Olho para este livro como o roteiro da dívida que nos esmaga. Este manancial de sabedoria económica, factual, sem margem para questionamentos naquilo que é essencial, deverá assumir um carácter pedagógico. A Herança, que eu diria do cofre vazio, constitui o primeiro contraponto ao caminho que nunca deveria ter sido seguido. É, por isso, que considero um livro pedagógico. Um livro que desperta e ensina. Ao mesmo tempo que é uma ponta do lado oculto do jardinismo. Sendo certo que existem outras pontas que só a História revelará! Eu diria que esta é a obra mais importante pós-Autonomia, porque convida a reflectir em nome do futuro. É uma falácia sustentar a defesa da dívida no pressuposto que teríamos de aproveitar os fundos europeus disponíveis. É uma meia verdade, pior que a mentira. Porque essa meia verdade redundou em desemprego, pobreza, falência dos sistemas e insatisfação generalizada. Temos o dobro de instituições de solidariedade social relativamente ao número de freguesias. E por algum motivo, pouco claro, assistiu-se, durante anos a uma luta contra a instalação do Banco Alimentar contra a Fome.
À medida que fui devorando páginas cheias de interesse, uma pergunta, traduzida em três simples palavras, acompanhou-me a todo o momento: como foi possível?
Como foi possível passar, sem qualquer crítica, sem qualquer reparo das instituições reguladoras e fiscalizadoras, inclusive, políticas, tamanhos atropelos relativamente ao equilíbrio das contas públicas? Como foi possível, tantos, durante três dezenas de anos, manterem um silêncio cúmplice? Como foi possível esconder facturação e só quando a região ficou, permitam-me a expressão, com a corda no pescoço, as diversas instituições terem acordado para finanças claramente insustentáveis? Como foi possível? Há responsáveis, muitos responsáveis e a vários níveis, pelos passos superiores à perna que, no plano político, alguns deram e que estão a custar uma dupla e tripla austeridade, se considerarmos o Porto Santo.
Eu tive a possibilidade de seguir, a partir de 2007, na Assembleia Legislativa, os estudos do autor deste livro. Lembro-me, quando por ele feitas as contas, me ter dito que a dívida era superior a seis mil milhões. E lembro-me de lhe ter salientado, em nome da credibilidade política: cuidado Carlos, acha que isso é mesmo assim? Respondeu-me, com números. Mais tarde, muito mais tarde, foi o ex-ministro Vítor Gaspar que veio confirmar o desastre financeiro.
No decorrer do processo, que foi longo, lembro-me, também, de uma comissão de inquérito, no decorrer da qual o ex-secretário Ventura Garcês não só ter omitido a realidade como mentido aos elementos da comissão. Nada lhe aconteceu. A comissão, essa, acabou por ditar os números politicamente convenientes e não os preocupantes números da verdade.
Foto DN/Madeira |
E pergunto, uma vez mais, como foi possível, inclusive, que o processo “Cuba Livre”, cuja designação é de mau gosto, saliento, não tenha apontado reparos e culpados? Como foi possível que o Tribunal de Contas, sucessivamente, tivesse ficado pelos normais reparos técnicos? Muito estranhos e obscuros são estes caminhos do bast-fond da política.
Todos foram enganados. Os eleitores acreditaram naquilo que era inacreditável, quando bastaria ter os olhos semi-abertos. Que algum dia viria a ser descoberta a realidade por ausência de sustentabilidade económica, financeira, social e cultural. Ele, o rosto desta capa, dizia-se Keynesiano, acérrimo defensor da obra pública, daí o slogan, ”pr’a frente, sempre”, como todos estão recordados. Mas como o Carlos Pereira um dia salientou na Assembleia, o problema do rosto desta capa é que se esqueceu ou confundiu que John Keynes era economista, não era empreiteiro. A obra da dívida está aí. Explicada, ao cêntimo, por Carlos Pereira. Não acredito que essa gigantesca dívida venha a ser paga. E esta obra, este livro, constitui o primeiro contraponto ao caminho que nunca deveria ter sido seguido. Esta obra do economista Carlos Pereira é uma ponta do lado oculto do jardinismo. Eu diria que se trata da obra mais importante pós-Autonomia, porque convida-nos a reflectir em nome do futuro.
Podemos falar de políticas sectoriais, de melhor educação, melhor saúde, melhores apoios sociais, melhor agricultura, melhor pesca, mas se faltar o dinheiro, nada feito. Como diz um amigo que muito prezo, há muitos túneis feitos, inclusive na cabeça das pessoas. Perguntar-se-á, então, para que serve este livro? Servirá para duas coisas: primeiro, para julgar procedimentos políticos, simplesmente porque na participação pública, é esta a minha convicção, os políticos devem ser julgados não apenas nas urnas. Se alguém tivesse feito nas suas vidas privadas o que este livro narra, obviamente que estaria preso. O dinheiro público, o dinheiro dos nossos impostos, é sagrado. Em segundo lugar, servirá para destruir o mito: nós ou o caos. Há muita gente de valor na Madeira, gente com pensamento, gente com bom senso, com equilíbrio, rigor e que deve sair do anonimato no sentido de uma participação em prol do bem-estar de todos. Sem receios, sem o medo de ser visado.
O Dr. Carlos Pereira tem a razão do seu lado. Foi ofendido, enxovalhado, ridicularizado, verbalmente agredido na Assembleia e em declarações à Comunicação Social, no que de mais miserável e reles podem imaginar, mas o tempo, grande mestre, veio dar-lhe razão.
Amigo Carlos, parabéns por este estudo, pacientemente elaborado e fundamentado. Mais do que um acto político, este livro constitui uma demonstração da mais pura cidadania participativa. Em nome da Autonomia perdida, todos, população em geral, políticos, economistas, juristas, professores, médicos, arquitectos, engenheiros, todos, deveriam ler este livro. Há livros de natureza política que vale a pena regressar com o pensamento situado na realidade vivida e que nos consome todos os dias. Da minha parte vou voltar a ler este importante documento, porque estas linhas estão cheias de sumo, não só pelo que dizem mas por aquilo que não dizem e que, por isso mesmo, nos transporta a outros patamares da coisa pública. Vou voltar a ler o livro porque com ele aprendi e por quero transmitir aos meus netos a história de um processo que, infelizmente, vão ter de pagar.
3 comentários:
Aonde comprar?!
Boa noite, Sr Professor.
Onde posso adquirir ou encomendar o livro ?
Obrigado
Boa tarde.
Pode adquirir nas livrarias ou no site:
http://www.novadelphi.com/portugal/livros/detail/10/flypage/184/41?sef=hcfpm
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