereiro, de uma União Nuclear Europeia, sob o impulso de França, que agrega, no presente, mais de metade dos países da União, a qual Portugal não integra. A União Nuclear é reconhecida/consentida (pelo menos informalmente) pela Comissão, uma vez que a Comissária Europeia da Energia tem participado em algumas das reuniões que se têm realizado por ocasião dos Conselhos Europeus de Energia. Na prática, existem “duas realidades” para a energia, dentro da União Europeia.

Na reunião de Maio, realizada em Paris, os 16 países reunidos apelaram à UE, na declaração final, para se empenhar na integração da Energia Nuclear na sua estratégia energética, apontando como objectivos: “assegurar a descarbonização, a segurança energética, a estabilidade da rede eléctrica, bem como promover melhores condições para o desenvolvimento e a implantação de novas capacidades nucleares na UE”. Também se avançou com uma estimativa que afirma que a UE pode aumentar a capacidade dos actuais 100 Gigawatts (GW) para 150 GW até 2050.

O Grupo antinuclear (renováveis) encontra-se em perda. Mas como dominou muito tempo a política energética da UE, através da Alemanha, essa perda rola lentamente, pois a sua influência continua muito forte no aparelho da União Europeia.

Os países pró-nucleares da OCDE


4. Novidade recente. Nos dias 28 e 29 de Setembro último, realizou-se uma reunião na sede da OCDE, em Paris. A Agência de Energia Nuclear (AEN/OCDE) e a Ministra da Transição Energética do governo de França, Agnès Pannier-Runacher, reuniram 20 ministros para trabalhar em torno de um “Roteiro para o Novo Nuclear”, tendo a ministra francesa na sua intervenção de abertura referido: “Esta é a primeira vez em 13 anos que os ministros da Energia se reúnem em formato OCDE para promover a energia nuclear”.

Também estiveram presentes cerca de 30 grandes empresas /grupos industriais de países da OCDE como a Westhinghouse (EUA), Mitshubishi (Japão), KHNP (Coreia do Sul), EDF (França)…

A OCDE tem 38 países membros. Bulgária, Canadá, Coreia do Sul, Eslováquia, Eslovênia, Estados Unidos, Estônia, Finlândia, França, Gana, Holanda, Hungria, Japão, Polônia, Reino Unido, República Checa, Roménia, Suécia, Turquia, Ucrânia foram os países participantes. A Itália esteve presente como observadora.

Os resultados principais do encontro dos 20 ministros e 30 empresários do sector da energia nuclear constam de um comunicado final distribuído à comunicação que destaca uma série de tópicos sobre os quais, diz-se, é preciso trabalhar em conjunto para superar os obstáculos existentes.

O principal obstáculo apontado nas discussões prende-se com o financiamento. E assim decidiram incentivar os bancos de desenvolvimento a explorar as oportunidades sobre a energia nuclear civil, referindo o comunicado final da reunião: “Encorajamos as instituições financeiras a classificar a energia nuclear, quando apropriado, com todas as outras fontes de energia de zero e baixa emissão nas taxonomias financeiras internacionais”.

Para além deste ponto fundamental, avança-se no comunicado com a necessidade de uma regulamentação comum no âmbito da OCDE para transporte, reciclagem ou gestão de resíduos. Além disso, a partilha dos esforços de I&D seria essencial para acelerar a implantação de SMR.

Esta reunião dos países pró-nucleares da OCDE acentuou a necessidade de trabalhar em conjunto para desenvolver a cadeia de abastecimento e as competências nucleares. Duas questões fundamentais, dado que, mesmo nos países nucleares, nenhum projeto nuclear foi realizado durante anos.

Trabalhos futuros


5. Os países signatários deste primeiro “Roteiro para o Novo Nuclear” apelam à AEN/OCDE “para coordenar com as partes interessadas nos nossos países para desenvolver e apoiar uma rede de líderes empresariais, funcionários governamentais, investigadores e especialistas”. O objetivo é desenvolver “soluções para ajudar os tomadores de decisão a maximizar todo o potencial da operação de reatores existentes, novos projetos de construção de reatores de potência e a implantação de SMR para geração de energia e aplicações industriais”.

Um relatório de progresso está a ser preparado pela AEN para uma segunda reunião a ter lugar em 2024, reconhecendo-se a urgência deste esforço para os trabalhos futuros.

Reconhece-se uma grande confluência de pontos comuns entre os países pró-nucleares da OCDE e a União Nuclear Europeia, o que não é de estranhar pois há muitos países comuns, os europeus.

6. Como a energia nuclear é um tema determinante e vai bem para além da UE e OCDE, seria positivo que estas duas organizações estabelecessem pontes com países fora deste círculo, como a China, a Índia, a Arábia Saudita, o Brasil, de peso mundial, para acordar e articular temas e programas de interesse mútuo. O Mundo beneficiaria muito com este unir de pontas, tanto mais na situação de grande instabilidade em que se encontra.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

Nota: vária desta informação (sobretudo as citações dos comunicados finais das reuniões) 

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