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quarta-feira, 2 de junho de 2010

REGIME JURÍDICO DO SISTEMA EDUCATIVO REGIONAL



Os problemas da educação não se resolvem com a aplicação de pensos-rápidos perante uma infecção profunda e provadora de dor política, económica, cultural e social. Chumbar o Regime Jurídico é estar, com toda a certeza, a comprometer o futuro. Não é por aí e não foi por aí que outros países conseguiram o sucesso e se equilibraram perante este conturbado mundo.


Finalmente, a proposta do PS-Madeira, de criação de um "Regime Jurídico do Sistema Educativo da Região Autónoma da Madeira", entregue na Assembleia a 2 de Novembro de 2009, foi sujeita a "debate". Iniciou-se ontem e terminou esta manhã. Assunto ao qual regressarei com algumas considerações relativamente ao "debate".
Na discussão na generalidade, apresentei a seguinte intervenção:
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados,
A seriedade e a importância deste Regime Jurídico obriga-me a que utilize este palco para falar de frente aos senhores Deputados.
Decorre a terceira sessão legislativa. Ao longo de todo este tempo muito se discutiu o sector educativo. E verdade seja dita que tem sido pouco proveitoso o debate. As várias propostas de toda a oposição, particularmente, as propostas que aqui trouxemos, depois de estudadas e amadurecidas, tiveram todas o mesmo fim. Nem uma foi aproveitada para discutir com seriedade e profundidade.
É evidente que V. Exas., em abstracto, estão no seu direito de maioria absoluta de governarem da forma como governam. Todavia, no plano democrático, sabe-se que nem sempre as maiorias têm razão, embora os escrutínios devam ser respeitados. E nós respeitamos. Mas constitui um erro, histórico, partir do princípio que estas questões da Educação devem ser partidarizadas. Politizadas, sim. E têm sido fundamentalmente partidarizadas, com custos enormes para o sistema educativo em geral mas, muito particularmente, para a Educação que faz falta à Região, se considerarmos que é dela que depende o nosso futuro colectivo. Precisamos da Educação como do pão para a boca.
É por isso que, apesar dos vossos posicionamentos do passado ainda recente, nós continuamos a insistir. Não porque tenhamos a verdade absoluta sobre este tema mas porque entendemos ser fundamental manter o debate que conduza ao despertar da consciência que este caminho que está a ser seguido na Região merece uma séria, profunda e ponderada reflexão. E essa reflexão, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, deve ter um princípio sobre o qual se deve abrigar toda a restante legislação e esse é o do Regime Jurídico do Sistema Educativo Regional, partindo do pressuposto da existência de uma Lei de Bases do Sistema Educativo que permite as necessárias adaptações e desenvolvimentos.
Senhores Deputados, têm aqui um documento para eventual discussão. E dizemos eventual porque li, na comunicação social, muito antes do documento aqui ter chegado, há quatro ou cinco meses, que a sua condenação absoluta já estava definida.
Esta proposta que têm sobre as vossas mesas partiu de um documento base que contou com uma revisão de vinte especialistas em educação. Mais tarde, dois especialistas em assuntos jurídico-constitucionais também facultaram o seu parecer. Ao todo, em relação ao documento-base foram recolhidas 208 propostas de aditamento, supressão ou modificação do texto.
Tivemos o cuidado de compaginar a Constituição da República, a Lei de Bases do Sistema Educativo, os vários fundamentos elaborados pelo Senhor Representante da República que justificaram várias devoluções ao longo dos anos, colocámos, obviamente, neste documento as nossas convicções e, portanto, aqui está para que seja debatido e devidamente analisado. Mais ainda, lemos e aproveitámos o essencial de um regime jurídico apresentado pelo PSD na anterior legislatura e que foi recusado, susceptível de sofrer de “inconstitucionalidade formal, procedimental, orgânica e material”. De facto, tratou-se de uma proposta infeliz, mal concebida, de argumentação frágil, cheia de ambiguidades e sem uma linha condutora de coerência textual. E Vossas Excelências perceberam isso, tanto assim é que a meteram na gaveta até hoje.
Apesar de termos trabalhado nesta proposta durante dez meses, durante os quais realizámos conferências debate com a participação de ilustres figuras da educação, de termos realizado um esforço no âmbito da legislação comparada, estamos muito longe de considerarmos que este é um documento acabado e intocável. Não é, senhores deputados. Nós entendemos que ele constitui um bom ponto de partida, mas não é um ponto de chegada, uma verdade absoluta, um texto irrepreensível. Precisa de novos contributos, precisa da humildade de todos e, sobretudo, de muito bom senso.
Não é um documento irrealista como por aí escutei, não é um documento que vise o facilitismo na escola como li algures, não é um texto leviano que vise deitar abaixo as escolas de grande dimensão mas é, certamente, um documento com os olhos colocados no amanhã, um documento que assenta no pressuposto autonómico e de uma transformação graduada no tempo que implica assumir, desde logo, que o sector educativo é a pedra de toque da construção ou reconstrução da nossa sociedade. É pelo sector educativo que, a prazo, esperemos que não muito longo, a Região poderá ganhar prosperidade. Só pela inteligência, pela qualidade, por uma formação vocacional e profissional adequada, só com rigor, disciplina, só com muito trabalho e de todos, políticos, educadores, professores, administrativos e uma alta e irrepreensível consciência política, a Região poderá ganhar esta batalha da Educação. Uma batalha, senhor presidente e senhores deputados, em que a sensação que temos hoje é que estamos a recuar, em função dos argumentos das culturas e das mentalidades mais bem preparadas.
Não é um documento que não necessite de novos olhares, inclusive, de natureza constitucional. Consideramos, até, que se esse for o problema, pela importância do documento, na dúvida, a Assembleia deve solicitar um parecer a um constitucionalista, aliás, na esteira do que tem feito em outros momentos. Da nossa parte, repetimos, se algum entrave existir, a nossa proposta de revisão constitucional incluirá esta matéria, independentemente de uma outra tomada de posição que iremos assumir, cuja divulgação guardamos para momento oportuno e em função do desfecho deste debate em termos de votação.
Com o que não nos conformamos, é com a manutenção deste quadro de rotinas em que se transformou a Educação, manter a irresponsabilidade, a indisciplina e a Escola como lugar fundamentalmente de convívio e não de aprendizagem e de competências, manter este sistema que possibilita inaugurações, festas, discursos e aplausos, descurando que a prioridade da escola é estar ao serviço do desenvolvimento e não ao serviço da política, manter este tipo de organização centralizadora que mata a sadia construção da identidade de cada estabelecimento de ensino, manter escolas onde o acessório mata o essencial, não perceber o porquê dos docentes andarem desmotivados, cansados e sem a alma de outros tempos, não compreender que estamos a enfrentar um período difícil como testemunham os indicadores da pobreza e do desemprego que implica que o sistema tenha de ser, obrigatória e universalmente, gratuito, admitir, senhor presidente, senhoras e senhores deputados, que os problemas da educação se resolvem com a aplicação de pensos-rápidos perante uma infecção profunda e provadora de dor política, económica, cultural e social, é estar, com toda a certeza, a comprometer o futuro.
Não é por aí e não foi por aí que outros países conseguiram o sucesso e se equilibraram perante este conturbado mundo. Tem havido, lamentavelmente, um crónico pensamento nesta Região Autónoma que é preferível a estabilidade, embora doentia e sem futuro, ao rompimento com status quo, só que essa mentalidade conduzirá a que paguemos o futuro com juros acrescidos. Já estamos a pagar.
Seria bom o governo visitar, prioritária e demoradamente, países que estão no topo do rendimento escolar e aí beber e perceber o que significam escolas de pequena dimensão, compreender o que significa o ensino gratuito, o que significa no futuro da Região cada euro investido, perceber como não se avalia a actividade docente e discente, compreender a autonomia pedagógica de cada estabelecimento de educação e ensino e a importância da diferenciação, integrar um pensamento estratégico no plano organizacional, curricular e programático, conhecer o valor da dignificação da função docente, visitar a Finlândia, por exemplo, onde cada escola tem autonomia curricular e está no topo dos resultado PISA, visitar a escola portuguesa de Vila das Aves, a Escola da Ponte que a querem matar, onde não há turmas nem toque para entrar e sair e onde são os alunos que elaboram o regulamento da escola, acompanhar as aulas que acontecem nos museus, na vida real, perceber o porquê dos currículos e do interesse de serem os próprios professores a definirem a tipologia dos edifícios até os programas das várias disciplinas, compreender o sistema de avaliação das aprendizagens, a transversalidade disciplinar, a formação inicial, complementar e especializada, a importância da formação dos assistentes operacionais como coadjuvantes da educação, isto é, os antigos auxiliares de acção educativa, perceber, enfim, como se estrutura o ensino vocacional. Esse tipo de visitas urge.
O nosso problema, o problema da Região, em matéria de política educativa, não é senhores deputados, nunca foi, de ausência de meios, isto é, de recursos humanos, materiais e financeiros. O problema é outro, é de letargia, de rotina, de mentalidade, de capacidade para assumir o erro, capacidade para voltar atrás e corrigir. Alguns, sem sentido, apregoam que temos o melhor rácio professor-aluno, o melhor rácio computador-aluno, então, legitimamente perguntamos, que razões estão na origem de não termos resultados proporcionais ao investimento? Mais. Deveriam, senhores deputados, interrogar-se se, na verdade, os professores estão felizes na Região ou será que existe um silêncio ensurdecedor por razões que todos conhecem?
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Hoje, curiosamente, Dia da Criança, o documento está em debate. Não é uma bíblia, mas é desejável que todos ajudemos a implodir este sistema educativo procurando sobre os escombros alguma coisa que nos ajude a construir o futuro da nossa Região. Se assim não fizerem serão cúmplices do desastre que se aproxima.
Ilustração: Google Imagens.

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