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sábado, 19 de dezembro de 2015

ESTÁVAMOS HABITUADOS A MUITO MELHOR


É em ambiente cerimonioso, solene e compenetrado que, de cinco em cinco anos, a 9 de Março, o Presidente da República eleito se compromete, perante a Assembleia da República, e logo perante o País, cumprindo o art.º 127.º da CRP, – “Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa” -, a respeitar a democracia, o pluralismo, a diferença, – as diferenças -, a liberdade, o Estado de Direito, os portugueses. É, nesse gesto, também de reconhecimento por ter sido objecto da escolha maioritária dos cidadãos, que o, a partir desse momento, mais alto magistrado da nação, chama a si a responsabilidade de garantir que os seus concidadãos sejam tratados com dignidade, justiça, equidade, respeito.


Em quarenta e um anos de democracia, tivemos, já, quatro presidentes da república eleitos: Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva, sendo que, este último, de acordo com a Constituição, e por se ter esgotado o período de duração do mandato respectivo, será, em breve, substituído por vontade soberana dos eleitores portugueses.
Ramalho Eanes, eleito pela primeira vez no ano em que começou a vigorar a Constituição da República Portuguesa da democracia, teve, de imediato, essa incumbência, tomar-lhe o pulso, experimentá-la, garanti-la, pô-la ao serviço da democracia, da liberdade, de Portugal, dos portugueses. Cumpriu.
Mário Soares, eleito dez anos depois, teve a responsabilidade de, com a Constituição, consolidar a democracia, prestigia-la em Portugal e no estrangeiro, colocar o nosso País como parte no concerto das nações, torna-la normal nas nossas vidas, garantir a harmonia do regime e a prossecução dos seus objectivos. Cumpriu.
Jorge Sampaio, eleito em 1996, assumiu a pesada tarefa de preparar o País para os desafios de um novo século, – e tantos eram, e são, como diariamente nos vamos dando conta -, e, com inteligência, sageza e a determinação resultante das suas profundas convicções de homem livre, conduziu os processos que viabilizaram as transformações ocorridas em ambiente de saudável participação cívica e de grande estímulo ao nosso viver colectivo. Cumpriu.
Ano em cima de ano, fomo-nos habituando e consolidando a ideia, desde 1976 até 2006, de que, mau grado a dialética normal entre os diferentes intervenientes que o pluralismo democrático acolhe como indispensável, mesmo quando mais exacerbada, havia em Belém, na presidência da república, quem, nos momentos mais agudos, ou mais extremados, ou de ruptura adivinhável, tivesse a mestria, o engenho, a lucidez, a experiência e a capacidade bastantes para tudo resolver na base do diálogo, do compromisso, do bom senso. Estávamos habituados a muito melhor; e vivíamos pacatamente o facto de não termos de nos apoquentar com isso.
Olhando para o que, para a vida de todos nós, foram os últimos dez anos de cavaquismo, e de como esses anos se reflectiram no nosso quotidiano, da intranquilidade que provocaram, da incerteza em que fomos induzidos, – já não bastava o governo da pior direita que governou em Portugal depois da ditadura -, da frustração em que nos vimos encafuados, podemos afirmar, sem exagerar, e até com alguma surpresa, que nunca nos tínhamos apercebido da importância de ter um Presidente da República que o fosse verdadeiramente e do significado real de expressões que entraram no nosso falar da coisa pública no dia-a-dia como, por exemplo, a de que o nosso regime político, nos termos da Constituição, é semipresidencial, – o Presidente da República tem as competências necessárias e suficientes relativamente aos outros órgãos de soberania -, querendo com isto significar estar assegurado o necessário equilíbrio de poderes para potenciar o “normal funcionamento das instituições”.
Dificilmente encontraremos uma razão de aplauso para estes dois mandatos de Cavaco mas, há sempre um mas, afigura-se-me, até pelos risíveis índices de popularidade que lhe são atribuídos pelos estudos de opinião, que, pelo menos, terá constituído exemplo, – um mau exemplo -, e involuntariamente, mentor de uma acção profiláctica que pode contribuir, se não mesmo ser decisiva, para que uma repetição do infortúnio não ocorra.
A 24 de Janeiro, há eleições presidenciais. Com os exemplos que temos, parece-me ser fundamental que nos não alheemos delas, que lhes atribuamos a importância dos grandes momentos, das grandes decisões, das grandes mudanças.
O próximo presidente da república não poderá ser o resultado da omissão, da negligência, do desinteresse, do alheamento. O próximo presidente da república, para o bem de todos nós, tem de ser alguém que se situe num indiscutível patamar de fiabilidade e credibilidade que traga, do seu trajecto de vida, uma sólida cultura humanista, política, democrática e de liberdade, e ter qualidades de carácter e de personalidade que deem a garantia de que é para Portugal e para os portugueses que importa estar lá, a decidir, a ser coerente, a ser corajoso, a ser capaz.
É. O nosso País precisa de um presidente capaz. Capaz de ser grande de alma, de gestos, de atitude. Capaz de ser generoso, trabalhador, sensato. Capaz de intermediar sem sectarismos. Capaz da independência e do diálogo. Capaz de nos orgulhar. Capaz do futuro. Capaz de Portugal.
Portugal merece melhor.
Portugal precisa de melhor.
NOTA
Artigo publicado, ontem, no Funchal Notícias.

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