"A diferenciação resolve-se através da organização pedagógica da escola e não do currículo". Exatamente o que há anos venho a defender, que o paradigma organizacional da escola tem de ser mudado em todos os seus componentes, isto é, podem operar mudanças curriculares, mas se a escola continuar, organizacionalmente, igual à escola com uma matriz do século XIX, de nada valerão tais mudanças. Complementa o Professor: "as reformas curriculares pressupõem uma alteração da organização pedagógica" (...) "uma visão de conjunto das aprendizagens" (...) "um trabalho de equipa que funcione". Não se trata, pois, de mais hora menos hora nesta ou naquela disciplina, "mas nas respostas ao que deve ser aprendido. Isto implica uma organização pedagógica de escola muito diferente".
Professor Doutor João Formosinho |
Acabo de ler uma entrevista com o Professor João Formosinho, Professor Catedrático da Universidade do Minho. Doutorou-se em Educação (Política Educativa) e fez Agregação no grupo disciplinar de Currículo e Estudos Sócioeducativos da Criança. O Professor é, em minha opinião, uma autoridade em matéria de política educativa, gestão escolar, organização pedagógica e curricular, formação de professores e, mais recentemente, em educação de infância. Li, também, um artigo do meu Amigo Professor Doutor Domingos Fernandes, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Ambos abordam as questões relacionadas com a designada revisão da estrutura curricular que o atual ministro, Nuno Crato, quer implementar no sistema educativo nacional. Neste particular, quer a opinião do Professor Domingos Fernandes, quer as respostas à entrevista de António Baldaia da Revista A Página da Educação, tiveram o condão de escorrerem-me na garganta como mel, simplesmente porque foram ao encontro das minhas convicções. Há uma diferença entre quem é investigador e quem segue os assuntos da Educação. Eles são investigadores, eu, apenas, um cidadão interessado nestes assuntos. Ora, de tais leituras, concluo, que o ministro dá todas as indicações que está desfasado da realidade e que toma "a nuvem por Juno", isto é, para ele, basta definir umas "metas e uns standarts, estabelecendo resultados esperados", apoiados através de exames, e aí teremos uma avaliação da qualidade da educação, salienta o Professor Domingos Fernandes. Esta racionalidade "que está subjacente nesta dita revisão da estrutura curricular baseia-se na crença de que nas ciências sociais somos capazes de descobrir as regularidades do mundo social e, por isso, encontraremos o caminho, a solução, talvez mesmo a luz (!) que nos salve dos males da educação. Consequentemente, pensa-se, temos capacidade para descobrir o "sistema que funciona".
Volto umas páginas atrás, regresso ao Professor João Formosinho e leio: "a diferenciação resolve-se através da organização pedagógica da escola e não do currículo". Exatamente o que há anos venho a defender, que o paradigma organizacional da escola tem de ser mudado em todos os seus componentes, isto é, podemos operar mudanças curriculares, mas se a escola continuar, organizacionalmente, igual à escola cuja matriz essencial vem século XIX, de nada valerão tais mudanças. Complementa o Professor: "as reformas curriculares pressupõem uma alteração da organização pedagógica" (...) "uma visão de conjunto das aprendizagens" (...) "um trabalho de equipa que funcione". Não se trata, pois, de mais hora menos hora nesta ou naquela disciplina, "mas nas respostas ao que deve ser aprendido. Isto implica uma organização pedagógica de escola muito diferente". Implica uma organização de ESCOLA completamente diferente!
Ora, não se faz luz sobre esta questão porque "a gramática da Escola, que vem desde meados do século XIX tem servido para marcar zonas de luz e de sombra", salienta o Professor, que adianta: "as alterações curriculares são sempre baseadas em abstrações, para o aluno médio, a escola média, a turma média, o professor médio. O importante é que a Escola se organize para todos e para cada um, o que implica a questão da diferenciação pedagógica".
Professor Doutor Domingos Fernandes |
Complementarmente, termino com a reflexão do Professor Domingos Fernandes: "limitar a vida nas escolas é entender que o currículo "é para se dizer" não é para se inventar e reinventar, não é para se pensar, não é para se questionar, não é para aprender a fruir as artes e o belo, ou para compreender as chagas sociais que ainda persistem no mundo em que vivemos" (...) na racionalidade da falada revisão não há lugar para estas fantasias potempo será pouco para preparar os alunos para responderem bem às perguntas dos exames". Ora, aqui está o equívoco do Ministro Crato que não compreende que devem existir "ilhas de diferença no sistema educativo.
Ilustração: Google Imagens.
2 comentários:
Senhor Professor,
Do baixio da minha ignorância, discordo em absoluto da sua opinião e da do Professor Formosinho: na vida real, na vida das empresas, na vida deste mundo,em que os trabalhadores têm de ganhar o seu sustento do dia-a-dia,não há lugar a esse "tique" diferenciador dos "atores" da esquerda política: "ilhas de diferença no sistema educativo". Não, NÃO, Senhor Professor, a vida é ruim, é injusta e é intraquila mas é a vida que os homens construiram: todos somos avaliados por uma mesma bitola no mundo do trabalho: ou valemos ou não valemos - para que o sistema capitalista continue a ganhar dinheiro. O resto são divagações daqueles que, como o Senhor Professor, ou como eu, quando divago o meu espirito na missa dominical,gostariam que o MUNDO se encontrasse organizado ao contrário.
Saudações Pascais
Obrigado pelo seu comentário, digo melhor, pela excelência do seu comentário, enquanto contributo para a reflexão.
Sabe, exerci funções docentes durante muitos anos. Até à minha aposentação, só durante oito anos não exerci a docência, embora, na Legislatura de 1996/2000 tivesse tido a oportunidade de lecionar na Universidade da Madeira. Quero eu dizer que, na verdade, só durante quatro anos não estive ligado à prática, quer no ensino secundário quer no superior. Posso então dizer que a Educação sempre foi a minha área de interesse. Mas não dei apenas aulas: fui Diretor de Turma, membro do Conselho Pedagógico e Orientador Pedagógico. Conheço, portanto, o sistema.
Por outro lado, sempre fui um docente que me avalio de grande exigência, de rigor e apreciador da disciplina e dos resultados. Nunca gostei da, permita-me, "bandalheira".
O problema está, Caríssimo, em saber como lá chegar, como atingir a excelência. É aqui que se encontra o busílis da questão, quando o quadro que temos pela frente, como sublinhou, "é ruim, é injusto e é intraquilo mas é a vida que os homens construiram: todos somos avaliados por uma mesma bitola no mundo do trabalho: ou valemos ou não valemos - para que o sistema capitalista continue a ganhar dinheiro. O resto são divagações (...)". Mais, quando temos uma sociedade desestruturada, com limitações económicas e sociais. Quando, segundo o INE (últimos Censos), 58.000 não têm instrução. Que razões têm levado ao insucesso e ao abandono em idade escolar?
Estes dados é que deveriam, entre muitos outros, preocupar quem governa e não apenas a revisão curricular.
Esta poderia ser pretexto para uma longa conversa. Apenas termino dizendo-lhe que, em 1969, um meu professor de psicopedagogia, muito avançado no tempo, disse numa aula: "como pode uma escola sempre igual competir com a vida que é sempre diferente? O desencontro é inevitável". É isto que está em jogo.
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