O exercício da política que deveria constituir-se em actos de sublime nobreza, está hoje pelo ralo abaixo. Dir-se-á que sempre foi assim. A minha percepção é que resvala em acelerada velocidade. A mentira é avassaladora. Enganar os eleitores, tenho essa convicção, constitui o primeiro passo das mentes que nos rodeiam. Já não tenho paciência para certos quadros da vida real.
Não quero comentar os resultados por respeito à decisão do povo chamado a decidir. Mas há pelo menos duas situações que me desagradam enquanto cidadão:
1ª Foi várias vezes repetido, pela boca do Dr. Miguel Albuquerque, que se demitia caso a coligação PSD/CDS não obtivesse uma maioria absoluta. Ele não salientou que se demitiria caso não conseguisse formar governo. Foi muito claro, vou-me embora porque "não vou engolir sapos, nem vou fazer coligações com partidos anti-autonomistas - Observador / 06 de Setembro de 2023. Presumo que esta posição ajudou a determinar o sentido de voto de muitos eleitores.
2ª Na noite eleitoral de ontem apagou, completamente, aquilo que tinha dito aos eleitores, ao jeito de quem diz "eu estava a brincar!" E mais, adiantou que elaborará uma proposta dentro de 24 a 48 horas, não tendo sido claro se a putativa solução seria de incidência parlamentar ou de integração numa coligação a três. Sublinha o Dnotícias de hoje: "O futuro faz-se agora a três". O director do Diário tem razão: "(...) Por este andar, antes de bater com estrondo no rochedo, na próxima paragem a "arca de Noé" arrisca-se a ir ao fundo". Pedro Nunes, comentador da emissão televisiva do DN caracterizou tudo isto de "fossadinha". É isso.
Ora, estamos aqui perante duas situações que, enquanto cidadão, me arrepiam. Por um lado, a demissão que não se concretiza, o que significa faltar à palavra. Se é assim neste caso, questiono, em tantos outros como será?; por outro, todos sabemos que não é em uma ou duas horas que se soluciona um problema de governação estável. Os partidos têm posicionamentos ideológicos próprios e têm os seus programas diferenciadores naquilo que os caracteriza estruturalmente. Quando é admitido que em 24 a 48 horas estará tudo resolvido, isto significa que, antes do acto eleitoral, existiram conversações/negociações sobre os quadros que, eventualmente, pudessem resultar das eleições. Nem houve o pudor de assumir que "amanhã iniciaremos contactos". Foi logo à primeira: temos solução e vamos apresentá-la.
Deduz-se daqui que o eleitorado foi, novamente, levado ao engano. Votou sem conhecer todos os dados do processo: as eventuais conversações, os acordos, as cedências, os arranjos parlamentares ou de integração no governo, enfim, tudo o que devia ser claro e muito, muito transparente. De facto, uma "fossadinha" nas costas dos eleitores.
Significa isto que faltam no exercício da política referências de honestidade e integralidade. É o poder pelo poder numa espécie de vale tudo. E está cada vez pior.
Ilustração: Google Imagens
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