Apesar da crise, cresceu o número de ricos em Portugal. Nada de espantar. Os tempos de crise são fabulosos para alguns. A crise é coisa de pobres e de remediados. Para os outros, trata-se de uma oportunidade para multiplicar o dinheiro. Muitos têm de emigrar, ao ritmo de 10.000 por mês, outros ficam por aí na sua fábrica de multiplicação de euros. Para uns, funcionários públicos e privados, aposentados e pensionistas, o governo rouba-lhes o direito à dignidade e felicidade mínimas, para outros, fecha os olhos, quando deveria ser dever seu identificar e analisar as origens das fortunas. Certamente que descobriria muitas mal explicadas! Mas, atenção, nenhuma reserva tenho quanto aos ricos. Desde que seja limpinho, paguem os seus impostos, giram postos de trabalho, não explorem mão-de-obra barata e, proporcionalmente, contribuam para uma melhor distribuição da riqueza produzida, eles passam por mim como a água nas penas de um pato. Só que sabemos não ser bem assim e a crise não é sentida por todos. Um relatório do banco suíço UBS concluiu que, em Portugal, há mais 85 milionários – indivíduos com fortunas superiores a 30 milhões de dólares (perto de 22,4 milhões de euros) – do que em 2012. Este aumento significa que os 870 milionários portugueses detêm, em conjunto, 100 mil milhões de dólares (75 mil milhões de euros), o que representa um aumento de 11,1% em relação a 2012. As fortunas superiores a 25 milhões aumentou 10,8%. O aumento da riqueza dos portugueses é superior à média da União Europeia que se cifra em 8,7%, mas mais de um milhão não tem emprego. Um escândalo.
Andam médicos e enfermeiros (direito à saúde) a serem roubados todos os meses, professores despedidos aos milhares (direito à educação), aposentados e pensionistas (direito a ser ressarcido dos descontos feitos) espoliados até ao tutano, engenheiros, arquitectos, advogados entre tantos outros com formação superior, confrontados com ofertas de emprego de 300/400,00 euros por mês (e é se quiseres!) e a crise não bate à porta daqueles que cresceram e multiplicaram através da crise. Inveja? Não. Quem me conhece sabe que eu quero lá saber de quanto ganham os outros. Não quero é que me roubem, isso não. Não quero é assistir a estes números obscenos, pornográficos e ao inferno que se passa na maioria dos lares portugueses. É por isso que escrevo. De resto, alguma riqueza, construída ou herdada, nunca me causou qualquer espécie de urticária.
Mas este não é assunto novo. Em Janeiro de 2011, ainda desempenhava funções na Assembleia Legislativa da Madeira e a propósito de uma proposta do PCP-Madeira, visando a constituição de uma Comissão Eventual para análise aos "bilionários da Madeira", comissão eventual que o PSD-Madeira votou contra, apresentei uma comunicação onde sublinhei o seguinte: "Em abstracto, sem referência explícita às pessoas, sejam as mais conhecidas, objecto de referência em ranking's nacionais de fortuna, ou de outras que acumularam consideráveis valores, parece-nos evidente que o problema aqui equacionado apresenta duas, entre outras vertentes: por um lado, os particulares, se pagam ou não os seus impostos, se existe fuga ou não, se a fiscalização é rigorosa ou não e se a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais consegue tudo fazer para que a lei seja cumprida. No caso dos particulares, trata-se de verificar, exaustivamente, os sinais exteriores de uma eventual fortuna mal explicada. Portanto, está aqui em causa o cumprimento escrupuloso da lei que, por extensão, se pode tornar em casos que a Justiça deveria averiguar. Relativamente aos particulares, grosso modo, a questão é esta. Por outro, temos o sistema político que, eventualmente, pode ser gerador de fortunas, através de procedimentos de reduzida transparência. Neste caso, também em abstracto, a questão é profunda, labiríntica, complexa, pois interessaria conhecer todo o bas-fond das negociações. Umas são feitas quase às claras, outras, certamente, que nem fica um fio para tomar à meada. (...) Quando falamos decisões quase às claras ou mesmo às claras, estamos a falar das concessões atribuídas, geradoras de lucros verdadeiramente obscenos, em que o dinheiro gira, através do próprio erário público e através de processos que não têm em conta as necessidades e prioridades locais. Não faz sentido a existência de grandes empresas que lucram à sombra da arbitrária decisão do governo regional e que, não só não contribuem, como demonstram não possuírem qualquer responsabilidade social. E nós já apresentámos projectos no quadro de uma contribuição especial consignada para aquilo que designámos por Instituto de Gestão do Roteiro Social. Recordamos o imposto sobre o Património Mobiliário das Empresas titulares de Concessões de Serviços Públicos na Região, imposto este sobre o activo mobiliário, incluindo os activos revertíveis; recordamos a contribuição em 50% da Empresa Estradas da Madeira para o mesmo Instituto de Gestão do Roteiro Social, exactamente para acções de apoio aos mais pobres e socialmente discriminados; recordamos as propostas feitas no recentemente debate do Plano e Orçamento. Tudo, senhoras e senhores deputados foi literalmente chumbado, porque não existe da parte do governo regional e da maioria parlamentar uma verdadeira sensibilidade social.
Isto para dizer que, se esta Assembleia funcionasse de uma forma democrática e atenta, se esta Assembleia não constituísse uma mera correia de transmissão dos interesses do poder, é óbvio que justificar-se-ia não uma comissão eventual para análise das maiores fortunas, mas numa comissão de inquérito ao governo regional para determinar o que suscita dúvidas por ausência de transparência e, a partir daí, os alegados interesses que se movem para além do horizonte visual e do conhecimento. A questão trazida aqui pelo grupo parlamentar do PCP tem variáveis que estão muito para além de uma mera análise às maiores fortunas. Interessava, sobretudo conhecê-las na sua alegada articulação promiscua entre o poder político e o poder económico, já que no que concerne aos deveres de retribuição adicional e extraordinária, bastaria que o Governo Regional quisesse impô-la e já demonstrou que não quer (...)". Repito: o grupo parlamentar do PSD-Madeira CHUMBOU. E se chumbou é porque não está interessado em pegar o fio à meada!
Não sei se isto tem alguma coisa a ver com os milionários, com jogos menos claros, tampouco com o chumbo à comissão eventual de inquérito, mas num dos últimos actos eleitorais, foi notícia que o PSD tinha realizado 28 jantares para mais de 25 mil pessoas, que consumiram 1,5 toneladas de comida, 51 mil cervejas e 8.500 garrafas de vinho. Quem pagou não sei. Sei que ganharam as eleições. E também sei que ficou clara a pouca-vergonha de gastar à custa dos madeirenses e numa lógica de compra das consciências. Será que uma mão lava a outra e as duas uma cara muito suja?
Ilustração: Google Imagens.
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