Por amizade e dever social fui ao cemitério para um último adeus ao Amigo Luís Miguel França. Vivi, obviamente, um momento profundamente triste pela implacável morte que roubou o Miguel ao nosso convívio, mas também confortado por ter sentido que a sua Mulher Basília Pita, embora a atravessar um momento extremamente doloroso, transmitia serenidade e uma absoluta força interior para enfrentar os próximos e sempre difíceis capítulos da vida. Nestes momentos as palavras devem ser poucas para não cairmos na banalidade. Só a presença, quando sincera, diz tudo. Mas falámos e desabafámos o que, para ambos, estou certo, foi importante. De regresso, foi-me impossível não rebobinar uma cassete, tal como tantas vezes o Miguel o fez na redação da televisão, a pretexto de montar uma peça. Neste meu caso, dei comigo a juntar, de forma dispersa, alguns momentos e conversas que tivemos.
Falei muitas vezes como o Luís Miguel França, um excelente profissional de rádio e televisão, portador de uma extraordinária voz e de um semblante que inspirava confiança na leitura das notícias. Nunca deixou qualquer rasto que demonstrasse naturais opções pessoais de natureza política ou sobre a sociedade. Foi um Jornalista acutilante mas distante. Um dia, já tem uns anos, disse-lhe mais ou menos isto: meu Amigo, parabéns pela entrevista que fez ao patrão de um grupo económico, extremamente bem preparada e profunda, mas tenho a sensação que assinou a sua sentença. Nesta terra paga quem é profissional e rejeita a auto-censura. Ele riu-se, mas percebi a sua preocupação. A verdade é que, passado algum tempo, após dois anos de mandato na Assembleia da República, para a qual foi eleito nas listas do Partido Socialista, o Luís Miguel França regressou ao seu posto de trabalho (RTP) e, claro, por falta de decência e por menoridade democrática de uns quaisquer, foi atirado para o "quarto escuro"! Esqueceram o seu passado, o facto de ter atingido o topo, de ser reconhecido e toma lá, entretém-te com reportagens que deveriam ser entregues a principiantes. Para ele foi um massacre diário. Não suportou e saiu aproveitando negociações de desvinculação dos quadros da Empresa.
Não posso dizer que algumas graves situações profissionais tenham pesado na sua prematura morte, mas todos nós sabemos que tornamo-nos muito mais frágeis quando nos deixamos envolver pelas situações de injustiça e pela leitura da maldade. Seja qual for o peso que essas situações possam ter tido, o Luís Miguel França partiu quando tinha muito para dar (e não quiseram que ele desse). Quem ainda fica, que sinta o remorso pelo ostracismo a que o votaram, o remorso de não o terem entre os melhores que a Televisão tinha e, irremediavelmente, deixou escapar. Maldosamente, esqueceram-se que um eleito pelo Povo apenas cumpre, temporariamente, um SERVIÇO PÚBLICO À COMUNIDADE. Mais. Que o exercício da política não corresponde a uma profissão, mas a um acto de cidadania. Esqueceram-se, também, de quantos que não o sendo de "papel passado" e que se mantêm numa aparente virgindade, são mais partidários do que muitos que dizem "vou ali e já volto". Certamente que o remorso dará lugar a abraços à sua Mulher, alguns hipócritas, ao jeito, estamos contigo! Logo a ela que também tem sido vítima colateral de decisões obscuras.
Basília, mais um beijinho, extensivo à Sofia. Mantenha-se serena e determinada. O Luís apenas não está presente, mas anda por aí.
4 comentários:
Parabéns pela sua frontalidade!!! O Miguelinho devia de lá estar cheio de remorsos......
Muito profunda a frase: "...todos nós sabemos que tornamo-nos muito mais frágeis quando nos deixamos envolver pelas situações de injustiça e pela leitura de maldade." Resta saber o tamanho desta fragilidade...porque crescem as injustiças e a maldade...e parece que a resposta é a inércia, o deixar-se morrer!
Simplesmente maravilhoso o artigo do Exmo Sr. Professor Escórcio leal, franco como já sue apanágio...Parabéns
Professor...
Muito obrigado pelas suas palavras. Um abraço.
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