Estou convencido que podem implementar regras disciplinares cada vez mais graves, podem aplicar multas aos pais e encarregados de educação, poderão até vir a criminalizar algumas atitudes, todavia a indisciplina grosseira continuará em crescimento e a violência tenderá a agravar-se. E porquê? Exactamente porque tudo o que está a acontecer a jusante, na escola, tem causas fortíssimas que o secretário da Educação não vê ou não quer ver. Na sua óptica é mais fácil a adopção de "medidas correctivas mais céleres" com "soluções à medida". É o que se chama correr atrás do prejuízo, embora de forma inconsequente. O secretário e quem esteve na origem deste novo Estatuto ignora(ou) que é nas causas que a actuação política deve ser privilegiada. Não basta inaugurar estabelecimentos de ensino. Essa é a parte mais fácil do processo. O problema é nós sabermos o que fazer com as infraestruturas; o problema é sabermos como escolarizar mas educando; o problema é ter consciência que uma larga fatia dos que chegam à escola trazem consigo, não apenas a pasta e os livros, mas uma montanha de problemas familiares, económicos e sociais que obrigam o sistema a se organizar face ao caldo cultural assimétrico e complexo. Ele esquece que esta sociedade é violenta, esta sociedade desenvolve mecanismos de marginalização, diz combater a guetização mas é geradora de guetos pelas desigualdades que ela própria gera. A indisciplina e a violência nunca serão debelados enquanto não assistirmos a uma actuação na sua génese. É na sociedade que está o problema, não na Escola. Há violência na Escola porque a Escola é violenta!
"Medidas correctivas mais céleres e com procedimentos simplificados" é a receita do novo "Estatuto do Aluno e Ética Escolar" para lidar com os alunos ditos problemáticos. Vou por partes. Sei muito bem o sofrimento porque passam muitos professores; conheço, profundamente, através de vivências e de testemunhos de colegas de profissão a degradação comportamental que está a acontecer nos estabelecimentos de ensino; reconheço o notável esforço e paciência de muitas ou de todas as direcções executivas para lidar com a indisciplina e sobretudo com os casos de alguma violência que já vai acontecendo. Ainda há poucos dias cruzei-me com um meu antigo aluno estagiário em fim de licenciatura. Tinha eu conhecimento de ter sido vítima, há relativamente pouco tempo, de um acto de violência por parte de um aluno. Disse-me: "isto está cada vez vez pior. Cada vez mais malcriados e indisciplinados. Não sei onde isto vai parar". Portanto, isto para dizer que domino o que se está a passar e que, aliás, há muito se adivinhava. As situações vinham em crescendo, denunciadas, até, nos Conselhos de Turma e nas reuniões dos Conselhos Pedagógicos dos quais fiz parte. Por outro lado, na Assembleia Legislativa da Madeira, a maioria PSD-M foi desvalorizando e chumbando todas as propostas interessantes que apontavam para caminhos diferentes. Nem o governo, nem a Assembleia quiseram saber da gravidade da situação. E hoje, claramente aflitos, apresentam um Estatuto que é uma espécie de bastão ao jeito, se isto não vai a bem, vai a mal.
Ora, pessoalmente, estou convencido que podem implementar regras disciplinares cada vez mais graves, podem aplicar multas aos pais e encarregados de educação, poderão até vir a criminalizar algumas atitudes, porque a indisciplina grosseira, essa continuará em crescimento e a violência tenderá a agravar-se. E porquê? Exactamente porque tudo o que está a acontecer a jusante, na escola, tem causas fortíssimas que o secretário da Educação não vê ou não quer ver. Na sua óptica é mais fácil a adopção de "medidas correctivas mais céleres" com "soluções à medida". É o que se chama correr atrás do prejuízo e de forma inconsequente. Negligenciaram durante anos todo o processo educativo, geraram o problema e agora pensam que o resolverão com este "novo" Estatuto. O secretário e quem esteve na origem deste Estatuto pintado de fresco ignora(ou) que é nas causas que a actuação política deve ser privilegiada.
Sobre esta matéria fiz um esforço de ler, cruzar informação, compreender e sobretudo ouvir quem sabe. E, neste pressuposto, defendi, entre 2007 e 1011, na Assembleia Legislativa da Madeira, alguns pontos de vista que me pareceram e parecem de enorme importância, pelo menos enquanto ponto de partida para uma discussão mais alargada e que abandone a treta dos Estatutos que apenas repetem o erro. Deixo aqui alguns excertos de vários textos que constam do Diário das Sessões da ALRAM:
"(...) Há que diferenciar os dois conceitos: indisciplina é uma coisa; violência é outra. Os actos de indisciplina estão ligados à infracção de regras que a escola estabelece bem como os conflitos entre alunos, auxiliares de acção educativa e até as atitudes de obstrução ao trabalho dos professores; já a violência tem outros contornos, tem a ver com agressões, roubos, opressão sobre o outro, humilhação e até destruição dos espaços e equipamentos. (...) A violência é muito preocupante; a indisciplina tem outra configuração pois até pode enquadrar-se no âmbito da irreverência própria da idade".
"(...) A sociedade que se teima em construir é uma sociedade violenta em todos os aspectos. É a sociedade do ter antes do ser, do consumo pelo consumo, é a sociedade da competição feroz, é a sociedade que não valoriza o saber de todos, o papel da escola e dos professores, é a sociedade de muitas famílias atoladas na miséria, no alcoolismo, na toxicodependência, nos ambientes de maus tratos e abusos sexuais. Uma significativa parcela da sociedade obviamente que escapa, uma outra é empurrada para os comportamentos indesejáveis. Daí que se possa dizer que a indisciplina e a violência na escola é uma emanação da sociedade". (...) "Quando, insisto, dispomos de uma rede escolar com estabelecimentos de ensino maximizados, com 1000, 1500, 2000 alunos, mais de 6.000 professores por aí distribuídos, administrativos e auxiliares de educação, quando as escolas se tornaram, pela ausência de um verdadeiro e actual conceito de Escola, espaços impessoais e sem alma, quando a sociedade está profundamente doente e fragilizada, a Escola não poderá estar melhor. A Escola é hoje a consequência dos erros estratégicos da política social e de educação, mormente ao nível da tipologia dos edifícios, do número de alunos por cada estabelecimento e do número de alunos por turma, é a consequência da sua própria organização interna, da infernal burocracia e, sobretudo de uma sociedade desequilibrada, marcada pela pobreza e onde faltam verdadeiras e consequentes políticas de família." (...) Quando isto acontece, dizem os relatórios da UNESCO não há espaço nem tempo para pensar como "lidar e evitar os comportamentos anti-sociais dos alunos" e como "promover comportamentos pró-sociais entre os alunos". (...) É a montante que temos de actuar. A Escola é hoje, também, consequência de atirarem para a sua responsabilidade missões e tarefas que não lhe competem, é a consequência de planos curriculares e programáticos desajustados da realidade, é a consequência de, ao querer responder a todas as solicitações externas à sua vocação e missão, acaba por não responder eficazmente a nada. A escola é hoje a consequência de políticas que a tornaram remediadora social, é a consequência, finalmente, de não haver uma ideia central e integrada que consubstancie o caminho de sucesso pelo qual nos devemos guiar". "(...) A Escola é hoje o repositório da desestruturação social, da pobreza, da ausência de valores no seio de muitas famílias (...) A própria sociedade, Senhores Deputados, desenvolve uma cultura de violência contrária aos interesses de uma escola de compromisso, de formação, onde todos sintam interesse em participar e se formar. A sociedade não garante essa estabilidade e a decisão política nas várias áreas tem ido, infelizmente, no sentido contrário aos interesses de uma educação inclusiva e de uma disciplina assumida pela compreensão dos vários actores". (...) "Edgar Morin esteve em Portugal. Ele defendeu uma mudança radical do ensino. É ele que questiona e lamenta, a par de muitos outros livres-pensadores, que a "condição humana esteja totalmente ausente do ensino" e, neste pressuposto perguntou: "o que significa ser humano?". As crianças não estão a ser ensinadas", disse. (...) Não basta inaugurar estabelecimentos de ensino. Essa é a parte mais fácil do processo. O problema é nós sabermos o que fazer com as infraestruturas; o problema é sabermos como escolarizar mas educando; o problema é ter consciência que uma larga fatia dos que chegam à escola trazem consigo, não apenas a pasta e os livros, mas uma montanha de problemas familiares, económicos, financeiros, culturais e sociais que obrigam o sistema a se organizar face ao caldo cultural assimétrico e complexo. Esta sociedade é violenta, esta sociedade desenvolve mecanismos de marginalização, diz combater a guetização mas é geradora de guetos pelas desigualdades que ela própria gera. A indisciplina e a violência, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, não serão debeladas enquanto não assistirmos a uma actuação na sua génese. É preciso assumir que deixaram o marfim correr e hoje, deitam as mãos à cabeça, pelos erros cometidos".
Estes alguns excertos de muitos textos publicados. Apenas seleccionei uns poucos que clarificam a minha posição. O secretário prefere uma espécie de "totalitarismo brando", que não abre espaço para as diferenças, para a liberdade e para a autonomia das escolas. Ele caminha no sentido da imposição de um modelo único de comportamentos aceitáveis. Não é por aí que o problema se resolverá. A promoção das "boas práticas", a assumpção de responsabilidades e de novas mentalidades sugerem novos paradigmas de organização escolar e de inovação pedagógica que responda aos desafios dos novos públicos. Isto significa que o secretário regional da Educação prefere lançar gasolina sobre o fogo ao invés de procurar os caminhos de corta-fogo, mais difíceis em um primeiro momento, mas indiscutivelmente de efeitos positivos e duradouros a prazo.
Mas sobre este assunto, de resto muito complexo, muito haveria a dizer. Talvez regresse.
Ilustração: Google Imagens.
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