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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

ORÇAMENTO DA REGIÃO (I)


É por isso que constitui uma enorme irresponsabilidade política, constitui um crime político-social, sentir que o quadro é manifestamente grave e, ao contrário de uma actuação firme e corajosa, escolher o caminho errado, o caminho da teimosia, o mesmo caminho do passado, quando todos sabemos que causas iguais só podem gerar consequências iguais. O que significa que ao caos social o governo apresenta-se aqui a acrescentar mais caos. À pobreza, ao drama do desemprego e à angústia dos empresários, o governo apresenta uma alteração orçamental para fazer aprovar dois aspectos absolutamente marginais (...)


Decorre, neste momento, o debate das alterações ao Orçamento Regional para 2011. Acabei de intervir com a seguinte intervenção:  
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados,
Há momentos que o bom senso e o respeito pelos eleitores, mesmo por aqueles que decidiram não votar, impõe uma tomada de consciência da realidade económica, social e cultural. Há momentos que, face ao quadro dramático que se nos apresenta, constitui uma obrigação de quem governa, de colocar de lado os posicionamentos de teimosia, as convicções balofas e sem qualquer sustentabilidade, detendo-se perante os factos. Há momentos que implicam rever tudo, colocar muita coisa em causa, implicam olhar para trás, observar as consequências dos caminhos trilhados e projectar o futuro com confiança e segurança. Há momentos políticos que não podem ser apenas de cumprimento de formalidades, de pequenos acertos marginais que não tocam naquilo que é essencial.
É por isso que constitui uma enorme irresponsabilidade política, constitui um crime político-social, sentir que o quadro é manifestamente grave e, ao contrário de uma actuação firme e corajosa, escolher o caminho errado, o caminho da teimosia, o mesmo caminho do passado, quando todos sabemos que causas iguais só podem gerar consequências iguais. O que significa que ao caos social o governo apresenta-se aqui a acrescentar mais caos. À pobreza, ao drama do desemprego e à angústia dos empresários, o governo apresenta uma alteração orçamental para fazer aprovar dois aspectos absolutamente marginais no quadro da contenção e controlo das despesas.
Quando seria espectável uma atitude de revisão face à previsibilidade de um ano muito complexo, à tomada de consciência que há uma absoluta necessidade de ir ao encontro das pessoas que estão a passar mal, o governo vem aqui, de forma inócua, corrigir os valores dos subsídios de refeição. Se este assunto da governação não fosse muito sério e dramático, esta sessão merecia uma sonora gargalhada.
Assistimos a empresas a falir, empresários de corda ao pescoço, cortes no crédito bancário e aflições para pagar, atempadamente, aos colaboradores, despedimentos, processos em tribunal, insolvências técnicas, aumento significativo do desemprego, menos um milhão de dormidas em dois anos de política de turismo, associativismo desportivo e cultural com dívidas até ao céu da boca, pobreza em crescimento acelerado, economia paralisada e o governo vem à Assembleia proceder a uma adaptação do subsídio de refeição abonado aos gestores públicos. Só assistindo, porque, contado, ninguém acredita.
Quando a Região não suporta mais dívidas, que somadas, atingem os seis mil milhões de euros, quando todos sabem que a partir do próximo ano a situação será, ainda, mais gravosa, em função do cumprimento das obrigações assumidas com a banca, quando as escolas se encontram atoladas em encargos assumidos e não pagos, quando o sistema de saúde leva mais de mil dias para pagar aos seus fornecedores, quando olhamos em volta, no contacto com as pessoas, pobres ou menos pobres, e sentimos a expressão do desalento, o desconforto, a aflição pelo não cumprimento das suas responsabilidades, quando olhamos para os espaços abertos ao público e não se vê algum dinamismo económico, já não dizemos de riqueza, mas de justificação e entusiasmo pelo que fazem, quando cresce, assustadoramente, nas instituições de solidariedade social, o número de pessoas a solicitar apoio alimentar e não só, quando os tempos são de correcção de processos que facilmente se provam estar errados, vem aqui o governo proceder a uma alteração ao subsídio de refeição abonado aos gestores públicos.
Esta alteração poderia aqui estar mas num rol alargado de medidas que pudessem atenuar o sofrimento das pessoas. Não é minimamente inteligível que, perante o maior orçamento regional, em termos de expressão dos números, não aproveitar o momento para pôr termo ao acessório e canalizar todo o esforço no sentido do que é essencial e do que é prioritário. E o que de facto observamos é que o governo mantém a sua postura autista, uma disfunção que lhe afecta a capacidade de comunicação e de resposta adequada ao ambiente que estamos a viver. Na marca deste governo, na sua inflexível matriz orientadora, nesse exacerbado autismo, a culpa é sempre dos outros, o inimigo externo é sempre a origem que justifica o fracasso das opções.
Só que os números estão aí e essa cantilena de jogar para os outros responsabilidades próprias é chão que deu uvas. Os números estão aí e são aterradores, são muito preocupantes e, por isso mesmo, exigem análises muito cuidadas. Os tempos que estamos a viver não coadunam com exercícios de manutenção do poder pelo poder, de controlo da sociedade e de fazer, pela repetição, que a mentira seja assumida como verdade. Os tempos exigem posturas sérias perante problemas que são muito sérios.
O problema, Senhor Secretário do Plano e das Finanças, é que Vossa Excelência conhece como eu uma frase à qual o governo faz jus: quem apenas tem um martelo como instrumento todos os problemas parecem pregos. É isso que está em causa. Já não se trata de um problema de convicção política, mas de um governo e de uma postura política que já não engana.
Neste momento e olhe-se para o que aconteceu nas últimas eleições para a Presidência da República, expressivamente o Povo o quis dizer foi, “alto e parem o baile”. E a abstenção foi aquela que todos conhecemos. O que significa que aos tempos de mudança, se houvesse uma réstia de inteligência política, Vossa Excelência não vinha aqui apresentar esta alteração ao subsídio de refeição, mas vinha aqui com um pacote de medidas que ajudassem a corrigir o rumo de uma terra em crescente falência.
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, cego é aquele que não quer ver. Não necessitam do sistema “Braille” para decodificar o que se está a passar. Não precisam da polpa dos dedos para ler a situação. Basta ter a noção que os lugares que ocupamos na vida pública são efémeros e que a nossa participação, no governo, na Assembleia, no poder ou na oposição, só se justifica quando desejamos gerar o óptimo social. Servir-se dos lugares políticos como se eles constituíssem um emprego, senhoras e senhores deputados, constitui o sinal mais do egoísmo e da falta de humanismo.
Nós vamos apresentar trinta propostas de alteração a este Orçamento para 2011. Não são propostas irrealistas pois as contas foram feitas, sabemos quanto custam e sabemos onde devem ser operacionalizados os cortes. E, ainda assim, fica muito dinheiro para gastarem onde não é prioritário. Relembramos que no Plano e Orçamento discutido em Dezembro passado, apresentámos cortes de despesas inúteis no valor de 130 milhões e canalizámos cerca de 80 milhões para a viabilização de áreas de intervenção de absoluta necessidade.
Esperamos que a Assembleia, primeiro órgão de governo próprio, tenha em consideração as propostas que apresentámos, sendo certo que é total a nossa disponibilidade para negociar. Ilustração: Google Imagens.

2 comentários:

Fernando Vouga disse...

«Vossa Excelência não consegue fazer ver ao Presidente do Governo que[...]»

Caro amigo

Nem de propósito, no DN de hoje, vem este pensamento lapidar do egípcio El Baradei:
"Creio que [Hosni Mubarak] sofre da doença dos ditadores. Ninguém no seu círculo ousa contrariá-lo ou dizer-lhe a verdade"

André Escórcio disse...

Obrigado pelo seu comentário.
É verdade, não me tinha apercebido da peça do DN.
Ali todos se regem pela mesma cartilha. Até um dia.