É-me difícil classificar a intervenção de ontem à noite do Senhor Presidente da República. Já nem falo da questão do Orçamento de Estado ao não referir-se ao compromisso de apreciação sucessiva pelo Tribunal Constitucional, pois que desse domínio os partidos políticos se encarregarão, falo sim da estrutura, do pensamento político, da mensagem cheia de lugares comuns, de palavras e mais palavras que nada adiantaram. Classificaria aquilo como uma "redacção" escolar e não um discurso da mais alta figura institucional do Estado. Pobre, muito pobre, de resto como a maioria dos portugueses estão. Uma intervenção que não trouxe nada de novo, não questionou, não analisou os meandros da engrenagem internacional com a qual estamos confrontados, apenas leu um documento de posições já repetidas vezes sem conta, inclusive, aquela de querer forçar um compromisso interpartidário quando ele sabe, no mínimo, três coisas: primeiro, que existe uma maioria absoluta na Assembleia da República para governar; segundo, que existem posições antagónicas e inconciliáveis entre os partidos da maioria e os restantes; terceiro, que ninguém esquece que ele, Presidente da República, tudo fez para que o governo socialista caísse (PEC IV) e que agora tem, perante tanto desconforto nacional, uma posição completamente diferente.
Sempre na penumbra! |
O discurso de Ano Novo foi um discurso de ano velho. O Presidente portou-se como um ministro de Passos Coelho tal foi a colagem e a identificação de pontos de vista. Não foi o presidente de todos os portugueses, a figura atenta ao que se está a passar, com milhões a sobreviverem face ao descarado roubo de que estão a ser vítimas; não foi o presidente sereno e distante a tocar nas feridas que sangram na sociedade portuguesa, antes deixou o governo como peixe na água, bem alimentado e com uma temperatura confortável. E os portugueses que se amanhem! Como o outro referiu: eles aguentam, "ai aguentam, aguentam!" Os portugueses, na óptica do Presidente, ficam para depois, porque, ideologicamente, há que manter a actual situação, a pouca-vergonha europeia de uma direita insaciável que explora e espezinha mas sempre com um sorriso nos lábios. E até vão mais longe, hipocritamente, através de declarações políticas, como aquela do Conselho da Europa que deu conta que a austeridade está a atentar contra os direitos humanos. Ou como as de Christine Lagarde, do FMI, quase no mesmo sentido, mas cujos funcionários entram no nosso País e ditam as leis da escravização de uns para os assombrosos lucros de outros. Cavaco Silva não vê e não quer ver nada disto, assume, claramente, uma posição convergente, sempre na lógica dos mercados, nunca numa lógica de análise estadista. Não se trata aqui de desejar ouvir do Presidente aquilo que me poderá soar bem aos ouvidos e à minha consciência, mas de ter um discurso que saia das generalidades e das banalidades para se centrar numa visão mais ampla, ela própria geradora de confiança e de esperança. O Presidente falou mas foi como se não tivesse falado. Ficou tudo na mesma o que equivale dizer que não temos Presidente. O que também já sabíamos.
Ilustração: Google Imagens.
4 comentários:
Um discurso à medida do povo português que o elegeu para presidente assim como elegeu o crápula do coelho.
Obrigado pelo seu comentário.
Se me permite, o povo acaba por ser mais vítima do que culpado. É evidente que é o povo que vota, mas também é verdade que o povo é o resultado da Escola que temos e dos currículos que temos, nada concebidos para o conhecimento poderoso, para a cidadania e para a Democracia. Depois, temos o que temos. Obviamente que respeito quem vota em gente que só aparentemente é credível, mas se outros fossem os olhares, parece-me óbvio que no sentido de voto não se deixaria levar em conversas de treta. Um abraço e bom ano.
Caro, Cavaco é um produto dos media, que o suporta e promove, minorando a sua mais que comprovada limitação a todos os níveis e fazendo passar a idéia do mito de um homem sério.
Cavaco foi uma pessoa que nunca foi verdadeiramente escrutinada pelos media apesar da vergonhosa sucessão de factos, de todos conhecidos que lhe são imputados.
Imaginem, por exemplo, que qualquer destes factos fosse atribuído a Sócrates, o que não aconteceria...
Um abraço.
JV
Obrigado pelo seu comentário.
Peço desculpa de só agora o publicar. Lamentavelmente não verifiquei a entrada de mensagens.
Concordo totalmente consigo.
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