Um dia, em véspera de eleições, meados dos anos oitenta, olhou-me e disse-me: isto só vai para a frente quando você desaparecer do mapa... e vai desaparecer! Foi na Jaime Moniz, ao princípio da noite, junto à piscina. Nada o fazia prever face à serenidade do momento, mas a arrogância e aquele instinto de quero, posso e mando, de político absoluto que convive mal com outras verdades ditas e escritas, levou-o a dizer o disparate. Disse e retirou-se rapidamente com o seu séquito, quando respondi à letra com palavras muito azedas. A sessão que estava a orientar terminou naquele momento. Jamais esqueci. A verdade é que eu não desapareci da política, saí de cena pelos meus pés, não estou na Assembleia Legislativa Regional porque não quero e porque entendo que tudo tem o seu tempo. Cedi o meu lugar. E estou bem assim, simplesmente porque há um tempo para estar e um tempo para fazer outras coisas. Não deixo é de, todos os dias, escrever o que me vai na alma. Quem me disse que eu sairia de cena, esse, sairá pela porta muito pequenina, escorraçado pelos seus pares, ao ponto de assumir que não se entende com essa gente ingrata. Pois é, quando não se sabe viver o tempo do seu tempo, a probabilidade é sempre maior de ser sacudido. Trinta e seis anos de chefia é muito tempo. E o tempo é sempre um grande mestre! Há gente na força da idade que nunca experimentou a alternância política, no fundo, a democracia, enfim, outras caras e outros pensamentos relativamente à construção de uma sociedade equilibrada e feliz. Viveram no "reino" do poder absoluto, do controlo de tudo, da subjugação e da bajulação que conduziu ao medo de ter opinião e de saber dizer NÃO, quando tal se justifica.
Salazar, o segundo da esquerda para a direita. |
O exercício da política tem de ser realizado com o sentimento de um serviço público à comunidade e não como um emprego para a vida. Quando alguém se mantém 36 anos no poder (fora outros nas margens do poder) é que fez da política uma opção de vida e um emprego. Há vários casos de políticos que se eternizaram na cadeira. Em 2012, o historiador Fernando Rosas escreveu, no livro "Salazar e o poder - a arte de saber durar", vejam lá, exactamente, sobre os 36 anos ininterruptos de Oliveira Salazar, sublinhando que esses 36 anos corresponderam, "só ao período de Oliveira Salazar como chefe de Governo", como a "ditadura do presidente do Conselho". Não sei se se trata de bater um qualquer recorde, mas se essa foi a intenção, infelizmente conseguiu! Fernando Rosas escreveu que Salazar exerceu o poder através de uma "violência preventiva". Obviamente, que sendo outros os tempos, o recorde não foi batido através da "vigilância policial dos comportamentos quotidianos", pela PSP e a GNR, pelas "agências estatais de enquadramento e inculcação ideológica", nomeadamente a Mocidade Portuguesa, a FNAT - Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho e a Junta Central das Casas do Povo, entre outras. Não foi por aí, porque a Constituição da República não lhe permitiria, mas, de uma forma mais "raffiné", através de outros e poderosos controlos, a verdade é que deixou uma grande parte da população com a sensação de um homem providencial. Lamento.
Ilustração: Google Imagens.
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