João Abel de Freitas,
21 Dezembro 2020
Estamos perante um verdadeiro oligopólio, que esmaga o mercado com um domínio das três operadoras próximo dos 100%, que assim reúne todas as condições de pressão sobre o Regulador e o Governo.
1. As entidades de Regulação da Economia de um país só podem desempenhar uma acção eficaz e determinante nas actividades sob a sua tutela, se ancoradas num Estado forte com cultura sedimentada de regulação e uma definição precisa do seu papel no processo de desenvolvimento económico. Para isso, o Estado tem de ter uma estratégia e uma arquitectura organizativa funcional composta de um conjunto articulado e calibrado de leis, normas e organismos operacionais, entre eles as Agências de Regulação, com as atribuições legais devidas.
2. Portugal não é um bom exemplo. Não possui tradição na regulação da economia, não é um país tipicamente liberal, nem um país de grande intervenção na economia e quando tenta, não a assume, na prática, com a devida energia e saber. Exemplo recente, o caso TAP. O Governo reverteu a maioria do capital para o Estado mas deixou a gestão nas mãos de privados, ficando sem poder real de intervenção na empresa. E sucederam episódios, contra todo o bom senso, por exemplo, o escândalo da atribuição de “prémios de gestão” a colaboradores numa situação de aperto financeiro da empresa. Isto o que se soube publicamente. Dos outros de fundo, a nível da gestão, apenas se conhecem os péssimos resultados.
E, de facto, o País não tem um passado de cultura da regulação. Bem pelo contrário. Viveu 40 anos de Estado Novo numa cultura de determinismo, onde tudo na economia era decidido pelo poder executivo, o poder legislativo e o poder judicial meros apêndices de serviço ao regime e, um funcionamento perfeito no apoio privilegiado à meia dúzia dos grandes grupos monopolistas que, a seu belo prazer, dominavam a economia portuguesa. Uma cultura de regulação não tinha aqui espaço.
O modelo das agências reguladoras introduzido na economia portuguesa nas décadas de 80/90 do século passado, através da União Europeia, aparece então como uma “enxertia”, à partida de pouco sucesso, criando-se antes, pela falta de cultura de regulação, um ambiente propício ao aparecimento de tendências camufladas de captura das entidades reguladoras pelos interesses instalados, entendidos estes em sentido amplo, abrangendo quer os privados quer os dos governos, embora dos estatutos destas entidades conste a independência como o sacrossanto princípio de base da sua actuação.
O leilão do 5G
3. Está aberto concurso para o leilão das redes do 5G.
Cabe à Autoridade Nacional de Comunicações – Anacom a incumbência de regular as Telecomunicações e, nesse contexto, orientar todo o processo do 5G.
O ramo económico das Telecomunicações em Portugal é constituído no essencial por três grandes empresas: a Nos, a Meo/Altice e a Vodafone.
A imagem destas empresas junto do público (consumidores) é um pouco negra. Uma grande insatisfação pelos serviços prestados, que se traduzem em mau atendimento, avarias de rede, cortes, insuficiente sinal, impossibilidade de mudar de operadora no período de fidelização mesmo que o serviço fique pendurado durante horas/dias, para não falar da carestia relativa dos preços elevados, em que “cada vez se paga mais por menos”.
Números que sustentam esta indisposição do cliente face às três operadoras
Entre Janeiro e Junho de 2020 foram registadas 57,8 mil reclamações contra estas três empresas. Um aumento de 35% face ao período homólogo anterior.
Sobre os preços o que refiro resulta de um estudo recente da REWHEEL – empresa de consultoria finlandesa, independente, que entre os seus objectivos, compara preços internacionais praticados nas empresas de Telecomunicações. De um leque de 48 países escolhidos para base de comparação, onde se incluíam todos os da União Europeia, no 2º semestre de 2020, vigorava em Portugal o preço mediano mais elevado a nível da U.E por gigabyte da oferta móvel e o 3º mais alto entre os 48 países analisados. E acrescenta ainda, Portugal é o 6º país da U.E e o 8º entre os 48 em que 30 euros compravam menos tráfego de internet móvel.
Penso que não são necessários mais elementos para sustentar esta opinião pouco risonha da situação de “caos” que reina nas Telecomunicações em Portugal.
Uma realidade a merecer reflexão e empenhamento profundos de todas as partes intervenientes no sentido de uma normalização equilibrada, mais não seja por estarmos perante uma actividade fundamental na transição digital, uma aposta de futuro numa nova sociedade e de desenvolvimento económico a nível nacional e comunitário.
4. O leilão para a atribuição de frequências das redes do 5G a decorrer e que se espera definido durante Janeiro tem gerado uma azeda polémica entre a Anacom e as três operadoras – Nos, Altice/Meo e Vodafone.
A principal razão da polémica centra-se na intenção do Regulador contemplar a atracção de novos operadores ao leilão do 5G, sendo nesta sua decisão secundada pela AdC- Autoridade da Concorrência.
Registou-se uma oposição em bloco das Três Operadoras a esta ideia consagrada no regulamento do leilão do 5G, entretanto já publicado. As pressões têm sido muitas, incluindo a ameaça de não se apresentarem a concurso, o que não se concretizou, bem como vários processos judiciais contra a Anacom.
Pelo que li na comunicação social, os argumentos da Entidade Reguladora em contemplar novos entrantes têm por base o reconhecimento da existência de um défice de concorrência no mercado das comunicações em Portugal que prejudica os consumidores portugueses, fazendo-os pagar acima da média europeia. Por tudo quanto se referiu antes, estas afirmações da Entidade Reguladora são irrefutáveis.
Estamos perante um verdadeiro oligopólio, que esmaga o mercado com um domínio das três operadoras próximo dos 100%, reunindo assim todas as condições de pressão sobre o Regulador e o Governo.
Do outro lado, precisa-se então de uma Entidade Reguladora que não seja “pressionável” embora aberta a ouvir todos os interesses, como afirmou em Novembro João Cadete de Matos, presidente do Conselho de Administração da Anacom, a propósito da polémica sobre o regulamento do leilão do 5G.
Alguns membros do poder executivo actual têm mostrado incertezas sobre o regulamento. A este propósito, cita-se o ministro Siza Vieira em declarações ao Parlamento (11-12-2020): “não é positivo que um leilão esteja rodeado de tanta controvérsia. Mas o Governo não tem competência para intervir nesta matéria”.
Em Portugal, raramente um Regulador é tão contestado pelas empresas reguladas. Quando acontece significa que algo está a “bulir”, o que à partida não se apresenta como mau na perspectiva do consumidor, porque se infere que se anda à procura de maior equilíbrio de interesses operadoras-consumidores.
Há então que aproveitar o leilão das redes do 5G para proceder a uma melhor restruturação do ramo das telecomunicações, potenciando a promoção da concorrência de forma a se obter melhor qualidade dos serviços e de preço ao cliente e do investimento adequado e necessário ao seu desenvolvimento.
Pensamos ainda que, apesar dos litígios excessivos havidos, vai forjar-se um novo quadro conciliatório de interesses, num patamar mais avançado e da maior utilidade às telecomunicações nacionais e aos consumidores.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.
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