O exercício de comunicação ontem deixado pela Deputada Vânia de Jesus inscreve-se, perdoar-me-á a forma como o caracterizo, nesse paleio que toma uma ou outra árvore pela floresta que, entendo eu, ser de desencanto do sistema educativo regional. Dirão, alguns, que se tratou de matéria política, que ela, pertencente a uma maioria política, não pode vir ali desancar no governo, que tem obrigações de solidariedade, pois, isso é verdade, mas nesse caso, continua o tal professor com razão, o melhor é estar calado. E se assim me posiciono é porque sinto que, à medida que faço esse esforço de leitura e acompanhamento dos textos dos pensadores do sector educativo, mais crescem as minhas insuficiências e interrogações. É natural que assim aconteça, o que não significa que a Senhora Deputada, como vulgarmente se diz, tenha de estar à espera da última moda para fazer um fato novo. Por aí nunca o fará, certamente. O que quero dizer é que a intervenção política, em um determinado momento, exige conhecimento e, sobretudo, profundidade na mensagem que não pode se esgotar numa certa cantilena do tipo timex, isto é, que não adianta nem atrasa.
A Senhora Deputada Vânia de Jesus (PSD-M) fez, na manhã de ontem, uma intervenção sobre política educativa na Madeira. Ao longo da extensa comunicação lembrei-me de um professor que um dia, na minha faculdade, no decorrer de uma aula, assumiu que ali, nas suas aulas, todos tinham razão, todavia, teriam de justificá-la cientificamente. Quis o Professor dizer que teríamos, primeiro, de fazer um esforço de estudo e de compreensão dos temas para os podermos discutir. De resto, através de paleio, de blá, blá e de redacções de trazer por casa melhor seria não abrirmos a boca. Pensei eu, no mínimo, não entrava mosca! Essa posição acompanhou-me sempre e sempre tive receio de abordagens superficiais. Quando não se faz um esforço de estudo, na verdade, é melhor estar calado, porque a impreparação e a leviandade, tal como azeite, acaba por vir ao de cima.
O exercício de comunicação ontem deixado pela Deputada Vânia de Jesus inscreve-se, perdoar-me-á a forma como o caracterizo, nesse paleio sem substância, porque não acrescenta, não reflecte e porque toma a árvore pela floresta. E a floresta hoje é de desencanto pelo sistema educativo regional. Dirão, alguns, que se tratou de matéria política, que a Deputada, pertencente a uma maioria política, não podia vir ali desancar no governo, que a Deputada tem obrigações de solidariedade, senão... pois, isso é verdade, mas nesse caso, continua o tal professor com razão, o melhor é estar calado. E se assim me posiciono é porque sinto que, à medida que faço esse esforço de leitura e acompanhamento dos textos dos pensadores do sector educativo, mais crescem as minhas insuficiências e interrogações. É natural que assim aconteça, o que não significa que a Senhora Deputada, como vulgarmente se diz, tenha de estar à espera da última moda para fazer um fato novo. Por aí nunca o fará, certamente. Deve falar, mas com alguma substância, de tal forma que fique alguma coisa! O que quero dizer é que a intervenção política, em um determinado momento, exige conhecimento e, sobretudo, profundidade na mensagem que não pode se esgotar numa certa cantilena do tipo timex, isto é, que não adianta nem atrasa. Explicito, apenas com dois exemplos, politicamente, muito comezinhos: primeiro, a questão da gratuitidade no acesso ao sistema educativo. Em síntese, disse que as famílias que maior disponibilidade financeira dispõem devem pagar para que outros possam ver garantido o acesso e, provavelmente, o sucesso. Questiono: a Deputada, porventura, pensou no que disse? Interrogou-se sobre o problema da dupla tributação? Interrogou-se sobre a justiça fiscal que é feita em sede de IRS, isto é, quem ganha mais desconta mais e que a contrária também é verdadeira? E que a partir daí o acesso deve ser igual? Que não faz sentido pagar duas vezes e que a segunda já equivale a uma penalização e não a um imposto compreensível? Interrogou-se sobre a gratuitidade do sistema em outros países que acabaram com o analfabetismo há mais de um século?; segundo, o tal pioneirismo da Escola a Tempo Inteiro (ETI). Conhecerá a Deputada o que pensam sobre esta opção, os professores, os psicólogos, os psiquiatras, os investigadores em matéria de desenvolvimento da criança? Deixo, aqui, algumas reflexões:
Professor Doutor Santana Castilho, da Escola Superior de Educação de Santarém, investigador: as Escolas a Tempo Inteiro são uma “aberração pedagógica e social que nacionalizou crianças e legitimou a escravização dos pais”.
Dr. Eduardo Sá, Psicólogo Clínico: "As crianças estão em vias de extinção (...) cada vez mais as crianças estão a passar por um conjunto de situações que não são muito razoáveis (...) Cada vez mais as crianças não são crianças. As crianças têm hoje uma relação com o brincar que é cada vez mais uma relação de fim-de-semana e brincar é uma actividade muito séria para que seja feita apenas ao fim de semana. Passam cada vez mais horas na escola, o que não é adequado... aquilo que me preocupa é que mais escola, sobretudo como ela está a ser vivida, signifique menos infância e quanto menos infância, mais nos arriscamos a construir pessoas magoadas com a vida. Quanto mais longa e mais rica for a infância mais saudável será a adultez (...) os pais estão muito enganados ao pensarem que mais escola significa mais educação (...) neste momento a infância começa a ser perigosamente a escola e, de repente, há toda uma vertente tecnocrática como se o que estivesse em primeiro lugar fosse toda a formação e depois viver a vida. Isto é um absurdo".
Dr. Daniel Sampaio, psiquiatra e estudioso das questões educativas: “(…) não estaremos a remediar à pressa um mal-estar civilizacional, pedindo aos professores (mais uma vez) que substituam a família? Se os pais têm maus horários, não deveriam reivindicar melhores condições de trabalho, que passassem, por exemplo, pelo encurtamento da hora de almoço, de modo a poderem chegar mais cedo, a tempo de estar com os filhos? Não deveria ser esse um projecto de luta das associações de pais? (…) Gostaria, pois, que os pais se unissem para reivindicar mais tempo junto dos filhos depois do seu nascimento, que fizessem pressão nas autarquias para a organização de uma rede eficiente de transportes escolares, ou que sensibilizassem o mundo empresarial para horários com a necessária rentabilidade, mas mais compatíveis com a educação dos filhos e com a vida em família".
Doutor Paulo Guinote: "(...) Por isso, a Escola a Tempo Inteiro é apenas algo que se destina a apaziguar as “famílias” que, cada vez mais, são obrigadas a trabalhar em condições mais precárias e vulneráveis. Que não podem faltar, sob pena de perda do posto de trabalho no final do contrato. Que são obrigadas a cumprir horários incompatíveis com uma vida familiar harmoniosas. Numa altura em que, cada vez mais, as famílias são menos do que nucleares. A Escola a Tempo Inteiro é um óptimo contributo para todos os empresários e empregadores que defendem a desregulação - pelo abuso - do horário de trabalho dos seus empregados. Se é isso que vai desenvolver o país? Abrindo mais umas dezenas de centros comerciais para as “famílias” tentarem desaguar as frustrações ao fim de semana? Quem defende as “famílias” deveria defender, em coerência com os seus princípios, que o Estado protegesse a vida das ditas “famílias” a partir da melhoria das suas condições de vida. A defesa da Escola a Tempo Inteiro é a admissão de um fracasso, de uma derrota e não o seu contrário (...)".
Frei Fernando Ventura: “(…) estamos a pagar facturas altíssimas (…) estamos a criar gerações de “monstros”. Estamos a criar gerações de jovens sem memória. Estamos a criar gerações de pessoas sem história. E quando a memória e a história não se encontram, nós temos os cataclismos sociais. As nossas crianças desde os três meses estão nos berçários, nos infantários, porque têm de estar porque os pais precisam, desesperadamente, de ter dois e três empregos para sobreviverem (…) a história dos novos e dos velhos não se encontra, as crianças não têm voz, as crianças não têm sequer pais, porque têm de trabalhar “25 horas por dia” se for preciso. (…) É esta estrutura por dentro que precisa de mudar (…)”.
Deixei aqui cinco declarações sobre as ETI. Terá a Deputada se questionado antes da abordagem que fez, sublinho, com uma espantosa convicção, ao ponto de dizer que "temos as melhores respostas"? Não temos, Senhora Deputada. Temos sim uma boa resposta para um problema errado! Desta forma, com as ETI estão a crescer as famílias a meio tempo, em contraponto à Escola a Tempo Inteiro! Então, questionará, como solucionar o problema? Respondo-lhe: com uma nova organização social. E sobre isso, onde muito há a dizer, apenas lhe digo que a Região, pela dimensão do seu território e número de habitantes, poderia ser um exemplo nacional e europeu. Poderia, mas não é.
Não vou aqui tecer considerações sobre outros aspectos da intervenção política. Cada vez estou mais distante do paleio político de circunstância, claramente para entreter, paleio em que a maioria política na Assembleia há muito se especializou. Até porque sempre defendi que com a política educativa ninguém deve brincar. A Educação é de discussão política e não de debate partidário. É um assunto demasiado sério e apesar de o ser, infelizmente, o que noto é que continuam a brincar. E por brincarem é que chegámos a 2011 com 85.000 habitantes apenas com segundo ciclo do básico e quase 17.000 analfabetos. O INE "revelou que embora na última década tenha diminuído em todas as regiões do país a população com 15 anos ou mais sem qualquer nível de escolaridade, a Madeira apresentou o segundo valor mais elevado (13%), acima da média nacional (10%). A Região também apresentou a segunda maior proporção do país de jovens que abandonou o ensino apenas com o 9º ano de escolaridade: 27% (22% no total do país) - DN-Madeira. Senhora Deputada, são dados muito preocupantes que deveriam aconselhar a não utilização da demagogia fácil, do elogio sem sentido e das ladainhas de louvor a um sistema que está moribundo e que sobrevive graças ao engenho dos professores.
Ilustração: Google Imagens.
2 comentários:
M.BOM.
Acertadíssimo (menos a parte:"(...) o sistema sobrevive graças ao engenho dos professores.")!
Sinceramente, temos encontrado tão maus professores que pensamos serem estes a floresta.
Cumps.
V.D´A.
Muito obrigado pelo seu comentário.
Caríssimo,
Tal como em todas as profissões, existem os mais e os menos aplicados.
E se existem os menos bons é porque a organização escolar assim permite. Uma escola tal como a entendo, muito dificilmente teria maus professores. Estes, obviamente que teriam de escolher outro caminho que não o da docência.
Mas compreendo-o, se compreendo!
Uma vez mais obrigado, porque são reflexões como a sua que me levam a manter, pacientemente, as minhas próprias reflexões.
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