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terça-feira, 7 de maio de 2013

OS EXAMES QUE NUNCA DEVERIAM SER REALIZADOS


"(...) Permita que faça minhas as suas palavras e grandes verdades! Sou professora do 1º ciclo. Leciono uma turma de pequenos pensadores, grandes futuros sábios, que sempre incitei à reflexão, ao questionamento, à procura de respostas através da pesquisa autónoma. Através das perguntas dos meus Pestinhas, toda a turma aprendeu algo. Será que vão expressar nestes exames toda a aprendizagem significativa que foram abarcando no seu conhecimento? Não sei. E, se quer saber, não sei nem me interessa. Apenas me interessa o percurso de quatro anos recheado de momentos únicos e inesquecíveis! Acredito que, um dia, eles recordarão mais facilmente uma ou outra aula, um ou outro momento vivido nas quatro paredes da sala 9 ou na horta pedagógica ou nas brincadeiras do recreio, do que recordarão estas últimas aulas CHATAS, MONÓTONAS, bombardeadas de modelos de provas de exame! Bem haja pela partilha de seus pensamentos!" Rosa Santos


No dia 1 de Maio publiquei, no DN-Madeira, a minha opinião sobre os exames de 1º ciclo que, hoje, se iniciam. Exames que constituem um retrocesso de 40 anos na política educativa. Dirão algumas pessoas, pois, por eles passei e não me fizeram mal algum. Esquecem-se, porém, que aquela população que alguns outros dizem ser a mais bem preparada que alguma vez Portugal teve, não passou pelo crivo dos exames, mas da avaliação continua. O problema, portanto, não está no regresso ao passado, mas na correcção do do que a experiência foi ditando, nos planos da organização geral do sistema que implica, naturalmente, a reorganização do pensamento organizacional das escolas, a autonomia das mesmas, os currículos e os  programas. Fixar-se no exame como a mezinha que ditará rigor e, sobretudo, conhecimento é de uma atroz fragilidade conceptual. Aliás, depois de dois anos de governo e de meses sentado no "Plano Inclinado" da SIC, o actual ministro da Educação tem provado pouco saber de Educação. Pode ser, e acredito que o seja, um excelente conhecedor da Matemática, mas de política educativa, eu diria que o que demonstrou não chega sequer para ir à oral! Muito fraco, extremamente fraco. O Professor Sérgio Niza que ainda recentemente esteve na Madeira, disse à Página da Educação, edição de Outono de 2012, que "o ministério da Educação é de uma ignorância que faz medo". Concordo, totalmente, não apenas pelo essencial daquela declaração, mas sobretudo quando se cruzam as preocupações do ministro com tantos investigadores e professores que, para além da formação inicial, revelam a experiência acumulada da sua prática pedagógica. 

O Doutor Nuno Crato é um atrevido em matéria de política educativa. Para além do erro grosseiro que constituem estes exames de 1º ciclo, junta-se um outro, o problema financeiro. Nuno Crato deveria explicar ao povo português quanto custa ao Estado estes exames? Até agentes de polícia estão mobilizados para a entrega, escola a escola, em todo o país, momentos antes dos exames, os sobrescritos que contêm os mesmos. As provas só podem ser "vigiadas" por professores que não sejam do 1.º ciclo, o que obrigará à deslocação de cerca de 100 mil alunos. É a paranóia total, consequência da ignorância total! E nós pagamos isto, em nome de quê?


Ao que então escrevi, vários professores e anónimos comentaram o texto e concederam-me a alegria de que não estou só nesta luta. Há muitos professores a pensarem o mesmo, há muitos professores, com toda a certeza, centenas que aguardam o dia de poderem ser verdadeiramente professores. Por enquanto, vão desempenhando o melhor que podem e de acordo com um sistema hierarquizado e vertical. Não podem ir muito longe, isto é, não podem aplicar nem o que aprenderam, nem o produto de uma atitude reflexiva, tampouco o que vão complementando através do estudo permanente. Sentem-se espartilhados e ameaçados. 
Deixo aqui algumas importantes passagens dos vários comentadores ao meu artigo de opinião:
Luís Gonçalves - (...) temos de realçar o verdadeiro objectivo do ministério: AVALIAR PROFESSORES! Esta é a verdadeira obsessão de "Crato e Companhia"! Todos os meios são válidos para avaliar os docentes, nem que para isso seja necessário enfiar os alunos nos "tubos de ensaio". Já agora, aproveito para uma 1ª avaliação da logística montada em torno das provas, numa escala de 0 a 20, nota 5. A falta de planeamento, de rigor e de clarividência é tão óbvia que mais parece estar a ser feita por amadores! Onde está a legitimidade e o exemplo para avaliar os outros?
Apertaocinto - (...) isto mais não parece do que um regresso ao passado, a um passado "Huxleyiano" onde "O seu admirável mundo novo" ganhava forma. Aquilo que então este mestre da escrita previa, acontece agora em Portugal, trazido pelos nossos iluminados governantes, querendo criar elites - os alunos que aguentam a pressão e esforço exigidos sem nexo nestes exames - e os escravos sociais que, por via de terem tido más notas no 1º ciclo já começam a ser rotulados como menos capazes, menos preparados e, portanto condenados aos baixos salários - outra forma de promover a escravatura. Enfim, aguentemos, pais e alunos tamanha falta de visão e preparação daqueles que deviam ser os primeiros a lutar contra este tipo de catalogação social que obscuramente se vai implementando através da escola.
Helena Camacho - (...) Infelizmente estes senhores que "mandam" da educação desconhecem o verdadeiro significado da palavra avaliar. Avalia‑se para se conhecer e só conhecendo o que o aluno sabe ou não sabe é que é possível realizar intervenções pedagógicas apropriadas, que tendam a gerar melhorias nas suas aprendizagens. Estes senhores só não dizem o que vão fazer com os resultados dos exames!
Isto está mau - (...) Como é possível que estes "indivíduos" continuem a olhar só para os seus umbigos e não ouçam, não vejam, não sintam o que se está a passar com a educação em Portugal. Que caminhos estamos a percorrer? As regras inscritas na Norma 02/2013 do Júri Nacional de Exames (JNE) parecem-me até inconstitucionais. (...) Como é possível que as notas tenham que ser publicadas antes do fim das aulas, antes do período de avaliação? 
Rosa Santos - (...) Permita que faça minhas as suas palavras e grandes verdades! Sou professora do 1º ciclo. Lecciono uma turma de pequenos pensadores, grandes futuros sábios, que sempre incitei à reflexão, ao questionamento, à procura de respostas através da pesquisa autónoma. Através das perguntas dos meus Pestinhas, toda a turma aprendeu algo. Será que vão expressar nestes exames toda a aprendizagem significativa que foram abarcando no seu conhecimento? Não sei. E, se quer saber, não sei nem me interessa. Apenas me interessa o percurso de quatro anos recheado de momentos únicos e inesquecíveis! Acredito que, um dia, eles recordarão mais facilmente uma ou outra aula, um ou outro momento vivido nas quatro paredes da sala 9 ou na horta pedagógica ou nas brincadeiras do recreio, do que recordarão estas últimas aulas CHATAS, MONÓTONAS, bombardeadas de modelos de provas de exame! Bem haja pela partilha de seus pensamentos! 
Paulo Jorge - (...) Pois é Rosita, infelizmente não és professora na escola do meu Rafa, porque não me parece que fosse esse o método de ensino utilizado com ele e, por isso, acho eu, a escola na grande parte do tempo é para ele uma grande "chachada". Se as pessoas (encarregados de educação) também não andassem na sua grande maioria obcecadas e a competir como se fossem delas os exames, eu estaria na linha da frente para que o meu filho não comparecesse nos dias 7 e 10 de Maio.
Paulo Serra - (...) Caros colegas a razão de tudo isto está bem camuflada, resume-se a atirar com "carradas" de alunos para o ensino profissionalizante, cortando-lhe desta forma a possibilidade de sonhar. É um facto e poupa dinheiro para ser esbanjado em áreas que melhor sirvam os interesses políticos. Não desanimem..."
Muito agradado, deixei também um comentário final:
A todos quantos aqui têm deixado contributos para a reflexão digo-vos que, apesar do desalento, vale a pena prosseguir, embora saibamos quão difícil é romper com a ausência de visão de futuro que os decisores políticos apresentam. O Professor Sérgio Niza assumiu, aqui, no DIÁRIO, que a Escola actual "não serve... é do tempo dos nossos avós". Na verdade, as bases conceptuais desta Escola são concordantes com a estrutura da Sociedade Industrial. E nós vivemos num outro tempo. Tive um Professor, em 1969, numa aula de Psicopedagogia, sobre a estrutura da Escola de então, disse à turma: "como pode uma escola sempre igual competir com a vida que é sempre diferente. O desencontro é inevitável". Já lá vão 44 anos e o problema continua a ser o mesmo: confrontamo-nos com a Escola dos nossos avós a competir numa sociedade da informação e da comunicação. Desde os aspectos arquitectónicos dos edifícios, ao número de alunos por escola e por turma, até à questão curricular e programática tudo tem de ser posto em causa.
A quem decide falta utopia, na expressão de E. Galeano: "a utopia está no horizonte. Dou dez passos e ele afasta-se dez passos; dou 100 passos e ele afasta-se 100 passos. Para que serve, então, a utopia? Exactamente para isso... para caminhar". Mas para caminhar em um sentido, na definição de um horizonte e na constante reformulação da ambição. Salienta a Doutora Fátima Vieira, investigadora especializada em estudos sobre a utopia: "na utopia o que fazemos? Primeiro, definimos a visão: que sociedade quero ter? que escola quero ter? o que quero ser?... Depois de definirmos essa visão, então sim, escolhemos o caminho e tapamos os buracos. Não vale a pena tapar buracos de outros caminhos". O drama é que quem decide não tem visão (não sabe que sociedade quer construir) e não escolhe um caminho (que escola quer ter), prefere andar para trás, para o tempos dos nossos avós... tapando os buracos de outros caminhos. Mas vale a pena, pelas nossas crianças, ser subversivo. Paul Ricour diz que a utopia é sempre subversiva contra o discurso ideológico dominante. A ideologia legitima, a utopia subverte. Então, por ela, vale a pena ser subversivo, mesmo quando o discurso oficial dominante nos bloqueia e sufoca. Mesmo quando despedem professores, quando nos roubam o sonho, quando desejam a precariedade, mesmo quando nos obriguem a trabalhar mais e não MELHOR. Um abraço a todos.
Finalmente, um lamento: o que anda a fazer o Secretário Regional da Educação? Qual a sua posição sobre esta matéria? Concorda? Discorda? Qual o seu posicionamento sobre a Autonomia da Região vs políticas do ministério? É do tipo "Maria vai com as outras"? E se é, que razões justificam a existência de uma Secretaria Regional?
Ilustração: Google Imagens.

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