Desemprego nos professores? "(...) basta dizer que tentar sedimentar num adolescente o tipo de conhecimento que lhe deveria ter sido apresentado há dez anos sai algo como 60% mais caro". Portanto, estimular as capacidades cognitivas, isto é, conseguir olhar o mundo de uma forma mais abstracta e lógica, bem como desenvolver os estímulos relacionados com o auto-controlo, a motivação e o comportamento social, constituem factores que estão directamente relacionados com o sucesso escolar, num primeiro momento, e com o trabalho na idade adulta. E isto não não se consegue com grupos numericamente expressivos mas com turmas com poucos alunos em que os docentes possam fazer essa importante ponte entre a escola e a família. Só que isto implica trabalho e políticos responsáveis.
Aí está o desemprego na classe docente. Será na ordem de algumas centenas a partir do próximo ano lectivo. Fala-se em cerca de 8o turmas a menos e a juntar a estas, com toda a certeza, muitos destacados regressarão às suas escolas de origem, mandando para o desemprego os que "ocupavam" os seus lugares e, a juntar a isto, a situação que deriva da designada (mais uma) reforma curricular cujos efeitos, em toda a sua extensão, estão ainda por determinar. Um facto que era previsível, que foi sistematicamente equacionado pelo Sindicato de Professores da Madeira e que, na Assembleia Legislativa, contou com muitas reflexões a este propósito. Ora, o que mais me espanta, ou se calhar não, é a posição do Dr. Jaime Freitas, Secretário Regional da Educação e dos Recursos Humanos, que denuncia situar-se no quadro do facto consumado. Para o exterior, o titular da pasta transmite a ideia que temos menos criancinhas, temos a "troika" e não temos dinheiro, logo, a EDUCAÇÃO que fique para depois. Esta atitude comodista, de deixar andar, de agachamento perante o "chefe das Angústias", do meu ponto de vista é muito preocupante. E mais preocupante o é quando o actual secretário regional foi presidente do Sindicato Democrático dos Professores, portanto, alegadamente, uma pessoa com preocupações de defesa do sistema, em geral, e dos professores, em particular. Agora, enquanto político com funções governativas, parece ter passado o apagador sobre as palavras ditas e as preocupações algumas vezes afloradas. É isto que me revolta na política, a ausência de coerência, de princípios, de frontalidade, de ter capacidade de antecipar o futuro e a coragem de dizer NÃO aos processos errados. Ora, perante um sistema político que gerou 75.000 pessoas sem instrução (INE), um gravíssimo défice ao nível das competências e capacidades profissionais, um conhecimento débil expresso nos resultados dos exames nacionais de 9º e 12º ano, uma cultura genérica de trazer por casa, o secretário conforma-se em mandar para o desemprego aqueles que poderão recompor, a prazo, a actual situação que é dramática.
Ao contrário de reduzir, assumiu o "referencial" de 26 alunos por turma, quando todos sabemos que a qualidade do ensino e os respectivos resultados estão muito directamente ligados à substantiva redução do número de alunos por professor. Era aí que deveria, para já, ter actuado. Ao contrário de aproveitar a qualificação dos professores para atacar os sinais de desconformidade na aprendizagem, logo nos primeiros anos, mandá-los-á embora, porque outros valores se levantam, as obras, as obras a inaugurar, as festas da cebola, da cereja, da sopa, etc. etc.. Que pobreza de pensamento estratégico!
O governo está, de forma imbecil, a descurar o problema da Educação. Confunde escolarização com trabalho educativo, com estas atitudes secundariza o professor enquanto elemento fundamental do processo ensino/aprendizagem e olha para a escola com os olhos virados para ontem quando deveria colocá-los no amanhã. E tão grave quanto isto, este governo, esta Secretaria da Educação mata a nossa Autonomia, essa capacidade de aqui procurar definir um pensamento acerca do futuro, de aqui estruturar, com inteligência negocial, um quadro de referências estratégicas que, paulatinamente, assegurem um futuro melhor.
Já aqui escrevi (a 21 de Julho de 2009 - A ignorância sobre o que a ciência desvendou) e aqui repito, partes de uma extensa entrevista com o Prémio Nobel da Economia, em 2000, o norte-americano James Heckman, personagem que tem vindo a estudar os efeitos dos estímulos educacionais oferecidos às crianças nos primeiros anos de vida, na escola e na própria família. A conclusão é simples: "(...) quanto mais cedo chegarem os estímulos mais hipóteses a criança terá de se tornar um adulto bem sucedido". Eu diria que os seus estudos confirmaram aquilo que já se conhecia. No início dos anos 70 Jean Chateau, in A Criança e o Jogo, a páginas tantas, sublinha: "o ser mais bem dotado é o que mais joga" (a palavra jogo aqui num sentido lato), ou então, socorrer-se de Roger Callois através do livro Os Jogos e os Homens, ou, ainda, das várias publicações de J. Huizinga publicados na década de 30. Todos são sensíveis e antecipam a síntese que o Nobel da Economia voltou a referir, agora numa perspectiva económica, de custo-benefício. Merleau-Ponty, um filósofo fenomenologista francês (1908/1961) situou bem esta questão: "O meu corpo é o centro do Mundo, tomo consciência deste através dele".
Ora, o que James Heckman veio dizer é que não há política pública mais eficaz do que investir na Educação, só que os governos passam ao lado "porque a razão é económica" e financeira. Heckman adianta o rol das consequências: "(...) basta dizer que tentar sedimentar num adolescente o tipo de conhecimento que lhe deveria ter sido apresentado há dez anos sai algo como 60% mais caro". Portanto, estimular as capacidades cognitivas, isto é, conseguir olhar o mundo de uma forma mais abstracta e lógica, bem como desenvolver os estímulos relacionados com o auto-controlo, a motivação e o comportamento social, constituem factores que estão directamente relacionados com o sucesso escolar, num primeiro momento, e com o trabalho na idade adulta. Heckman vai mais longe quando sublinha que este é um processo que deve ser compaginado com as políticas de família. De facto, de pouco vale o que se faz num estabelecimento de educação se os pais não assimilarem as preocupações da educação que está a ser ministrada. E isto não não se consegue com grupos numericamente expressivos mas com turmas com poucos alunos em que os docentes possam fazer essa importante ponte entre a escola e a família. Só que isto implica trabalho e políticos responsáveis. Trago em memória Mark Twain: "para quem tem apenas um martelo como instrumento, todos os problemas parecem pregos". Parece ser esta a lógica do funcionamento do governo regional da Madeira.
Pergunta o jornalista a J. Heckman: o que é que alguém que, não desenvolveu as principais habilidades nos primeiros anos de vida, pode esperar? Diz Heckman: "Essa pessoa terá, certamente, mais dificuldade em assimilar conhecimentos. Os números são espantosos. Uma criança de oito anos que recebeu estímulos cognitivos aos três conta com um vocabulário de cerca de 12.000 palavras, o triplo do de um aluno sem a mesma base precoce. E a tendência é para que essa diferença se agrave. Faz sentido. Como é que" se pode esperar que alguém que domine tão poucas palavras consiga aprender as estruturas mais complexas de uma língua necessária à compreensão de qualquer disciplina?" (...) o processo de "aprendizagem é mais lento" e daí surgem a desmotivação, os comportamentos inapropriados, o abandono, o insucesso, a criminalidade, etc., o que leva Heckman a dizer que "há ignorância (política) sobre o que a ciência já desvendou".
Tudo isto para dizer que os professores são indispensáveis. Como já alguém disse, não temos professores a mais, temos sim sistema educativo a menos. Justifica-se um substancial corte em muitas despesas sem sentido (há tanto e tanto por onde cortar), mas nunca na Educação. É pela via da EDUCAÇÃO que se consegue romper com o círculo vicioso da pobreza. É pela EDUCAÇÃO de qualidade que se consegue as competências necessárias face a mundo que nos desafia a todo o momento. No entanto, para o governo regional, para este secretário, mais fácil é obedecer ao "chefe" que desgraçou tudo isto, mandar colegas para o desemprego, fechar escolas, manter carências internas de toda a ordem, porque falta a capacidade e a coluna para dizer COMIGO NÃO!
Ilustração: Google Imagens.
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