Tomámos a iniciativa de dirigir uma Carta Aberta ao Senhor Presidente da República, que nos honrará com a sua visita nos dias 1 e 2 de Julho. Pretendemos informá-lo da situação de descontentamento de largos sectores da sociedade madeirense quanto à intervenção desastrosa nas ribeiras da cidade apelando para que, nos termos dos seus poderes constitucionais, possa contribuir para preservar os valores culturais e patrimoniais ameaçados. Apelamos à PARTILHA e divulgação desta Carta que foi ontem remetida, para a Presidência da República, por via informática e pelo serviço CTT expresso. Esperamos, e estamos certos, que o Senhor Presidente a terá em devida atenção.
"Senhor Presidente da República Portuguesa
Excelência
Julgando interpretar os sentimentos democráticos e as tensões que vêm sendo manifestados por largos sectores da sociedade madeirense contra obras em curso nas ribeiras do Funchal, vimos por esta carta-aberta apelar ao Senhor Presidente da República para que na visita que fará nos próximos dias 1 e 2 de Julho a esta Região Autónoma, o que muito nos honra, seja porta-voz das nossas preocupações diligenciando, nos termos dos seus poderes constitucionais, no sentido de que as autoridades regionais revejam vários aspectos daquele projecto, que está a destruir valores patrimoniais e culturais que precisam de ser salvaguardados, porque constituem elementos vivificadores da nossa identidade, regional e nacional.
A 20 de Fevereiro de 2010 a cidade do Funchal foi, como já acontecera várias vezes ao longo da História, fustigada por uma aluvião que causou 43 mortos e 8 desaparecidos, bem como danos emocionais - ainda sentidos, e materiais - ainda não totalmente resolvidos. Um grande movimento de solidariedade nacional, que mereceu também o apoio de V. Exa, ajudou a limpar as lágrimas e a unir esforços e vontades para a reconstrução.
Agora, passados seis anos, iniciou-se, nos troços urbanos das ribeiras do Funchal, por enquanto só nas de Santa Luzia e de São João, uma vasta operação com apoio da Lei de Meios e financiamento da União Europeia num valor estimado de 25 milhões de euros, com base um projecto de 2011 que ninguém conhecia, nem para o qual a sociedade civil foi consultada.
A pouco e pouco, e porque as máquinas não mentem, a cidade começa a interrogar-se ao assistir à destruição irreversível das seculares muralhas de pedra vulcânica mandadas construir pelo Brigadeiro Engenheiro Reinaldo Oudinot para a defesa da cidade na sequência da trágica aluvião de 1803, e a conhecer a sentença que manda demolir seis pontes em arco de pedra natural da região, construídas no último quartel do século XIX. Uma, ainda mais antiga, a do Cidrão, já tinha sido desnecessariamente ‘sacrificada’ em Novembro de 2014.
Esta é uma obra que ignora o Lugar, a História e o Legado de um povo. Tudo isto, que é para nós um desastre patrimonial, é apresentado em nome da segurança, argumento que contestamos vivamente com base na experiência, em trabalhos e em estudos técnicos e científicos muito rigorosos. De resto, a imprescindível segurança da cidade não obriga a este modelo de intervenção que não constitui a chave para a segurança do Funchal. A segurança está, quanto a nós e como referia sabiamente Reinaldo Oudinot, “lá em cima” onde a aluvião (fluxo extremamente rápido de massas de materiais hiperconcentrados e saturados em água) “se alimenta e engorda”, nas cabeceiras, na erosão hídrica, na falta de ordenamento florestal, nos poios degradados, nos aterros, na falta de cuidado com que se continua a olhar para as nossas serras. Pouco foi feito, não há uma estratégia e é preciso inverter os modelos.
Tudo pode ser recuperado: as muralhas não precisam de ser embrulhadas numa cortina de betão armado e as pontes podem continuar com os seus arcos de cantaria e alvenaria ainda por muitos anos, com alguns trabalhos de reabilitação e restauro. Se o tempo e o protocolo o permitirem, uma visita, mesmo rápida, especialmente à ribeira de Santa Luzia permitirá, estamos certos, constatar o objecto das preocupações dos madeirenses.
A cidade do Funchal, reconhecida como a primeira cidade feita pelos europeus fora da Europa, fundou-se e cresceu tendo como matriz as linhas de água, hoje ribeiras canalizadas, que impuseram uma malha e uma paisagem urbanas muito próprias. Aquelas muralhas e aquelas pedras são as nossas fortalezas e as pontes, os nossos símbolos. Elas cuidaram da cidade durante 212 anos e não é legítimo acusá-las de responsáveis pela falta de segurança, quando várias gerações olharam para elas como guardiães, enquanto outros, no tempo, as desprezaram. Não podemos apagar estas memórias, temos a responsabilidade histórica de evitar que isso aconteça.
O Funchal é uma cidade atlântica única. E é também uma expressão dos portugueses no mundo. O nosso património é de todos.
Senhor Presidente,
Esta cidade precisa de Vossa Excelência que sempre foi um cidadão atento à defesa do património e da cultura, um amigo do povo insular da Região Autónoma da Madeira, um homem de afectos, que é o que a nossa cidade mais precisa nesta altura quando, julgamos nós, uma parte da nossa identidade está ameaçada.
Renovamos o nosso apelo para que a cidade possa ainda ser ouvida e o bom senso prevaleça.
Cordiais saudações democráticas e o desejo de uma boa estadia.
Atentamente,
Funchal, 22 de Junho de 2016
Danilo Matos – CC 01161954 6 ZZ6
- Engenheiro civil, antigo director do Departamento de Planeamento Estratégico da Câmara Municipal do Funchal
João Baptista - CC 08432184 9 ZZ0
- Engenheiro geólogo, doutor em geociências, investigador integrado do GEOBIOTEC, Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Universidade de Aveiro
Paulo Freitas – BI 11339596
- Arquitecto designer, doutorando em Design – Espaço Público-Baixa da cidade do Funchal, Investigador Centro de Estudos Locais e Regionais, Universidade da Madeira
Raimundo Quintal - CC 04571058 9 ZY4
- Geógrafo, investigador Centro de Estudos Geográficos do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, Universidade de Lisboa"
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