O estribilho, de pura inspiração pessoana, percorre caminhos de outrora, povoa ritmos e canções, desvenda segredos e prazeres de outras eras em que a felicidade, de tão inteira e plena, nem dávamos por ela.
Foi este o sabor e foi este o cheiro que neste fim de tarde, no vetusto Solar do Ribeirinho, tomaram conta daqueles que seguiram o roteiro biblio-fotográfico de Machico nos alvores da Primavera de Abril. Aí desfilaram memórias, escaladas ascendentes e mergulhos empolgantes, uns gloriosos outros sofridos, numa atmosfera livre e saudável, colada ao corpo das pessoas e à beleza do vale. Para quem como eu e muitos que ali estavam, maior foi esse perfume a felicidade, porque juntos fôramos sonho criativo e, ao mesmo tempo, pá, enxada e picareta – arquitectos e artífices braçais do que então foi feito.
Pela mão do Dr. Bernardo Martins, também ele construtor do feito, percorremos o historial do denominado “Centro de Informação Popular”, nascido logo no coração de Abril de 1974. Antes de certas “élites” madeirenses se organizarem em movimentos sócio-culturais ou políticos, já em Machico, o chamado “Povo Unido” (uma nomenclatura genuinamente local e mais tarde tomada por outras formações estranhas ao concelho) descobriu que tinha de estruturar-se colectivamente para alcançar o seu lugar ao sol, esse merecido sol que durante cinco séculos tinha sido negado a pais e avós.
Não vou aqui inventariar o espólio – valiosíssimo, para quem tem olhos de ver – que nos mostra o salão de exposições do Solar. Apenas respirar de saudade e de íntima fruição de um mundo em que “éramos felizes e não sabíamos”. O alinhamento lógico e cronológico dos acontecimentos é feito num estilo sóbrio e claro, como convém aos parâmetros da ciência histórica, não fosse este o resultado da Tese de Mestrado apresentada pelo Dr. Bernardo Martins na Universidade da Madeira.
Bem poderia substituir a expressão “éramos felizes” por estoutra – “o que nós fomos capazes” de construir, as iniciativas concretizadas, perspectivas pioneiras que, sem outros meios que não fossem o ânimo da juventude e o desejo de um Machico Novo. Fomos visionários de tantos projectos que, mais tarde, os poderes e as finanças públicas vieram a dar mais amplo cumprimento.
Sucintamente: a abertura de um Jardim de Infância nas instalações do Forte de São João Baptista sobranceiro ao cais de Machico: a abolição do leonino regime de colonia que escravizou gerações e gerações de camponeses; o semanário “O Caseiro”, a expensas da população; a luta dos engenhos de cana-de-açúcar por uma justa retribuição; idem na Fábrica de Conservas de Machico: idem na Fábrica Baleeira do Caniçal; idem quanto ao trabalho das bordadeiras da Madeira; o apoio ao alojamento dos refugiados-retornados das ex-colónias portuguesas; a estratégia popular para barrar o caminho aos bombistas da Flama separatista; a conquista do poder municipal; a resistência a uma Igreja diocesana, ostensivamente aliada do fascismo salazarista e do “neo-fascismo” regional.
Olhando daqui - quarenta e dois anos volvidos – comovo-me e congratulo-me por redescobrir que o Machico de então, sem dinheiro e sem armas, foi a locomotiva que, por intuição e acção, transportou os sonhos do futuro.
Bem fizeram a Assembleia Municipal, a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia de Machico em colocar a presente iniciativa no frontispício das comemorações do Dia do Concelho, 9 de Outubro de 2016.
03.Out.16
Martins Júnior
NOTA
Texto publicado no blogue Senso &Consenso da responsabilidade do Padre Martins Júnior.
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