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terça-feira, 5 de setembro de 2023

15ª Cimeira dos BRICS: elevadas expectativas e resultados


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Apesar de diferenças profundas e até de alinhamentos internacionais distantes, foi possível um consenso que poderá proporcionar aos BRICS uma viragem na dinâmica de mudança a nível global.



Esta 15.ª Cimeira, que se realizou em Sandton, arredores de Joanesburgo, entre 22 e 24 de Agosto último, mereceu a atenção de muitos países, políticos, empresas e pessoas, inclusive do mundo ocidental, com relevo para os EUA.

Os políticos dos países ocidentais e a maioria dos países do Sul Global – bem evidente no número de convidados presentes e na manifestação, ao longo da preparação da Cimeira, de mais de 40 países em se associarem aos BRICS e 22 a oficializar a sua adesão –, a verdade é que poucos lhe foram indiferentes.

Sente-se, desde há muito, um grande descontentamento no Sul Global acerca do comando e não partilha da gestão política do Ocidente sobre os destinos do Planeta Terra. Há um entendimento generalizado de que a sua representatividade é cada vez menor e em perda, na política, na economia, na ciência e tecnologia, no social, na cultura, em tudo.

Mas o domínio quase absoluto do Ocidente em Instituições mundiais como a ONU e seus Organismos (FMI, Banco Mundial, OMC…) continua sendo a causa desse descontentamento transversal que, por outro lado, gera um sentimento agregador e de laços crescentes entre países com interesses tão diversificados.

Aquando da primeira Cimeira dos BRIC (16 de Junho de 2009, ainda sem a África do Sul), foi acordado um tipo de cooperação no sentido de um trabalho continuado por um mundo multipolar, “mais democrático e mais justo”, na luta pela reforma das instituições mundiais, de maneira a que as economias emergentes venham a obter espaço e melhores condições de influência.

Nesse sentido, com avanços e recuos, os BRICS têm vindo a trabalhar com muita diplomacia entre si e com terceiros e, em cada cimeira anual, renovado e afinado o papel a desempenhar, sobretudo, nas relações internacionais, colocando as Nações Unidas como ponto focal, prosseguindo, por exemplo, a defesa da Índia para membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, dada a sua dimensão mundial. Não se trata de fazer saltar alguém do Conselho, mas de um alargamento negado.

Três palavras marcam o processo desta Cimeira


Três palavras apenas – Alargamento, Desdolarização, Multipolaridade – caracterizam esta 15ª Cimeira e o seu processo de preparação que entra, sem dúvida, na história futura dos BRICS, que, aliás, desde a sua origem, com mais ou menos ênfase, têm formatado as etapas de percurso.

Alargamento

A transição de cinco (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) para onze BRICS, a partir de 1 de Janeiro de 2024, acrescentando a Arábia Saudita, Argentina, Egipto, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irão, é uma decisão de importante significado.

O tema do alargamento arrastava-se, desde a entrada da África do Sul, mas com mais premência a partir de 2017. Foi alvo de profunda reflexão e negociações, pois muitas eram as reservas, sobretudo, por parte da Índia e Brasil. O receio de perda de influência era a razão dominante.

Este acordo é produto de uma diplomacia persistente e de equilíbrio, desenvolvida entre os países dos BRICS, com realce para a Índia e China, de algum modo, em constante desafio. Um bom sinal de que, apesar de diferenças profundas e até de alinhamentos internacionais distantes, tenha sido possível um consenso que poderá proporcionar aos BRICS uma viragem na dinâmica de mudança a nível global.

Há quem refira que os critérios de escolha dos países entrantes não são claros. Por exemplo, porquê a Argentina e não o México ou a Etiópia em vez do Quénia? E porque não a Indonésia, questiono-me? Mas, segundo li, este país terá preferido aguardar. Também há quem defenda que os conselheiros que participaram nos critérios alinharam numa escolha de prudência e equilíbrio.

Na realidade, com os seis novos países, os BRICS+ ganham dois pesos pesados da área monetária e financeira (Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos), uma quota seis entre os dez maiores produtores de petróleo, passando os BRICS+ a dominar o mercado mundial. E numa visão geográfica e de cultura reforçam a representatividade do Norte de África e Médio Oriente embora recebam uma “conta” conflito nas águas do Nilo, entre Egipto e Etiópia. Em termos culturais, inserem-se bastante mais no Mundo Islâmico.

No caso da Argentina correm o risco de integrar um país, tipo Bolsonarista, caso as eleições presidenciais em curso tenham um mau desfecho.

Desdolarização

A desdolarização é um tema bem amplo. Em termos globais, significa reduzir o peso do dólar (moeda EUA) nas trocas económicas e no mercado monetário e financeiro, por exemplo, nas reservas nos bancos centrais, em que o dólar continua a ter um peso determinante.

Falou-se muito da moeda comum, durante a preparação da Cimeira, sabendo-se, no entanto, que as condições existentes não comportam esse caminho para já. Ficou-se pelo incentivo às trocas com o recurso às moedas locais, o que está a acontecer a ritmo lento, até porque as trocas comerciais entre países BRICS pouco têm progredido. O que de melhor tem acontecido é no campo da energia com o petróleo, gás e mesmo carvão em que muitas transações já se fazem em moedas nacionais.

Um grande papel poderá ser desempenhado pelo Banco BRICS (sigla NDB) que começou recentemente a fazer empréstimos em moeda local, em rands (África do Sul), em reais (Brasil) e com a rupia (Índia) em estudo. Em moeda chinesa (renminbi) já funciona há mais tempo. O objectivo do Banco, segundo Dilma Rouseff, é atingir, nos empréstimos, 30% em moeda local, segundo entrevista ao “Financial Times”.

Dois pormenores interessantes. As moedas dos actuais BRICS começam por R: Real, Rublo, Rupia, Renminbi e Rand e o alargamento aconteceu, primeiro, no Banco que tem capital de fora dos cinco BRICS: Bangladesh, Egipto e Emirados Árabes Unidos.

Multipolaridade

Os BRIC, desde sempre, que se batem pela multipolaridade. Vêem na existência de vários polos um instrumento de maior equilíbrio e de incentivo a uma negociação, onde a diplomacia deve desempenhar um papel maior, sobretudo, em questões determinantes, como a paz. Para que tal se dê, os polos e as instituições multilaterais têm de ser robustos e ágeis.

António Guterres interveio na Cimeira, como convidado especial dos BRICS na qualidade de Secretário-geral da ONU e, no seu curto discurso, reconheceu temas que os países do Sul Global e BRICS defendem como “as estruturas da governança global do após Segunda Guerra, do tempo da Guerra Fria, excluírem muitos países”, e vincou o facto de “as estruturas de governação global de hoje refletirem o mundo de ontem”, para concluir que, se não se proceder a reformas, a fragmentação mundial pode suceder. Esta, a grande questão.

A 15ª Cimeira deu alguns passos com prudência, designadamente o alargamento, que pode trazer alguma turbulência interna nos BRICS. Fica nas mãos da ONU dar outros no acesso aos países do Sul Global. Mas será que virão a tempo? Ou as roturas tornar-se-ão um problema inevitável?!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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