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segunda-feira, 6 de junho de 2016

UM POLÍTICO COM MENTALIDADE DO SÉCULO XIX A GERIR O SISTEMA EDUCATIVO E A EDUCAÇÃO DO SÉCULO XXI


O trabalho jornalístico que apresenta várias declarações do secretário da Educação da Madeira, publicada na edição de hoje do DN-Madeira, traduz, inequivocamente, o essencial da realidade do sector. Para mim que acompanho a educação, em geral, e o sistema educativo, em particular, como sói dizer-se, foi a cereja em cima do bolo, já que caracteriza a desastrosa, porque desadequada, mentalidade política que há anos se arrasta. Parabéns à jornalista Paula Henriques, porque trouxe à tona um político com mentalidade do Século XIX a gerir o sistema educativo do Século XXI. As declarações políticas do secretário não se enquadram nas generalidades, mas nas banalidades que, até, a espaços, entram em contradição. Fala de perdas na natalidade e de turmas, por extensão, de fusão, encerramento de escolas e de repercussões directas no sistema de ensino e na necessidade de professores, traduz a jornalista o pensamento do secretário, como se essa fosse a questão central. Não é e, globalmente, nunca foi, até porque, embora de forma ainda que ténue, exprimem os dados estatísticos, a taxa tem vindo a mostrar algum crescimento. Independentemente desse aspecto, cuja inversão é absolutamente natural que se verifique, o fulcro do problema é outro, é de conhecimento, de organização do sistema e de entendimento, em contraponto com a rotineira mentalidade que incapacita perceber que este formato organizacional, curricular e sobretudo pedagógico foi chão que deu uvas.


Se, do ponto de vista curricular, enquanto a Autonomia não é levada a sério, é possível que os estabelecimentos de ensino procedam a meros ajustamentos, já no que concerne à estrutura organizacional e pedagógica trata-se de iniciar um processo de rompimento com a mentalidade vigente. Ficaria satisfeito e entusiasmado se o político tivesse anunciado que iria levantar o dito da cadeira, para realizar uma série de visitas a países de que tanto se fala, mas com os quais pouco temos aprendido na implementação genérica do pensamento. Ficaria também entusiasmado se tivesse anunciado uma relação preferencial com a Universidade da Madeira, cujo Departamento de Ciências da Educação tem trabalho produzido. Abrindo a sua página no sítio da internet leio: "Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo. (Paulo Freire)". O que isto significa!
Mas não, continua a conversa de treta, com o fatalismo da baixa natalidade, classificando-a como um "drama" para o sector público, ao mesmo tempo que assume que o Orçamento da Região subsidia 54 estabelecimentos privados, obviamente, muitos de cunho empresarial, que corresponde a um total de mais de 25 milhões de Euros. Ora, constituindo preocupação primeira de um governo o cumprimento do dever constitucional, no sentido da implementação da escola pública, universal e democrática, existindo, como já diversas vezes o secretário afirmou, um parque escolar de excelência, como pode o político argumentar com a baixa taxa da natalidade e mais, ainda, com esta pérola, "menos de quinze alunos (por turma) já é uma ineficiência". Pois é, agora ficou mais claro, trata-se de uma visão basicamente economicista e não de planeamento educativo (a eficiência visa aplicar os recursos para convertê-los em resultados com ganhos económicos) como se a educação, todo o processo de aprendizagem e os ganhos futuros na economia, pudessem assentar em uma lógica industrial. Há políticos que ainda não perceberam que constitui um erro trazer para o sistema educativo a imagem, por exemplo, de uma fábrica de "enchimento de chouriços". E é isso que, genérica e qual metáfora, acontece. A cada 50 minutos enchem-se vinte o mais chouriços (por turma), servindo os alunos de pele onde se colocam os conteúdos.
Mais à frente assume: "Não há volta a dar". Contrario. Existe e são muitas as experiências no sentido de um sistema que funcione com rigor, com qualidade, com inclusão, com eficácia (planeando correctamente, prosseguindo a missão e os objectivos), com democracia, com liberdade e com autonomia gestionária e administrativa. Então, sublinha o político, como "não há volta a dar", refugia-se na palavra "reorganizar", no pressuposto que essa reorganização (turmas e encerramento de estabelecimentos) é importante do ponto de vista pedagógico. Pedagógico? - questiono. Saberá o secretário o que está a dizer? Então a questão pedagógica, enquanto princípio estratégico de transmissão do conhecimento resume-se às médias do número de alunos por turma, ao jeito da história de duas pessoas em que uma come duas galinhas, mas a média é de uma para cada um? 
É tempo do governo começar a falar de  coisas sérias e mais profundas. Há anos que se fala da espuma e não do que a provoca. Vender fumo já deu para enganar no plano eleitoral. Até como refúgio da incompetência política. Daí que se tornem necessárias abordagens que rompam com o passado, que fujam aos "acertos" marginais deixando o âmago por resolver, quer a montante quer a jusante. Estas duas páginas do DN tiveram, indiscutivelmente, o mérito de dizer que ninguém pode esperar inovação, inteligência e sentido prospectivo de uma instituição que anda, politicamente, aos papéis!
Ilustração: Google Imagens.

3 comentários:

Jota disse...

Sr. professor, se puder, indique-me onde refere a Constituição a sua "Escola Pública"...
É que você é tão taxativo ao referir o dever constitucional de criar uma escola pública universal que até quase faz crer que é isso que lá está escrito...

André Escórcio disse...

Obrigado pelo seu comentário.
É o que se infere do Artigo 74ª, nº 2, alínea b) da Constituição.

Jota disse...

"infere...". Pois. É como dá jeito...
A Constituição não refere uma única vez a Escola pública:
"Todos têm direito..." (todos mesmo)
"Incumbe ao Estado assegurar..." (e não promover)
Taxativamente, Escola Pública é conceito inexistente na Constituição. Mas a ligeireza em que se fala da Escola Pública, "defendida pela Constituição" é dramática pois o resultado são milhares no desemprego e outros milhares despojados da escola escolhida.