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sábado, 9 de setembro de 2023

Bilhardeiro(a)

 

Há um regionalismo madeirense que atribui o significado ao que se passou no recente Conselho de Estado: bilhardeiro ou bilhardeira, aquele(a) que tem uma apetência especial pela intriga. Já não bastavam as transcrições integrais do que se passa nos inquéritos e audições da Justiça, em processos alegadamente em "segredo", ao mais alto nível do Estado, o comportamento bisbilhoteiro parece que se tornou norma. Desprestigiante.



Não me interessa saber quem foi o bilhardeiro(a) que soprou à comunicação social que as figuras x ou y não abriram a boca no decorrer da reunião. Isso parece-me ser de somenos importância. Como disse o pedagogo austríaco Shlomo Rubin, "gosta-se da bisbilhotice, mas odeia-se o bisbilhoteiro". E eu não aprecio nem a bisbilhotice tampouco odeio a figurinha bilhardeira. Corto o mal pela raiz. Aliás, ao longo da vida participei em tantas reuniões onde preferi o silêncio. Entendi que, com essa opção, estava a falar não falando. 

Ora, mais grave e a ter em atenção não é a existência do bilhardeiro(a), mas a composição do Conselho de Estado. Não é recente a minha posição sobre esse importante órgão de audição do Presidente da República. Penso que é nessa composição que reside o problema. Com as devidas excepções de pessoas de um mérito excepcional, estadistas que ali se sentam pensando na geração seguinte e não na eleição seguinte, aquele órgão está extremamente partidarizado com pessoas de reconhecimento muito discutível. Gostaria, isso sim, que o Conselho de Estado tivesse uma menor representação partidária, directa ou indirecta. Com as óbvias excepções, claro, sem presenças por inerência de cargos, mas pelo mérito pessoal, de tal forma que para ele olhássemos como um corpo de referências maiores do país, uma estrutura de rectaguarda capaz de, com sabedoria, ajudar a guiar o mais alto representante do povo. Infelizmente o que se denota é que, naquele Conselho, alguém corresponde ao pensamento do escritor Apparício Torelly (1895/1971), de pseudónimo Barão de Itarará, quando enalteceu que "todo o homem que se vende recebe muito mais do que vale".

Compaginando, Aristóteles (322 aC) terá dito que o "sábio nunca diz tudo o que pensa, mas pensa sempre tudo o que diz". Ora, por um lado, o bilhardeiro(a) vendeu-se e, por isso mesmo pouco vale; por outro, os que não falaram, no actual contexto político, podem ter sido sábios. 

Através de bilhardeiros o país não vai longe. Aqueles, porque perversos, estimulam, enquanto contrapartida, os comentadores do nada, que desvalorizam e descentram as preocupações vitais que dizem respeito ao bem-estar do povo. Tornou-se regra a marginalização do importante e, entre a confidencialidade a que estão obrigados e a intriga, o bilhardeiro prefere a última. Entre a regra que impõe o sigilo e o bufar com interesses pessoais, pedindo para eles próprios a não divulgação da origem da fonte, o bilhardeiro vende-se por pouco, na esteira de Sttau Monteiro - in "Angústia para o jantar": 

"O homem vende-se por pouco. Um Volkswagen, um andar no Areeiro, uma mulher que só casa pela Igreja, ou a amizade dum tipo importante, são suficientes para que se esqueça do que tem de mais íntegro e de mais seu. Por vezes o negócio é mais subtil, menos aparente, e o homem vende-se para ver o seu nome no jornal, para viajar à custa do seu semelhante ou ainda para ter acesso a certos círculos que o deslumbram. A transacção nunca é rápida. O homem vende-se aos bocados, a prestações, dia a dia. Muitos, ao fim dum tempo, já nem sabem que estão a se vender: atingem uma posição que os obriga a defender interesses contrários a tudo o que sempre sustentaram, e são comprados por essa posição. Continuam, em voz alta, a defender os mesmos princípios de sempre, mas secretamente guerreiam os ideais que dizem ter e fazem o que podem para evitar a sua concretização. A grande maioria dos homens, porém, vende-se por cobardia".

Ora bem, o bilhardeiro é um cobarde!

Ilustração: Google Imagens

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