Coloco a um lado as convicções partidárias, mesmo as mais fervorosas e dependentes por razões várias. Faço apenas um exercício tendo como ponto de partida as sondagens que, alegadamente, repito, alegadamente, dizem existir um equilíbrio entre a Coligação PSD/CDS e o Partido Socialista, com os restantes partidos a uma larga distância. E neste pressuposto, questiono-me: quantos funcionários públicos, em geral, que foram tratados a pontapé, reduzindo-lhes salários através de uma enormíssima carga fiscal (não só) e direitos sociais conquistados, poderão votar na Coligação? Quantos, em particular, professores que há anos têm as suas carreiras congeladas, que são vítimas do espezinhamento profissional por dispensa (nos últimos quatro anos, Nuno Crato abateu 11.000 professores ao quadro e, este ano, 23.000 não conseguiram colocação) ou um estranho conceito de mobilidade, poderão votar na Coligação? Quantos reformados e pensionistas espoliados e ofendidos na sua dignidade, que viram os seus contratos rasgados, poderão votar na Coligação? Quantos médicos e enfermeiros, recentes e mais antigos, vítimas da exploração profissional, poderão votar na Coligação? Quantos jovens desempregados poderão votar na Coligação? Quantos, vítimas do papel comercial do BES, emigrantes ou residentes, os próprios titulares e seus familiares, que se manifestam por todo o país, poderão votar na Coligação? Quantos trabalhadores do sector empresarial privado, a recibo-verde ou não, sujeitos cada vez a mais horas de trabalho e remunerações mais baixas, sujeito a um banco de horas, poderão votar na Coligação? Quantos polícias, os milhares que se manifestaram nas escadarias da Assembleia da República, votarão na Coligação? Quantos militares que reunidos nas suas associações (oficiais, sargentos e praças) dos três ramos das Forças Armadas, ofendidos na sua dignidade, votarão na Coligação? Quantos cidadãos que tiveram de hipotecar ou devolver à banca o seu património em função de uma estúpida austeridade, poderão votar na Coligação? Quantos trabalhadores vítimas das privatizações a eito, muitas delapidando a riqueza nacional, ainda assim estão disponíveis para votar na Coligação PSD/CDS? E já agora, as manifestações, algumas com mais de cem mil pessoas, foram levianas, não sentidas e absolutamente deslocadas da realidade?
Há qualquer aqui que não bate certo. Estas sondagens deixam qualquer pessoa com a "pulga atrás da orelha". Serão verdadeiras? Duvido. Estará o povo a ser sincero? Duvido. Perante os factos, quando hoje se sabe que outro poderia ter sido o caminho, quando a dívida em percentagem do PIB está substancialmente pior do que estava, quando os mesmos de sempre (FMI e quejandos) apontam para a necessidade de mais austeridade (sempre a mesma receita), quando, dizem, os "cofres estão cheios" mas não devolvem o produto do roubo, pergunto-me se a "bota dá com a perdigota"?
NOTA
Li, no Funchal Notícias, uma oportuna reflexão sobre este tema da autoria do Dr. Mota Torres. Vale a pena sua leitura. Aqui.
Ilustração: Google Imagens.
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