Falta, na expressão de Rubem Alves, uma "erecção da inteligência" a todos os níveis! Querem, à força, como se fosse possível, meter “o mundo embrionário de amanhã nos cubículos convencionais de ontem”, avisou A. Toffler há quase 30 anos! “Velhas maneiras de pensar, velhas fórmulas, (…) por muito queridos ou úteis que tenham sido no passado, já não se coadunam com os factos”. Falta-lhes, por isso, uma “erecção da inteligência” e, porque lhes falta, conduzem o sistema educativo, agarrados a um passado de rotinas. Ideologicamente, acreditam. Pelo que vou pesquisando de investigadores e pensadores livres, expurgando o que me parece menos sustentável, os exames nacionais do 1º ciclo, marcados para os dias 7 e 10 de Maio, testemunham a ignorância de quem decide e de quem os aceita. Ora, o ensino básico visa isso mesmo, o alicerce, o lastro consistente sobre o qual deverão ser edificados os pilares do “conhecimento poderoso”, conceito de Michael Young e que se refere “ao que o conhecimento pode fornecer e operar mais tarde”. Quanto mais frágil o alicerce, piores os resultados futuros, porque o alicerce dos exames não suporta os pilares onde assentarão os andares superiores.
Até no plano da economia o assunto está estudado. James Heckman, Nobel no ano 2000, estudou o que significa no futuro cada euro investido nas idades mais jovens. É, por isso, que a mais notável e insubstituível acção do professor do primeiro ciclo é a de ensinar a ver, reforça o pedagogo Rubem Alves. Daí que, nessa etapa da descoberta deverão prevalecer as perguntas das crianças e não as respostas que os adultos entendem que ela deve dar nos exames. Mas esse inesgotável mundo dos porquês, sublinho, implica, obviamente, um novo sentido organizacional do sistema e da escola e uma clara diferenciação pedagógica que parta em direcção à qualidade e ao sucesso, por oposição ao actual quadro de insucesso e abandono. O Professor João Formosinho é claro: “é importante que haja ilhas de diferença no sistema educativo” o que supõe a existência, também, de uma real autonomia pedagógica nas escolas e não de uma mitigada. Adiante.
Um recente texto do Professor José Pacheco (A Página da Educação) traz à colação a conceituada revista Science que dedica um estudo sob título: "A Educação não é uma corrida". Deborah Stipek, docente da Faculdade de Educação da Universidade de Stanford, trabalhou o seu estudo ao longo de 35 anos. A autora denuncia o facto de os jovens serem treinados para obterem bons desempenhos em testes e afirma que é aberrante uma educação centrada em resultados mensuráveis e em rankings. E acrescenta que a preparação para exames sufoca a formação de uma personalidade madura e equilibrada. A investigadora sublinha o facto de o sistema de exames produzir especialistas em provas, prejudicando vidas que poderiam ser promissoras. "O sistema actual baseado no desempenho em testes, pode prejudicar muito a formação de grandes pensadores. Esta forma de ensino promove um verdadeiro extermínio de grandes mentes. A maneira como a educação é organizada na actualidade faz com que potenciais vencedores do Prémio Nobel sejam perdidos mesmo antes da educação básica, já que o modelo de ensino massacra qualquer outro interesse que não seja o cobrado nos exames”. Concordo.
Dei-me, entretanto, à maçada de ler as 95 páginas, os três capítulos, os 63 itens, afora dezenas de alíneas e anexos da Norma 02/2013 do Júri Nacional de Exames (JNE). Uma paranoia que o Estado Novo não levou tão longe. Deduzo que esta gente não sabe o que anda a fazer. Só lendo! O texto, que engloba o 1º ciclo, resulta de uma abstrusa e retrógrada concepção do que deveria ser uma avaliação de base contínua. Trata-se do melhor caminho para o insucesso e abandono, não o da descoberta e o da formação com rigor científico, de qualidade e excelência. Tenho aqui, à minha frente, um texto da Drª Isabel Baptista, da Universidade Católica Portuguesa. Leio: “(…) A Escola é vida com tempo para pensar a vida, lugar de muitos encontros e de muitos começos. Lugar para aprender a sentir o mundo num despertar de fomes novas que nenhum visível sacia. Lugar onde nos preocupamos, e ocupamos, com os outros. É com este lugar de aprendizagem, de humanismo e de cultura, que nos identificamos e a partir do qual faz sentido estabelecer plataformas de confiança e de compromisso com outros actores”. De “humanismo e cultura”. Exacto, como resume o Professor Sérgio Niza "(…) a escola não pode ser uma caixa fechada fora do mundo. Muito menos uma caixa fechada fora da cultura (...) "é preciso pôr a cultura nas mãos das crianças" e isso não passa por exames.
Saberão, o ministro e o secretário regional, o que isto significa? A eles, sim, submetia-os a um rigoroso exame multidimensional, com todas as normas do JNE, para percebermos o que leram e o que sabem, se os exames se destinam a avaliar as crianças ou os professores, mas também para percebermos o que fazem, a montante do sistema, relativamente às assimetrias e dramas sociais e culturais.
NOTA:
Opinião da minha autoria publicada na edição de ontem do Diário de Notícias.
Ilustração: Google Imagens.
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