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domingo, 3 de junho de 2012

SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO É UM ERRO POLÍTICO DE CASTING


Um governo que se mostra mais interessado na eleição seguinte do que na geração seguinte, só pode deixar o futuro muito comprometido. Ora, o governo regional pensou a educação apenas na perspectiva dos edifícios, da construção civil, que deu de comer a muitos, mas não esboçou uma única ideia sobre uma Escola (com E maiúsculo) para o tempo do nosso tempo. Conceptualmente a Escola continua com os traços genéricos da Sociedade Industrial. Precisamos de uma Escola de menos “folclore” e de melhores resultados. Uma Escola capaz de ser reinventora da sociedade, isto é, uma Escola de “conhecimento poderoso” na esteira do pensamento de Michael Young, capaz de colocar-se à frente da sociedade, puxando por ela e não apenas assumindo uma resposta aos problemas criados pela ineficiência e ineficácia políticas.

O Semanário TRIBUNA DA MADEIRA, na sua última edição, integra duas páginas sobre a Educação na região Autónoma da Madeira. Num trabalho do jornalista Ricardo Soares fui questionado sobre quatro relevantes questões. Do nosso diálogo surgiram as seguintes respostas.
A sociedade madeirense vive hoje confrontada com um cenário onde não faltam referências a encerramento de escolas, desemprego de professores e falta de condições financeiras nos estabelecimentos de ensino. Para onde caminha a Educação na Madeira? 
Tudo o que se está a passar era previsível. Aliás, constam de variadíssimos documentos e projectos apresentados na Assembleia e, no âmbito sindical, sobretudo pelo Sindicato de Professores da Madeira. O sistema educativo tem sido administrado e gerido sem objectivos, isto é, de alto a baixo, tem funcionado como uma loja que abre às 08:00 e encerra às 19:00. Que produto está a “vender” pouco ou nada tem interessado. Obrigatoriamente, os “clientes” têm de lá ir (alunos) e os empregados (professores e outros) não podem faltar. O que lá se faz, que seja consequente e portador de futuro, tem tido pouca relevância, obviamente, salvo raras excepções. O sistema está hierarquizado, como convém ao poder, a autonomia dos estabelecimentos apenas está no papel, o poder sempre confundiu a escolarização com a educação, o acesso com o sucesso, e a prova disso é que, segundo o INE, nos últimos censos, foram apuradas 58.000 pessoas sem instrução. Por outro lado, apenas como um indicador, se olharmos para os resultados das provas de exame do 9º e 12º ano, facilmente verifica-se a posição dos nossos jovens. Se olharmos também para as mais altas taxas nacionais de abandono e de insucesso logo se perceberá que este governo regional não tem perdão. Eu considero que esta situação foi intencional e, portanto, politicamente criminosa. É do senso comum que uma população com fragilidades no campo da educação é mais vulnerável, manobrável e menos livre. E isto interessou, claramente, ao poder político. Só que, agora, são visíveis e sensíveis as consequências da ausência de formação, sobretudo profissional, onde a palavra qualidade signifique esperança num futuro melhor. Uns safam-se, a maioria continuará a entrar no círculo vicioso da pobreza. 
O sector está a sofrer as consequências de erros cometidos no passado?
Quando não se sabe onde se está e para onde se quer ir, obviamente que não se pode determinar os caminhos para lá chegar. Um governo que se mostra mais interessado na eleição seguinte do que na geração seguinte, só pode deixar o futuro muito comprometido. Ora, o governo regional pensou a educação apenas na perspectiva dos edifícios, da construção civil, que deu de comer a muitos, mas não esboçou uma única ideia sobre uma Escola (com E maiúsculo) para o tempo do nosso tempo. Conceptualmente a Escola continua com os traços genéricos da Sociedade Industrial. Precisamos de uma Escola de menos “folclore” e de melhores resultados. Uma Escola capaz de ser reinventora da sociedade, isto é, uma Escola de “conhecimento poderoso” na esteira do pensamento de Michael Young, capaz de colocar-se à frente da sociedade, puxando por ela e não apenas assumindo uma resposta aos problemas criados pela ineficiência e ineficácia políticas.
Só que isso, repito, precisaria de uma outra geração de políticos e de políticas que, a par desta síntese que lhe estou a fazer, que tem múltiplas implicações, se preocupasse em resolver as grandes questões sociais. Uma família pobre não pode pensar numa educação a vinte anos. Pensa ao mês e à semana, porque existem outras prioridades básicas a resolver, a alimentação, por exemplo. Ora, a escola não deve funcionar como refúgio, como garantia da única refeição quente do dia, não tem de ser remediadora social e, infelizmente, à custa da boa vontade dos professores, tem sido. A escola não é uma instituição de solidariedade social, mas também tem servido para isso, simplesmente porque não se tratou da economia e da organização do todo social. Daí que, as mais importantes funções, as cognitivas, foram substituídas por outras, pela tralha de que a escola está cheia e que permite o espectáculo ao gosto do governante. Existe um défice de conhecimento ao nível de quem governa que conduz a opções políticas absolutamente desconformes da missão da Escola. Consequência do "progresso"? Não, consequência da má organização e da má política. Quando se aumenta, por exemplo, mais meia hora de trabalho por dia, situação que, inevitavelmente, vai colocar muitas crianças durante mais tempo no "armazém" escola, quem assim decide esquece-se que a produtividade não está no aumento das horas de trabalho, mas em melhor trabalho com rigor e qualidade. E esquecem-se que, daquela forma, a educação é que sofre, desde logo entre muitos outros factores, pelo afastamento dos pais em relação aos filhos. A produtividade, sustento, não depende do aumento das horas de trabalho, depende sim, do "conhecimento poderoso" dado pela Escola, capaz de desenvolver mecanismos de criatividade, de inovação e de responsabilidade. Da mesma forma se pode concluir, que não precisamos de mais escola mas de melhor escola. 
Considera que a actual situação já era previsível?
Obviamente que sim. A par de tudo isto, este governo regional nunca esteve com os educadores e professores e isso é uma outra variável importante, porque ou as pessoas nutrem um sentimento de pertença pela escola ou os processos morrem. Basta ter presente, entre outros, o Estatuto da Carreira Docente, o Sistema de Avaliação de Desempenho, as quotas para progressão na carreira, a dívida de mais de seis milhões de euros aos docentes que ascenderam por mérito próprio e não receberam, a não contagem do tempo de serviço congelado, ao contrário do que aconteceu nos Açores, a infernal e estúpida burocracia com a qual as escolas se confrontam, particularmente os Directores de Turma, a muito pouco inteligente intenção de padronizar os estabelecimentos quando não há duas escolas iguais, porque os públicos, os professores e os contextos são diferentes, a ridícula forma de gestão do sistema, centralizando tudo, com o governo a funcionar como interruptor do sistema e é a falta de financiamento para aquilo que é importante. Os estabelecimentos estão a passar por graves dificuldades, com vários anos de atraso no pagamento da facturação, há encargos assumidos e não pagos que ultrapassam o limite do razoável e há professores que chegam a pagar detergentes por razões de saúde pública. Hoje é o gás, amanhã o transporte, é a piscina que não funciona, é a refeição que pode não vir a ser servida, enfim, vive-se um caos pela ausência de políticas sérias e de respeito pelas prioridades.

Jaime Freitas, antigo dirigente sindical e agora secretário da Educação, é a pessoa mais indicada para colocar o sector no trilho certo?

Não, definitivamente não. Aliás, já adquiriu os tiques do sistema. Com o devido respeito pela pessoa, quanto ao político, penso ter sido mais um erro de casting. A Educação precisa de quem saiba onde quer chegar e do Dr. Jaime Freitas, do ponto de vista político, ainda não se percebeu qual o objectivo que persegue. Ninguém conhece. Neste momento é um “gestor de massa falida”. Ele deveria passar 80% do seu tempo a (re)pensar o sistema e 20% a sua administração, porém, a ideia que resta é precisamente a contrária. Para além deste aspeto, o Dr. Jaime Freitas foi sindicalista numa estrutura próxima do PSD, daí que sempre esteve e está condicionado pelo pensamento e pela prática política do seu partido. Não tenho ilusões quanto a isso.

Quais são as suas piores expectativas relativamente aos próximos meses?

Infelizmente, as expectativas são muito sombrias, desde a gravíssima instabilidade no seio dos docentes, onde se preveem despedimentos, à continuação das dificuldades por força de um cofre vazio, consequência de oito mil milhões de dívidas por saldar, onde se incluem as parcerias público-privadas. Porém, mesmo com muita instabilidade, a Escola continuará a funcionar porque, embora com um nó na garganta, os professores não desistem, sofrem na pele, são agredidos e maltrados pelo sistema, mas continuam. Só que o problema do sucesso não depende apenas deles, mas de quem governa. Eu sustento que a sociedade terá de se reinventar e a Escola, neste pressuposto, terá de ser o motor dessa reinvenção. E isso não depende apenas dos professores. A Escola não pode ser resposta à desorganização social, antes terá de ser modificadora e catalisadora das grandes mudanças. Enquanto catalisadora é evidente que os professores têm responsabilidades, na outra parte, não. Leva tempo, muito tempo, mas à Escola compete-lhe pegar nas rédeas da construção do futuro. E isso, naturalmente, implica políticos com uma outra dimensão, uma outra atitude de pensamento estratégico, um outro sentido democrático, com uma outra leitura da sociedade, analisada de baixo para cima, que não aquela apenas centrada na Escola e de uma configuração de escola cujos resultados demonstram a sua própria falência e quase inutilidade.

Ilustração: Site Tribuna da Madeira.

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