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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A ESCOLA E OS TRABALHOS PARA CASA (TPC)


Os TPC, sobretudo no primeiro ciclo, não se justificam numa escola devidamente organizada. Uma criança que entra na escola às nove horas da manhã e, muitas vezes, dela sai ao fim da tarde, a questão que se coloca é o que lá andou a fazer durante o dia. Ademais, se os mentores políticos da escola que temos lessem um pouco mais sobre o "desenvolvimento e aprendizagem", se reflectissem sobre a problemática da "criança e do jogo" num sentido lato da expressão, certamente que outros seriam os seus posicionamentos, até porque mais escola não significa melhor escola. É a sociedade que tem de ser reorganizada, particularmente, a estrutura familiar, são os horários do mundo laboral que devem ser repensados, é a escola enquanto sistema que está em causa e não é queimando etapas do desenvolvimento (somos o animal com maior tempo de infância) que se atingirão melhores resultados finais, isto é, seres disponíveis para a conquista do mundo.


Ontem segui uma peça jornalística, no Telejornal da RTP 1, sobre a problemática dos designados Trabalhos para Casa (TPC). Em síntese, retrataram uma escola do 1º ciclo do Ensino Básico onde não são marcados trabalhos para casa e, ao fim de semana, os livros e cadernos ficam no cacifo da escola. Dizia um professor que a escola estava organizada no sentido do estudo acompanhado pelo que se tornava dispensável retirar tempo ao tempo de lazer e de jogo próprio da criança. 
Este foi, aliás, um assunto sobre o qual reflecti durante alguns anos. Li vários autores e cruzei muita informação de várias áreas para concluir exactamente o mesmo que pratica a escola visitada pelo jornalista. Tanto assim foi que apresentei, em 2009, salvo erro, um Regime Jurídico do Sistema Educativo Regional em que esta matéria era equacionada. Em 8 de Abril de 2011, neste espaço, reproduzi a parte mais importante, com o seguinte texto (aqui fica apenas uma parte):
"O Regime Jurídico do Sistema Educativo Regional  foi literalmente chumbado pela maioria PSD na Assembleia Legislativa da Madeira. Nessa altura e a este propósito, cruzei toda a legislação existente em vários países europeus e li muitos autores que se debruçaram sobre esta questão. E para não atormentar consciências políticas adormecidas por anos a fio de rotinas, no Artigo 13º, ponto 14, não indo tão longe quanto desejaria, desenvolvi:
"1. No 1º e 2º ciclo do ensino básico estabelecem-se, globalmente, os seguintes tempos relativamente aos designados trabalhos para casa (TPC):
a) No 1º e 2º ano do 1º ciclo não são permitidos;
b) No 3º ano do 1º ciclo as tarefas não podem exceder os 20 minutos;
c) No 4º ano do 1º ciclo as tarefas não podem exceder os 30 minutos;
d) No 5º e 6º ano do 2º ciclo as tarefas não podem exceder os 45 minutos;
2. No 3º ciclo do Ensino Básico, o estabelecimento dos critérios transversais de todo o currículo é da responsabilidade do Conselho Pedagógico e a da execução é dos Conselhos de Turma, considerando sempre as necessidades de consolidação da aprendizagem e o tempo disponível para outras actividades complementares, de lazer, de natureza cultural e desportiva desenvolvidas pela sociedade".
Ora, o problema dos TPC é extremamente complexo. Está em causa, desde logo, a organização social onde se insere o mundo do trabalho. É essa organização social que tem de ser reequacionada. Não é por estarmos durante mais horas envolvidos no trabalho profissional que teremos uma maior produção, como não é pelo facto de um aluno estar mais horas na Escola que acrescentará valor à aprendizagem. E se a organização social (familiar, inclusive) está em causa, também está a organização escolar e esse mundo de coisas inúteis que preenchem os programas. Há muita tralha, isto é, muito acessório em detrimento do essencial.
Ao lado deste aspecto corre a Escola a Tempo Inteiro, esse derivado da desorganização social. A ETI surge para remediar um problema de ocupação dos pais. Esse "armazém" de crianças como lhe chamou o Dr. Daniel Sampaio. E como se isto não chegasse, temos os docentes, preocupados com a sua avaliação de desempenho, não com uma CULTURA DE DESEMPENHO, onde os resultados são importantes através do cumprimento dos programas. Escreveu o notável Rubem Alves: "para a burocracia, o importante é o que vem no relatório, não as crianças (...)".
Repito, nesse Regime Jurídico não fui tão longe quanto desejaria. Tive o cuidado de dar, apenas, um primeiro passo. Na minha óptica, os TPC, sobretudo no primeiro ciclo, não se justificam numa escola devidamente organizada. Uma criança que entra na escola às nove horas da manhã e, muitas vezes, dela sai ao fim da tarde, a questão que se coloca é o que lá andou a fazer durante o dia. Ademais, se os mentores políticos da escola que temos lessem um pouco mais sobre o "desenvolvimento e aprendizagem", se reflectissem sobre a problemática da "criança e do jogo" num sentido lato da expressão, certamente que outros seriam os seus posicionamentos, até porque mais escola não significa melhor escola. É a sociedade que tem de ser reorganizada, particularmente, a estrutura familiar, são os horários do mundo laboral que devem ser repensados, é a escola enquanto sistema que está em causa (problema curricular, programático, número de alunos por escola e por turma) e, por isso, não é queimando etapas do desenvolvimento (somos o animal com maior tempo de infância) que se atingirão melhores resultados finais, isto é, seres disponíveis para a conquista do mundo. Mas sobre esta matéria muito fica por dizer. Uma nova oportunidade surgirá. Uma coisa é certa: a reportagem de ontem, escorreu-me como mel garganta abaixo, sobretudo por três razões: primeiro, pelo inteligente sistema organizacional da escola; segundo, pelos depoimentos das crianças que sublinharam, voluntariamente, interesse em acrescentar, em casa, outros conhecimentos, apenas quando desejam; terceiro, pelo sério e humorado depoimento de um psicólogo que disse que o sistema tem sorte porque as crianças não têm "sindicato".
Ilustração: Google Imagens.

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